- Folha de S. Paulo
Não há motivo para criar discriminações extras contra os mais velhos
Hoje eu estou bravo. Ainda não tenho 60 anos, de modo que certos prefeitos podem dormir tranquilos. Mas, se tivesse e algum alcaide populista tentasse me impedir de fazer o que é facultado a qualquer um com 59 anos, eu resistiria, recorrendo à força se preciso. O direito, afinal, autoriza cidadãos a usar de todos os meios necessários para repelir injusta agressão.
Estou falando de iniciativas, como a do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, de multar maiores de 60 anos que estejam circulando pela cidade sem justificativa, e de ideias, como a do alcaide carioca, Marcelo Crivella, de impor hospedagem compulsória a idosos em hotéis.
Sim, vivemos tempos excepcionais que justificam medidas excepcionais. Entendo e defendo que se instituam restrições momentâneas aos direitos de ir e vir e de reunião, mas não há nenhum motivo para estabelecer discriminações extras contra os mais velhos. A circulação de idosos não representa uma ameaça maior para a sociedade do que a de jovens; o perigo que saídas desnecessárias implicam para o próprio sujeito é do âmbito da autonomia individual.
Não quero, com essas observações, negar que pessoas mais velhas corram mais risco com a Covid-19. As estatísticas deixam isso muito claro. Os idosos devem mesmo se precaver. Vou mais longe: as famílias têm legitimidade para usar de todos os artifícios da chantagem emocional para demover pais e avós da superexposição, mas não cabe aqui tutela por parte de nenhuma autoridade.
Não é preciso mais do que um simples experimento mental para ver o absurdo da coisa. Negros, pela maior prevalência de hipertensão arterial e diabetes, também estão sob maior risco de desenvolver quadros severos de Covid-19. Vamos então proibir esse grupo étnico de circular "sem justificativa"?
Vivemos um momento difícil, que exige ações assertivas, mas nada justifica a criação de novos apartheids.
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