Radicalização no ataque às instituições ameaça quebrar juramento que fez na posse
O presidente Jair Bolsonaro parece ter decidido se manter de vez na trajetória de desobediência institucional para fazer um teste mais forte dos limites que a Constituição impõe ao Executivo. Os arroubos autoritários de Bolsonaro, da família e de seguidores mais sectários vêm de antes da posse. A liberdade de expressão é um direito, mas todos podem ser responsabilizados se atentarem contra preceitos também constitucionais. Dessa forma, com idas e vindas e correção de desvios por força da Lei, vive-se na democracia, em liberdade e aperfeiçoamento constante.
O que tem feito o presidente é algo diferente e mais grave, pelo cargo que ocupa. Tem pregado a sedição, com ameaças claras à ordem constituída. Vai muito além da irresponsável militância que exerce contra o isolamento social, e leva seguidores a fazerem o mesmo, preocupado exclusivamente com seu projeto eleitoral, que teme ser prejudicado caso demore a retomada da economia devido à epidemia do coronavírus. Junta-se a um grupo de autocratas bizarros e coloca o Brasil na companhia isolada de Bielorússia, Turcomenistão e Nicarágua. Não se preocupa com a marcha sem recuo da Covid-19 no país para ultrapassar, ontem, 7 mil mortos e 100 mil contaminados.
A participação de Bolsonaro em mais uma manifestação antidemocrática em Brasília, duas semanas depois da primeira, marca a radicalização do presidente. Naquela, na entrada do Quartel-General do Exército, entre slogans em favor de um golpe militar e um novo AI-5, ele soltou um pouco enigmático “não queremos negociar nada”. Nesta última aglomeração, desta vez em frente ao Planalto, também com ataques de militantes ao ex-ministro Sergio Moro, o presidente foi adiante na sua visão autocrática do poder, repetindo a leitura canhestra que faz da Carta: “Queremos a independência verdadeira dos Três Poderes (...). Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência”, avisou o presidente, aproximando-se de um chavismo de direita — todos os poderes nas mãos do Executivo, com Judiciário e Legislativo no papel de figurantes. O que é inaceitável. Para reforçar o caráter autoritário e ilegal do ato, bolsonaristas atacaram repórteres do jornal “O Estado de S.Paulo”, agredindo a própria liberdade de imprensa.
O presidente repete a postura que teve na posse do ministro da Justiça e Segurança Pública e do advogado-geral da União, André Mendonça e José Levi, quando reclamou do impedimento de nomear o delegado Alexandre Ramagem para a direção-geral da PF determinado pelo ministro Alexandre de Moares, do STF, a pedido do PDT. São os freios e contrapesos da democracia funcionando, contra o que Bolsonaro se revolta. Mas tem de obedecer, é assim que funciona. E terá de continuar a funcionar. Mesmo que não goste de investigações que ameaçam filhos e podem iluminar os porões que sustentam manifestações como a de ontem, uma investigação sob a responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes, não por acaso objeto de agressões do bolsonarismo e causa de irritações do presidente.
Bolsonaro, nesta radicalização, começa rasgando o próprio juramento que fez na posse, conforme o artigo 78 da Carta: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro (....)”. Na política e na saúde, ele vai em sentido contrário. O presidente aceitou as regras constitucionais para se eleger deputado federal e presidente da República. Agora quer virar a mesa, o que é inconcebível.
Bolsonaro garantiu que as Forças Armadas estão ao seu lado nesta empreitada inconstitucional. Estaria certo disso depois de ter se reunido, sem registro na agenda, com chefes militares. A ver se as Forças Armadas aceitam manchar sua imagem reconstruída com muito esforço, profissionalismo e disciplina.
Há duas semanas, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, depois do ato no QG do Exército, reafirmou o compromisso das Forças Armadas com a Constituição, promulgada há 32 anos, num processo político de redemocratização em que foram fundamentais. E continuam sendo nessas três décadas contínuas de estabilidade democrática, o mais longo período de normalidade sem interrupções em 131 anos de República.
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