- Folha de S. Paulo
Presidente e vice do mesmo campo político aumenta probabilidade de afastamento
Já escrevi neste espaço: o impeachment não é uma revolução, mas a destituição de um presidente por crime de responsabilidade, cujo desenlace é a assunção do vice. Todavia as chances para um "impeachment digital" —no qual panelaços substituiriam as manifestações de rua, e o plenário virtual, o real— são pequenas. O impeachment é uma das formas de afastamento do presidente: a outra é através da condenação por crime comum.
Também neste caso assume o vice. Em ambos caberá ao MPF e ao presidente da Câmara deflagrarem o processo, e aos parlamentares, sua apreciação. No julgamento de crimes comuns, a responsabilidade política é dividida com o STF, o que diminui os custos de coordenação parlamentar. Haverá apoio congressual para o afastamento quando uma supermaioria parlamentar de 2/3 preferir a alternativa representada pelo vice-presidente ao status quo. O Senado não participa do jogo.
O presidente e seu vice pertencem ao mesmo campo político. Para setores da esquerda interessaria deixá-lo sangrar: mantê-lo vivo politicamente, mas enfraquecido, serviria à polarização e evitaria o custo de renegar a tese da ilegitimidade de impeachments. Mas eles não contarão muito, ao contrário do centrão, para o qual valeria em tese a lógica do parasita: enfraquecer o hospedeiro, mas não matá-lo, e inflar o custo do apoio.
Mas aqui o equilíbrio é instável e do tipo tipping point: se houver incentivos fortes da opinião pública e sinalização do STF —e se a popularidade do presidente despencar—, o efeito manada prevalecerá e o centrão se juntará aos setores de centro, e alguns, à esquerda. Se parecer inevitável, a mudança será rápida, como demonstrado por Timur Kuran.
Afinal, o custo político será baixo, porque a distância ideológica entre presidente e vice é pequena. Não há ameaça à agenda conservadora. A ascensão do vice eliminaria as fontes de instabilidade do governo --o clã familiar e seu núcleo ideológico-- que preocupa estratos médios, empresariado e, sim, militares, que jogarão parados e não perderão em nenhum cenário.
Assim, o impedimento poderá ser visto como derrota individualizada, e não coletiva, para os apoiadores de Bolsonaro fora do núcleo duro. O custo para eles será tanto menor quanto mais o presidente se mostrar incapaz de se reeleger (seu único ativo político é o capital eleitoral). O que é provável após a saída de Moro, a calamidade em curso e a monumental recessão que se inicia.
Quanto maior essa individualização do processo na persona do presidente —o julgamento no STF pesa aqui— e quanto maior a visibilidade do nexo entre o horror sanitário e seu comportamento, maiores as chances do afastamento.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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