segunda-feira, 4 de maio de 2020

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro quer ser Lula

- Folha de S. Paulo

Presidente mira apoio dos pobres, como no primeiro mandato do petista

As primeiras pesquisas de opinião depois da demissão de Sergio Moro trouxeram alguns resultados esperados e outros surpreendentes.

Como esperado, Bolsonaro perdeu apoio junto às classes média e alta, que provavelmente eram lavajatistas. O tamanho dessa perda variou de pesquisa para pesquisa.

O que surpreendeu foi o crescimento da aprovação de Bolsonaro entre os pobres, que, na pesquisa Datafolha, compensou a perda na classe média e manteve sua aprovação estável.

A semelhança com o que aconteceu com Lula no primeiro mandato não passou despercebida. O cientista político Raphael Neves notou que Bolsonaro parece procurar um lulismo para chamar de seu.

A referência é ao conceito de "lulismo", criado pelo cientista político André Singer, que descrevia o deslocamento eleitoral ocorrido quando, ao mesmo tempo, apareciam as primeiras denúncias de corrupção contra o PT e os programas sociais petistas começavam a fazer efeito: Lula perdeu o apoio da classe média e conquistou os pobres.

Bolsonaro conseguirá executar operação semelhante? Não vai ser fácil.

Quanto à pandemia, ainda não sabemos o que teve maior efeito sobre as opiniões dos brasileiros pobres: a renda básica emergencial de R$ 600 ou, pelo contrário, a falta de renda que pode fazê-los preferir arriscar a vida a ficar em casa sem comida.

Se for o primeiro caso, é uma base de sustentação frágil para Bolsonaro. O governo está negligenciando a sustentação de renda dos pobres para forçar o fim da quarentena, e ampliar o auxílio facilitaria a política dos governadores.

Mas se a explicação for o desespero, a situação de Bolsonaro é confortável. Ele tem muito desespero para entregar. Se o desespero será sempre administrável, é uma outra história.

Por outro lado, o lulismo teve elementos que Bolsonaro terá dificuldade em reproduzir.

Uma ideia de alto impacto, baixo custo e com sólido pedigree petista, o Bolsa Família. Aumentos expressivos do salário mínimo que, mesmo se forem viáveis, não parecem estar nos planos da equipe econômica ou do empresariado que financia o bolsonarismo. Um ambiente externo que favorecia o combate à pobreza. E o fato de que Lula ocupou um espaço vazio. No espaço que Bolsonaro está tentando ocupar, já há Lula.

O lulismo de Bolsonaro ainda pode dar certo? Poder, pode. Talvez as expectativas dos brasileiros tenham se reduzido tanto após anos de crise que programas sociais muito menos ambiciosos produzam efeitos de popularidade grandes.

Talvez a equipe econômica tenha uma ideia arrojada como o Bolsa Escola e consiga elaborá-la em poucas semanas. Talvez a pandemia favoreça a inércia política até o final da crise. Talvez os evangélicos preservem o voto bolsonarista pobre. Talvez Olavo de Carvalho funcione como combustível fóssil.

De qualquer forma, o lulismo de Bolsonaro parece ser uma operação difícil de ser implementada sem alterar a composição da atual coalizão governista.

E todas essas manobras podem ser neutralizadas por uma oposição de esquerda que, nesta situação, jogaria em casa.

Bolsonaro está comprando briga com Lula, no campo de Lula, porque teme apanhar de Moro, no campo de Moro. Pode acabar tendo que brigar com Lula e Moro ao mesmo tempo, contra dois nomes que o teriam destroçado na eleição de 2018.

A única certeza é que não vai brigar limpo.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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