quarta-feira, 15 de abril de 2020

Fernando Exman - Prudência e foco no debate político

- Valor Econômico

O risco de três atuais discussões extemporâneas

Há três discussões na praça que pouco - ou nada - contribuem para a manutenção da necessária estabilidade do sistema político em tempos de crise. São elas: a ampliação dos mandatos dos eleitos nas últimas eleições municipais, a mudança da regra que impede a reeleição dos atuais integrantes das Mesas Diretoras do Congresso Nacional e a adoção do regime parlamentarista.

Em tese, há argumentos para quem pretende levar essas discussões adiante ou desconstruí-las. Todos legítimos e plenamente defensáveis.

Neste momento, contudo, tais debates só servem a quem pode ter a intenção de aproveitar um eventual desarranjo momentâneo para apresentar suas próprias ideias institucionalmente disruptivas.

Dificilmente essas pautas avançariam sem gerar reações desproporcionais, num momento em que a desconfiança é a marca das relações institucionais. Poderiam, por outro lado, caber como o perfeito pretexto capaz de tumultar o ambiente político e o equilíbrio entre os Poderes.

A pandemia causada pelo novo coronavírus impôs uma ordem de prioridades nessa lista, até pela urgência imposta pelo calendário. O adiamento do pleito municipal, até então agendado para outubro, já começou a ser considerado possível em todos os Poderes e algo inclusive demandado por dirigentes de vários partidos. Não são as filas nas seções eleitorais que mais preocupam as autoridades e os políticos, mas o corpo a corpo na campanha, as tradicionalmente tumultuadas convenções partidárias e a redução dos recursos do fundão eleitoral.

Um grupo de trabalho foi criado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para projetar os impactos da pandemia nas eleições municipais. A manutenção do cronograma de testes de segurança das urnas eletrônicas, já muito contestadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, é uma preocupação concreta. O que causa a maior inquietação na Justiça Eleitoral, porém, é o risco do aumento da pressão para que os mandatos dos atuais prefeitos, vice-prefeitos e vereadores seja estendido para além de 31 de dezembro.

Um precedente perigoso. Está claro que esses mandatários não teriam legitimidade para permanecer em suas respectivas funções um minuto sequer além do autorizado pelo povo nas últimas eleições, em 2016. Teme-se que essa transgressão, mesmo que fundamentada por decisão legislativa, acabe por ornamentar os falsos argumentos de quem sempre defendeu a unificação das eleições em 2022 ou quem possa tentar criar as condições para a prorrogação de mandatos em outras esferas.

As outras duas discussões não têm relação direta com a pandemia e são bem anteriores ao surgimento do novo coronavírus, embora não sejam menos prejudiciais ao ambiente político do que a primeira. É justamente por isso que existem setores relevantes do Congresso dispostos a afastá-las da mesa, a despeito da histórica receptividade de muitos líderes políticos a ambas as ideias.

Também por imposição do calendário, depois das eleições municipais a agenda que se colocará será a sucessão nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Os mandatos do deputado Rodrigo Maia (RJ) e do senador Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM, expiram em fevereiro e a Constituição não deixa margem para interpretações heterodoxas sobre a impossibilidade de ambos permanecerem no comando do Legislativo. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de primeiro de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, determina o artigo 57 da Constituição.

A péssima ideia de se tentar reverter essa vedação por meio de uma simples mudança regimental já parece ter sido deixada de lado.

Mesmo assim, as articulações para a mudança desse trecho da Constituição por meio de uma emenda continuam, embora silenciosas.

Os críticos da iniciativa alertam que o Parlamento deveria ser o primeiro a dar o bom exemplo e a não mudar as regras do jogo durante a partida.

Seria positivo, também, que os defensores do parlamentarismo aguardassem um momento de menos estresse institucional. Recolocar a discussão desse tema em pauta só daria argumentos a quem, no governo ou no bolsonarismo, acusa o Legislativo de tentar usurpar os poderes do Executivo.

Apesar de ter muitos adeptos no meio político, o parlamentarismo foi derrotado em plebiscito e desde então seus defensores não conseguiram convencer a sociedade dos seus pontos positivos. Não é de se surpreender, uma vez que a classe política não goza de grande prestígio entre a população.

Os últimos meses foram marcados por sucessivos embates entre os dois Poderes. A disputa pelo controle do Orçamento foi um desses capítulos recentes, mas acabou perdendo sentido no mesmo momento em que o coronavírus limitou a peça orçamentária à mera condição de texto de referência sobre a situação das contas públicas antes da pandemia.

Todas as atenções neste momento devem estar, inclusive, voltadas aos esforços para combater a covid-19 e seus efeitos sociais e econômicos. O meio político deve conduzir os demais debates com responsabilidade e prudência.
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O presidente Jair Bolsonaro inovou e passou a desfilar em público com um colete da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, sobre o qual bordou um distintivo dos paraquedistas. Isso ocorreu depois que Luiz Henrique Mandetta e os técnicos do Ministério da Saúde trocaram o terno e a gravata por coletes azuis que já viraram símbolo na luta contra o coronavírus.

A preferência do presidente pela direção da Anvisa também é conhecida e não representou grande prejuízo a Mandetta. Na escolha do modelito, no entanto, quem saiu perdendo, além dos militares que insistem em tentar descolar as Forças Armadas do governo, foi a estética.

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