- Folha de S. Paulo
Nova York e São Paulo são colossos da vida urbana ameaçados por bárbaros invisíveis
Na cidade de Nova York, onde reside menos de 3% da população dos EUA, ocorreram 28% de todas as mortes por Covid-19 do país. O município de São Paulo, com menos de 6% da população brasileira, concentra 26% dos óbitos nacionais.
Parece que as doenças contagiosas predam o progresso humano. Quanto mais a espécie se distancia dos núcleos tribais de poucos indivíduos, mais elas a ameaçam. Se for esse o caso, então a resposta duradoura ao trauma do cononavírus tende a desincentivar arquiteturas colossais da vida urbana, como a nova-iorquina e a paulistana.
As hordas invisíveis dos vírus e das superbactérias deflagariam, como os bárbaros no passado, um retrocesso feudal, mas agora com tecnologia. Se tenho medo de sair à rua para trabalhar, aprender, cortar o cabelo, comer no restaurante, ir ao teatro, assistir ao concerto, passear no parque ou visitar o museu, para que preciso de Nova York ou São Paulo?
Recolho-me num lugar afastado, cheio de conexões digitais. Acostumo-me a ver nas telas pessoas taciturnas banhadas numa luz amarelada, com fios brancos saindo das orelhas, ou conchas pretas a envolvê-las, comentando política, jardinagem e grandes jogos do passado.
Tem "live" para tudo, de sertanejo a Turandot. O crítico me guia pelo Metropolitan e pelo Masp. "‹De seus aposentos, epidemiologistas me dão dicas de sorologia, aerossóis e exercícios respiratórios. Aprendo autocorte mullet com o youtuber.
Mas talvez Hong Kong, Seul e Tóquio ainda possam redimir Nova York e São Paulo. Aquelas metrópoles asiáticas fortemente povoadas atravessam o período da peste com pouquíssimos danos. Reagem depressa e com eficiência ao menor sinal dos visigodos do RNA.
As mãos limpas, as faces cobertas, a obrigação de proteger o outro e o distanciamento tornaram-se a segunda pele do indivíduo. Em vez de fugirem para a roça, seus habitantes ergueram arranha-céus simbólicos e deram mais um passo no processo civilizatório.
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