domingo, 26 de abril de 2020

Miguel Caballero - Bolsonaro pode ter a cabeça levada à guilhotina, mas quem baixa a lâmina são os deputados

- O Globo

A artilharia disparada por Sergio Moro em sua demissão fará com que o presidente Jair Bolsonaro viva, nos próximos meses, sob a constante pressão não apenas das novas denúncias lançadas pelo ex-ministro, mas também dos inquéritos já em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A urgência do presidente em atropelar seu ministro mais popular sinaliza que a Polícia Federal (PF) avançou para perto demais de sua família no caso das fake news.

Ainda que consiga escalar no Ministério da Justiça e mesmo na direção da PF pessoas que aceitem tentar abafar investigações indesejadas, é improvável que Bolsonaro consiga resolver assim o seu problema. A liberdade de ação de delegados em inquéritos já abertos é bastante ampla. Os anos de Lava-Jato no governo Dilma e a inócua investida de Michel Temer com a nomeação de Fernando Segovia na PF são exemplos recentes. A decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes blindando a equipe que conduz os casos das fake news e dos protestos antidemocráticos mostra que não será fácil alterar esse panorama.

O possível surgimento de provas contra Bolsonaro ou seus filhos nesses inquéritos é apenas um dos complicadores da situação do presidente. Está também na perspectiva a deterioração de seu desempenho em outros dois quesitos tidos como necessários para a inviabilização de um mandato presidencial: a economia não vai melhorar tão cedo, e é razoável supor uma perda importante de popularidade decorrente do rompimento público com Sergio Moro. A aceleração do número de mortes pelo coronavírus pode agravar o cenário no curto prazo.

Tudo isso pode fazer com que Bolsonaro não disponha de muitos meios para evitar que sua cabeça seja posta na guilhotina. Mas quem opera o botão que baixa a lâmina, seja na forma de aceitar um pedido de impeachment ou na de avalizar uma denúncia da Procuradoria-Geral da República ao Supremo, são os deputados — e aí ainda há muito jogo para ser jogado.

Nesse campo, as circunstâncias atuais são bem diferentes para Bolsonaro do que foram para Dilma e Temer, com vantagens e desvantagens para o atual presidente. Etapa efetivamente decisiva para a substituição do inquilino do Planalto, o comportamento dos parlamentares é, agora, mais imprevisível do que foi em 2016 e em 2017.

No impeachment de Dilma e no veto às denúncias contra Temer, o Congresso estava fortemente influenciado pelo avanço da Lava-Jato sobre a classe política. Derrubar a petista (em coro a protestos de rua) era necessário para tentar estancar a sangria. Entronar Temer foi insuficiente, e mantê-lo no cargo (agora na contramão da opinião pública) foi a tentativa seguinte de autopreservação da classe. Prevalecia o instinto de sobrevivência — em outras palavras, o medo de ser preso.

Hoje esse temor está praticamente eliminado da conjuntura, pela combinação de dois requisitos ratificados recentemente pelo STF: a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado dos processos para o cumprimento da pena e a de se ter autorização do Legislativo para a prisão provisória de qualquer de seus membros.

Com prováveis más notícias no horizonte em termos de aprovação popular e na economia, além de possivelmente enrolado na Justiça, Bolsonaro não tem muita opção que não passe por negociar com os partidos da “velha política”. Por um lado, seu discurso antissistema reduz sua margem para uma composição política mais explícita. Por outro, conta a seu favor o fato de que não agrada a grande parte dos congressistas a ideia de abrilhantar o currículo de Sérgio Moro com o “mérito” de ter derrubado mais um presidente.

Proprietários da alavanca que ejeta o presidente, sem a pressão da Lava-Jato no encalço, líderes do Congresso estão mais à vontade para exercer o papel de dono da banca no qual são profissionais. A semana que terminou com um pico de excitação política pelo bombástico pronunciamento de Moro, e algumas previsões de que “o governo acabou”, trouxe também a avaliação de chefes partidários do centrão de que não há clima político que realmente ameace Bolsonaro por ora. Recomenda-se paciência aos mais ansiosos por qualquer desfecho.

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