- O Globo
Bolsonaro joga suas fichas na divisão entre Câmara e Senado para conseguir reduzir o plano de ajuda emergencial
Na falta de apoio de uma base parlamentar sólida, que nunca teve intenção de construir nesse pouco mais de um ano de governo, o presidente Bolsonaro joga suas fichas na divisão entre Câmara e Senado para conseguir reduzir o plano de ajuda emergencial a estados e municípios aprovado pela Câmara, que tem que passar também pelo Senado.
Se não houver uma negociação às claras, teremos um impasse inaceitável em momento de crise. A Câmara aprovou na noite de segunda-feira uma recomposição das perdas do ICMS e do ISS por parte da União estimada em R$ 89,6 bilhões em seis meses, mas o governo quer limitar a ajuda a a R$ 40 bilhões. À noite, o Ministério da Economia ofereceu outras vantagens para compensar esse limite.
O projeto emergencial relatado pelo deputado Pedro Paulo foi negociado com a equipe do ministério da Economia, e a possibilidade de aval da União para empréstimos aos estados e municípios, incluída originalmente, foi retirada do projeto para dar mais segurança de longo prazo ao governo, que temia mais um calote, como muitos já havidos e renegociados.
Essa era uma ajuda em aberto, que nada tinha a ver com os problemas pontuais causados pela Covid-19. A área econômica do governo via nessa reivindicação uma tentativa de governadores resolverem problemas anteriores ao novo coronavírus em condições especiais.
Se o Senado fizer alterações, o projeto voltará à Câmara, e teremos perdido dias preciosos em situação de emergência. O próprio Bolsonaro está tendo uma série de reuniões com líderes do Centrão para tentar reverter essa decisão da Câmara, e teve um encontro sozinho com o presidente do Senado, David Alcolumbre, que costuma atuar em parceria com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, mas também deseja ser protagonista do jogo parlamentar.
Além de o objeto do acordo ser uma redução da ajuda a estados e municípios, num ano em que estão marcadas as eleições municipais, a dificuldade está no histórico da relação de Bolsonaro com os parlamentares. Desde o princípio, o governo Bolsonaro tem tentado agir acima dos partidos políticos, e até mesmo os ministros do DEM, que formam a maioria entre os partidos, foram escolhidos à revelia, mais por interesses pessoais de Bolsonaro do que das legendas a que eventualmente pertencem.
Bolsonaro tentou fazer negociações transversais, temáticas, suprapartidárias, mas não conseguiu neutralizar as direções partidárias. Tentou controlar o partido de aluguel pelo qual disputou e ganhou a eleição, e não obteve sucesso. Hoje é um sem partidos, em busca de criar sua própria legenda.
Assim como não foram ouvidos na escolha, também não o são nas demissões, não havendo obstáculos políticos para a tomada de decisão. O ministro Ônix Lorenzoni, que não mantinha boa relação com o presidente da Câmara Rodrigo Maia, anda de lá para cá no governo - já foi chefe do Gabinete Civil, coordenador político e agora está no ministério da Cidadania - sem que o DEM seja ouvido nem cheirado.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, designado para o cargo graças ao apoio do governador de Goiás Ronaldo Caiado, pode ser demitido sem que o DEM tenha mudado de posição quanto a ele ou ao presidente. Ao romper com Bolsonaro, Caiado seguia uma posição pessoal, e não partidária, embora a relação de Rodrigo Maia com o governo seja tumultuada desde sempre, com pequenos períodos de calmaria.
Mais uma vez, Bolsonaro procura resolver suas questões partidárias com negociações individualizadas, mas precisará como nunca antes do Congresso para manter-se no cargo. A estruturação de uma rede de proteção parlamentar, embora imprescindível a curto prazo, não parece estar a alcance de Bolsonaro.
O presidente da Câmara ontem mesmo disse que o problema é que os políticos vão ao Planalto negociar, e na saída já estão sendo criticados nas redes sociais. Essas combinações pontuais podem até surtir efeito imediato, mas não fincam raízes, nem alimentam lealdade.
A falta de controle das redes sociais é problema grave para os parlamentares, pois o governo não tem capacidade, e às vezes nem vontade, de, depois de soltar suas feras virtuais, fazê-las recuar.
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