- O Globo
Esta não é apenas uma crise sanitária, mas uma revisão redentora de nosso comportamento no planeta
De grandes líderes populares, só se pode esperar milagres, como fizeram (para ficar só no século XX) Franklin Roosevelt, Winston Churchill ou Charles De Gaulle. Quem não sabe fazer milagres não deve se meter em política. Sobretudo se pegar pela frente um país feito o Brasil, tão necessitado de milagres, para realizar nossos sonhos.
A pandemia e os erros que estamos cometendo, durante a pressão dela, vão levar o Brasil a uma crise econômica e social, que já está aí e se tornará, daqui a pouco, ainda mais vigorosa. Pois é neste exato momento que Jair Bolsonaro e seus filhos levam o país a gigantesca crise moral, política e institucional. Não é possível que o presidente não tenha alguém, por perto dele, capaz de alertá-lo. Alguém que ouse lhe dizer que esta não é apenas uma crise sanitária, mas uma revisão redentora de nosso comportamento no planeta.
O coronavírus é mais um jeito que a Natureza achou de nos dizer que não vivemos sozinhos no planeta, nem somos os donos dele. Que devemos negociar nossas necessidades com as dos outros. E, quando se negocia, é preciso estar sempre disposto a abrir mão e ceder. Basta conhecer a História para compreender que, desde a Guerra do Peloponeso até nossos tensos dias atuais, cheios de guerras localizadas e maus-tratos ao meio ambiente, cada momento destrutivo corresponde a uma peste qualquer, vinda a bordo de mosquitos, de ratos, de morcegos ou do que seja.
Do surto que chegou a interromper a guerra decisiva entre Atenas e Esparta à Covid-19, passando pela Peste Negra às vésperas da imposição da indústria ou pela Gripe Espanhola nos últimos meses de um inédito genocídio bélico, as desgraças coletivas chegam sempre em momentos de mudanças radicais, cheias de violência e sem destino garantido. Não precisamos desses choques para fazer do Brasil um grande país, onde amemos estar e nos orgulhemos de viver. Basta que ele seja, enfim, um país do século XXI, que leve em consideração e se paute por tudo aquilo que já aprendemos até aqui. Um país que não perca mais tempo com essa disputa borocoxô e selvagem entre direita e esquerda, dois pretextos mais ou menos parecidos pra mandar nos outros.
Li, recentemente, uma entrevista do escritor português, nascido em Angola, Valter Hugo Mãe, em que ele nos dá algumas sugestões, como esta: “Nunca se deixem convencer de que o Brasil deu errado. (...)Um povo convencido de que é um erro, é um povo predisposto a desistir. Não caiam nessa armadilha”.
O isolamento social que adotamos, muito parcialmente, para evitar uma vitória arrasadora da Covid-19, vai, talvez, gerar desemprego e perda de renda no futuro. A burrice, ignorância ou má-fé de nosso chanceler, Ernesto Araújo, ousou compará-lo a um campo de concentração nazista. Ele deve ser daqueles para quem a fábrica de biscoitos fechada é mais dramático do que uma vida perdida. Mas é claro que o sistema adotado, somado às perdas de vida (ainda não sabemos a quantas chegarão), vai provocar a necessidade de inventarmos outros modos de viver e trabalhar. Temos que ter coragem de assumir essa mudança inevitável,para não sermos passivamente derrotados por um inimigo do povo, o vírus que está matando pessoas tão queridas.
Como o jornalista Luís Edgar de Andrade, morto semana passada, vítima desse vírus desgraçado. Conheci Luís Edgar em maio de 1964, ele já era jornalista consagrado, correspondente do “Jornal do Brasil” na Europa, um dos melhores textos de uma geração que já havia produzido Luiz Carlos Barreto, Janio de Freitas ou Armando Nogueira. Foi Barreto quem nos aproximou, por motivo generoso. Luís Edgar ia cobrir o Festival de Cannes e podia me dar uma carona, em seu Fusca meio acabadão. Conheci-o, portanto, durante quase dois dias, em seu carro, numa autoroute no sul da França, conversando sem parar sobre a vida e o mundo.
Além de grande jornalista, conhecedor informado de política, literatura e história, ele era um Mestre, a quem nunca deixei de pedir opinião e conselhos sobre coisas da vida. Constante viajante,era difícil acompanhá-lo. Para não perder sua pista, vivia lhe mandando comentários sobre seu trabalho público, como a cobertura das Olimpíadas de Roma, da Guerra dos Cem Dias, a do Vietnã, sua editoria no “Jornal Nacional” da televisão. Era o jeito que eu tinha de lhe dizer que sentia sua falta. Mas o que me dava inveja, mesmo, era a capacidade que Luís Edgar tinha de estar sempre ligadoaoBrasil, em que tinha tantaesperança. Tantaque o fazia subestimar inevitáveis decepções.
Mais uma morte que podia ter sido evitada. Mas alguém poderia me dizer: “e daí?”
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