domingo, 26 de abril de 2020

Dora Kramer - Rolando o lero

- Revista Veja

Fala de Bolsonaro só teve tamanho: foi longa e inconsistente

Se a ideia era “restabelecer a verdade”, como disse que faria em relação ao pronunciamento de despedida de Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro não alcançou seu propósito. O discurso foi longo (com a evidente intenção de igualar os cerca de 40 minutos usados de manhã por Moro), mas inconsistente.

Limitou-se a qualificar como “infundadas” as acusações sobre tentativas de interferir no trabalho da Polícia Federal e simplesmente ignorou a fraude da assinatura do então ministro a Justiça no ato de exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Nem de longe o conteúdo do pronunciamento presidencial equiparou-se à fala do ministro demissionário.

Bolsonaro evitou ataques mais pesados a Moro, talvez como medida de precaução a tréplicas, pois não é crível que o ex-juiz fizesse acusações sem estar calçado em algum tipo de prova. A fim de preencher essa lacuna, o presidente acusou Moro de tê-lo chantageado exigindo que demitisse Valeixo apenas depois de presenteá-lo com indicação para a vaga de Celso de Melo no Supremo Tribunal Federal.

No mais, tergiversou. Ora falando levemente em “deslealdade” e divergência de pensamentos com Moro, ora distorcendo o sentido de interferência para dizer que apenas buscava uma melhor “interação” com a PF, ora invocando “súplicas” que teria feito para aprofundamento das investigações sobre o atentado de Juiz de Fora e o caso do depoimento do porteiro do condomínio onde tem casa no Rio relacionando-o com os assassinos de Marielle Franco.

Tanto não tinha muito o que dizer que Bolsonaro gastou bons minutos a devanear sobre o aquecimento da piscina olímpica do Alvorada, o uso dos cartões de crédito corporativos da Presidência e uma extemporânea defesa do ministro da Educação.

O dado concreto é que Bolsonaro não conseguiu responder à altura do que havia dito Sergio Moro, não desmanchou a cama de gato onde se encontra e muito menos pôde equilibrar a balança. Moro recebeu uma acusação de chantagem a ser tratada no terreno da palavra contra palavra, mas Jair Bolsonaro está agora às voltas com o STF que foi instado pela Procuradoria-Geral da República a se manifestar sobre uma série de possíveis ilegalidades cometidas por ele no exercício da Presidência.

Isso por enquanto e para dizer o mínimo.

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