terça-feira, 26 de maio de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Bolsonaro tem de explicar o projeto armamentista – Editorial | O Globo

Afirmações gravadas no vídeo da reunião ministerial requerem esclarecimentos do presidente

Do execrável conjunto da obra exposta pelo vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, liberado pelo ministro do STF Celso de Mello, há muitas cenas que falam por si, e outras que merecem mais atenção e alertas pelas graves implicações para a estabilidade e a paz no país. Bolsonaro sempre defendeu a liberalização de armas e colocou o tema em destaque na sua campanha. Não engana ninguém, portanto, quando trabalha para cumprir sua promessa.

Se seguisse os devidos trâmites para despejar mais armas e munições nas ruas e residências, os embates em torno de sua plataforma armamentista ocorreriam normalmente no Legislativo, e os conflitos seriam mediados na Justiça. Mas Bolsonaro não deixa mais dúvidas de que deseja desmantelar os freios e contrapesos necessários para conter excessos de cada um dos Poderes, sendo que o Executivo brasileiro já é muito forte. Com um presidente ideologicamente espaçoso, vive-se em tensão, no limite de crises institucionais.

Na questão das armas, o Congresso já teve de conter Bolsonaro por baixar decretos presidenciais que ilegalmente alteravam o Estatuto do Desarmamento — uma lei aprovada pelo Congresso —, ato digno de ditaduras. Foi forçado, então, a enviar projetos ao Congresso. Incontido, porém, o presidente determinou ao Exército que revogasse portarias que obrigavam a adoção de normas para facilitar o rastreamento de armas e munições, a fim de permitir sua identificação: origem, proprietário etc. Sem isso, a elucidação de crimes cometidos com armas de fogo ficará muito mais difícil ou impossível.

No vídeo ele aparece gritando o jargão: “povo armado jamais será escravizado!”. Mas não revelou quem são os agentes da escravidão que tirariam a liberdade dos brasileiros, ameaça também vista pelo “militante” Abraham Weintraub, ministro da Educação. Bolsonaro, no entanto, fez uma referência nada sutil à possibilidade de reações armadas contra decisões de prefeitos e governadores com as quais não se concorde.

Significa, então, que o presidente imagina que seria cabível romper as medidas de isolamento social, às quais se opõe, com arma na mão. Ele próprio se viu indo à rua com dedo no gatilho para lutar contra a intenção “de um bosta de um prefeito” que por decreto obrigue que as pessoas fiquem em casa. Bolsonaro defenderia insurreições armadas quando os tais freios e contrapesos barrassem a sua vontade e a do seu grupo dentro dos espaços da Constituição. Isso se chama golpe.

Pode ser que o Planalto alegue que o presidente estava em um momento particularmente agitado, e não poderia imaginar que aqueles arroubos, não apenas dele, seriam divulgados.

Ainda assim é inaceitável que a plataforma armamentista do governo possa esconder projetos aventureiros, irresponsáveis, de tentativas de desestabilização da ordem constituída, que jogaria o Brasil de volta ao passado distante, em prejuízo de várias gerações.

• Após decisão da OMS, é essencial rever o protocolo da cloroquina – Editorial | O Globo

Organização suspendeu testes com medicamento após estudo mostrar ineficácia e aumento de mortes

Em meio à mais grave pandemia dos últimos cem anos, o Brasil não pode caminhar na contramão da Ciência. Ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a suspensão dos testes que vinha fazendo em parceria com cem países, dentro do programa Solidariedade, para avaliar a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a Covid-19. As experiências com outras drogas continuarão.

A decisão da OMS foi tomada três dias depois da publicação de um estudo na conceituada revista científica “The Lancet” atestando a ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a Covid-19. A pesquisa, a maior já realizada sobre o tema, foi feita com 96 mil pacientes de 671 hospitais em seis continentes. Os doentes tinham idade média de 53 anos e foram hospitalizados entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril de 2020. De acordo com o trabalho, o medicamento, isoladamente ou associado a outras drogas, não levou à melhora dos pacientes e aumentou o risco de doenças cardíacas e de mortes. Estudos anteriores, feitos em menor escala — um deles da Fiocruz —, já tinham chegado à mesma conclusão.

O uso da cloroquina no tratamento de doentes com Covid-19 começou a se popularizar após a divulgação de um estudo francês liderado pelo médico Benjamin Davido. A pesquisa “Hidroxicloroquina mais azitromicina: potencial em reduzir a morbidade em hospital da pneumonia Covid-19” viralizou nas redes após ser incensada pela Fox News e ganhar propagadores como o presidente dos EUA, Donald Trump. Porém, o trabalho recebeu uma enxurrada de críticas de cientistas, entre outras razões por utilizar um número pequeno de pacientes e excluir da estatística os que morreram. Na sexta-feira, os próprios autores o retiraram do site em que fora publicado.

Apesar das evidências de ineficácia, na quarta-feira, por ordem de Bolsonaro, ardoroso defensor da cloroquina, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, baixou novo protocolo ampliando o uso do medicamento no Brasil. A liberação já havia sido pivô da saída dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que sabiam dos riscos da decisão. Mandetta disse que a iniciativa poderá aumentar o número de mortes em casa. Teich, em entrevista à GloboNews, no domingo, afirmou que após a publicação do estudo na “Lancet” o protocolo tem de ser revisto.

Está mais do que demonstrado que a cloroquina, usada no tratamento da malária e de doenças autoimunes, não traz qualquer benefício para doentes com Covid-19, e ainda aumenta o risco de mortes devido aos efeitos colaterais, como as arritmias cardíacas. Portanto, será grave erro de saúde pública se o governo insistir nesse protocolo, mais uma vez dando as costas à Ciência.

• Nascidos um para o outro – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não há dúvidas. Jair Bolsonaro e Lula da Silva nasceram um para o outro.

Tanto o presidente da República como o chefão petista se associam na mais absoluta falta de escrúpulos, em níveis que fariam até Maquiavel corar. Pois o diplomata florentino que viveu entre os séculos 15 e 16, malgrado tenha descartado a retidão moral absoluta como fator essencial para o bom governo, formulou uma ideia de ética específica para a política, segundo a qual, entre outras regras, o governante jamais deve colocar seus interesses pessoais acima dos interesses do Estado nem agir como se seu poder fosse ilimitado: “O príncipe que pode fazer o que quiser é um louco”, escreveu em sua obra mais conhecida, O Príncipe (1532).

Jair Bolsonaro e Lula da Silva unem-se como siameses. Enxergam o mundo e seu papel nele da mesmíssima perspectiva. Tudo o que fazem diz respeito exclusivamente a seus projetos de poder, nos quais o Estado e o povo deixam de ser o fim último da atividade política e passam a ser meros veículos de suas aspirações totalitárias.

Ambos, Bolsonaro e Lula, só se importam com o sofrimento e a ansiedade da população na exata medida de seus objetivos eleitorais. O petista, por exemplo, declarou recentemente que “ainda bem que a natureza criou esse monstro chamado coronavírus para que as pessoas percebam que apenas o Estado é capaz de dar a solução, somente o Estado pode resolver isso”.

Tão certo de sua inimputabilidade, Lula da Silva nem se preocupou em ao menos aparentar retidão moral, como recomendava Maquiavel aos príncipes de seu tempo, entregando-se à mais vil exploração política do sofrimento causado pela pandemia de covid-19. Lula da Silva é, assim, o anti-Maquiavel: enquanto o florentino elogiou seus conterrâneos por preferirem salvar sua cidade em vez de salvar suas almas, Lula saúda a morte de seus compatriotas como uma espécie de sacrifício religioso em oferenda à estatolatria lulopetista.

Já Bolsonaro, bem a seu estilo, continua a menosprezar os milhares de brasileiros mortos na pandemia, agora com requintes de crueldade. Depois do infame “e daí?”, expressão que usou ao reagir à informação sobre a escalada do número de mortos no Brasil, o presidente da República não viu nenhum problema em fazer piada com a desgraça do país que ele foi eleito para governar. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma Tubaína”, brincou Bolsonaro.

Nem se deve perder tempo procurando graça onde, definitivamente, não há. Diante das dramáticas circunstâncias, só riu da blague bolsonarista quem não nutre nenhuma empatia ou respeito pelo sofrimento dos outros. Para o presidente da República, só os direitistas são dignos de salvação – por meio da cloroquina, que Bolsonaro, baseado em estudos fajutos, quer que os brasileiros tomem para que o País supere rapidamente a pandemia e “volte ao normal”. Já os “esquerdistas” – isto é, todos os que não são bolsonaristas –, que bebam refrigerante.

Bolsonaro e Lula são o resultado mais vistoso da degradação violenta da atividade política, aquela que, na concepção de Maquiavel, deveria almejar a todo custo o bem coletivo. Cada um à sua maneira, um mais truculento, o outro mais dissimulado, o presidente e o petista se consideram fora do alcance das considerações éticas que deveriam moderar o poder e que estão no coração das sociedades democráticas.

Lula trabalha desde sempre para cindir o País – e sua recente celebração do coronavírus pode ser vista como uma espécie de corolário macabro da concepção doentia segundo a qual os brasileiros recalcitrantes, que ainda não aceitam o projeto de Estado autoritário idealizado pelo lulopetismo, devem ser castigados pela natureza para que aprendam de uma vez por todas que Lula sempre tem razão. Bolsonaro faz exatamente o mesmo, e ainda enxovalha publicamente quem se recusa a aceitá-lo como salvador.

O bolsonarismo é um monstrengo antidemocrático que só ganhou vida e ribalta por obra e graça do lulopetismo. A uni-los, a sede de poder absoluto. Mas, como já ensinou Maquiavel, não há poder que dure para sempre.

• Às escâncaras – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro já não faz questão de esconder que seu governo está à venda. Seu único propósito, agora e no futuro previsível, é agarrar-se à faixa presidencial, ao custo de cada uma de suas promessas de saneamento da política nacional. E que fique claro: a esta altura, não se trata mais de vender cargos em troca de votos para aprovar matérias de seu interesse. Ou seja, não é governabilidade que o presidente procura, pois esta já não existe mais, e mesmo que existisse Bolsonaro não saberia o que fazer com ela. Para Bolsonaro, trata-se, simplesmente, de ter um lote suficiente de votos para não ser cassado num processo de impeachment.

O mais recente negócio de ocasião oferecido na queima de estoque bolsonarista foi a entrega de uma diretoria do generoso Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para um apadrinhado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, do Partido Liberal (PL). Esse senhor, com quem agora Bolsonaro mercadeja, já teve de renunciar duas vezes ao mandato de deputado. A primeira em 2005, quando se viu pilhado no escândalo do mensalão e admitiu que recebeu dinheiro do PT. Renunciou para preservar seus direitos políticos. Eleito deputado em 2006 e reeleito em 2010 – quando só obteve o mandato graças ao palhaço Tiririca, folclórico puxador de votos –, renunciou novamente em 2013, quando o Supremo Tribunal Federal decretou sua prisão no processo do mensalão. Enquadrado na Lei da Ficha Limpa, está proscrito da vida política nacional até 2029. Um currículo e tanto.

A despeito disso tudo, o sr. Costa Neto segue sendo o chefão do PL e é com ele que qualquer interessado deve se acertar se quiser o apoio dos 39 deputados da legenda. Na mesma xepa bolsonarista, o Partido Progressista (PP), do igualmente notório senador Ciro Nogueira, espera obter a chefia do FNDE, que tem orçamento de R$ 54 bilhões, maior que o de vários Ministérios. Sob a presidência do sr. Nogueira, o PP, hoje com 40 deputados, tornou-se o partido com o maior número de parlamentares envolvidos no escândalo do petrolão, mais até que o PT, tão execrado pelo presidente Bolsonaro e seus devotos.

Para entregar uma das joias da coroa do Ministério da Educação aos partidos que prometem salvá-lo do impeachment, Bolsonaro não se importou em atropelar um de seus mais fiéis sabujos, o ministro Abraham Weintraub, genuíno representante da “ala lunática” do governo e que havia manifestado ao presidente sua contrariedade. Aparentemente, Weintraub ficou só no esperneio, e agora, como todos os demais fanáticos bolsonaristas, terá de encontrar uma narrativa que explique por que o líder da “nova política” está em aberto contubérnio com o que há de pior na odiada “velha política”.

E não vai parar por aí. Carlos Marun, influente no MDB e que se notabilizou pela defesa que fez de Eduardo Cunha durante o processo que afinal cassou aquele mal-afamado deputado, foi reconduzido por Bolsonaro ao Conselho de Administração de Itaipu. E o comando do Departamento Nacional de Obras contra a Seca foi entregue por Bolsonaro a um apadrinhado do deputado Arthur Lira (PP), líder do bloco chamado de “Centrão” e conhecido também por ser réu na Lava Jato.

Todas essas negociações, em tese, darão a Bolsonaro a bagatela de 220 votos, insuficientes até para dar quórum a qualquer votação (257 deputados), que dirá para aprovar alguma reforma constitucional. Mas é o bastante para impedir que se arregimentem os 308 votos necessários para cassar o presidente.

Ao lotear seu governo, Bolsonaro espera ganhar tranquilidade política para continuar a exercer sua especialidade: criar crises e naturalizar sua truculência, desmoralizando a política e as instituições democráticas. Bolsonaro passou três décadas como deputado dando motivos mais que suficientes para sua cassação. Não só não foi cassado, como elegeu-se presidente da República. A mesma hesitação ante as agressões de Bolsonaro à democracia se verifica agora, e é nisso que o presidente parece apostar para continuar inimputável. Enquanto as lideranças políticas vacilam, o bolsonarismo vai se tornando um mal crônico, com o qual se convive por falta de alternativa.

• As consequências da crise – Editorial | O Estado de S. Paulo

A palavra “crise”, amplamente empregada para significar qualquer ruptura abrupta e radical, tem origem médica. Nos cânones de Hipócrates ou Galeno o vocábulo grego krisis designa “o ponto de inflexão em uma doença rumo à recuperação ou à morte”. Curiosamente, o termo é derivado da terminologia moral e jurídica: krinein – “separar, decidir, julgar” – da raiz protoindo-europeia krei – literalmente “peneirar”, e daí “discriminar, distinguir”. Na maior crise da nossa era estes sentidos se interpenetram. As perdas em vidas e empregos são catastróficas e os riscos de uma “geração perdida” são reais. Mas conhecendo-os é possível discernir oportunidades de transformação para melhor.

Em números compilados pelo Fórum Econômico Mundial o impacto é sem precedentes: 500 milhões de pessoas podem despencar na pobreza; a produção global deve encolher 3%; o comércio, de 13% a 32%; os investimentos estrangeiros, de 30% a 40%; mais de 80% dos estudantes estão fora das escolas; e 34% dos adultos experimentam efeitos adversos sobre sua saúde mental.

Após consultar 350 analistas de risco, o Fórum divisou quatro zonas críticas: os riscos das transições econômicas e mudanças estruturais; os riscos de paralisia e retrocesso na agenda do desenvolvimento sustentável; os traumas decorrentes das rupturas sociais; e os riscos derivados da adoção abrupta da tecnologia.

A recessão econômica domina os temores. “Uma dívida crescente provavelmente onerará os orçamentos públicos e os balanços empresariais por anos, as relações econômicas globais podem ser fraturadas, economias emergentes correm o risco de mergulhar em uma crise mais profunda, enquanto os negócios podem enfrentar condições cada vez mais adversas nos padrões de consumo, produção e competição.”

Essas rupturas podem ter amplas reverberações ambientais, sociais e tecnológicas. “Omitir os critérios de sustentabilidade na recuperação ou retornar a uma economia de emissões intensivas de carbono ameaça perturbar a transição para a resiliência climática do baixo carbono”, desencadeando um “ciclo vicioso de contínua degradação ambiental, perdas de biodiversidade e mais surtos de doenças infecciosas zoonóticas”.

Além das ameaças à saúde pública, o bem-estar individual e social deve ser perturbado pela automação acelerada da força de trabalho. O colapso das economias mais vulneráveis pode ter consequências humanitárias pavorosas. E há os riscos crescentes para a liberdade individual, educação e prosperidade da geração mais jovem.

A digitalização abrupta pode criar novas oportunidades de trabalho, mas também precipitar os riscos de insegurança cibernética, fragmentação digital e desigualdade. A desconfiança da tecnologia e os desvios na sua utilização podem ter efeitos duradouros sobre a sociedade.

Mas o Fórum deixa claro que estas conjecturas não são exercícios de futurologia. “Ao contrário, elas nos lembram da necessidade de ação proativa hoje para moldar o ‘novo normal’ desejável.” O choque foi brutal, mas despertou sentimentos de solidariedade que, se canalizados na reativação das economias, podem “embutir mais igualdade social e sustentabilidade na recuperação, acelerando, antes que freando, o progresso rumo aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de 2030”. Mas, para tanto, os riscos precisam ser manejados.

Historicamente não há qualquer padrão determinista para o desfecho de uma pandemia. As interpretações sobre a pior de todas, a Peste Negra, por exemplo, são ambivalentes: se para muitos historiadores ela recrudesceu aspectos mórbidos da cultura medieval tardia, para outros ela precipitou o processo que levaria à Renascença – para outros ainda, passado o choque, ela não produziu transformações duradouras. Plausivelmente as três tendências – à indiferença, ao progresso e ao retrocesso – interagiram entre si. Agora não é diferente. O mundo saiu do controle e escapou das nossas mãos. Há o risco de que elas não o recuperem mais – mas ainda está ao seu alcance apanhar essa massa crítica para moldar um futuro melhor.

• São Paulo trancada – Editorial | Folha de S. Paulo

Carência de dados e sabotagem federal acentuam dúvidas sobre 'lockdown' em SP

Uma sombra se projeta sobre a maior região metropolitana do Brasil e seus 21 milhões de habitantes: o “lockdown”, paralisação total de atividades para conter a circulação do coronavírus. É duvidosa a probabilidade de vir a ser adotado, e menor a de funcionar a contento.

Assim indica a dúvida do governador João Doria e do prefeito Bruno Covas, ambos do PSDB, que dividem responsabilidade sobre a Grande São Paulo. As medidas adotadas alcançaram até aqui o objetivo maior de impedir o colapso de serviços de saúde, mas tal espectro não se afastou por completo.

A capital paulista prossegue como epicentro da Covid-19 no país. Concentrava 13,4% dos casos e 16,2% dos óbitos nacionais anotados na quinta-feira (21), mas com indícios inconfiáveis de que a taxa de crescimento perdeu força nas últimas quatro semanas.

Não se viram na região metropolitana de São Paulo —ainda— cenas dantescas de cadáveres enfileirados em hospitais assoberbados por hordas de pacientes. Segundo estatística do governo estadual, os leitos de UTI permanecem, entretanto, no limiar preocupante de 90% de ocupação.

No estado, o índice se encontra em 73%, mas o avanço acelerado do vírus Sars-CoV-2 pelo interior e por bairros periféricos pode dizimar a cifra tranquilizadora. Por outro lado, reportagem desta Folha mostrou que, ao menos na capital, o levantamento sobre utilização de UTIs é errático e impreciso.

Embora a disseminação de testes diagnósticos em território paulista pareça ter diminuído a subnotificação de casos e mortes, na comparação com a média brasileira, governador e prefeito carecem, em realidade, de informações acuradas para fundamentar medida tão extrema. Daí os titubeios.

Numa declaração, Doria afasta o “lockdown”, como nesta segunda (25); noutras, ameaçou com ele. Covas busca arremedos para contornar a providência, como as desastradas tentativas do bloqueio de avenidas e do rodízio estendido.

O último recurso da dupla tucana para tentar baixar a circulação de pessoas e do coronavírus foi o megaferiado encerrado nesta segunda-feira (25). Os resultados foram modestos, pois o isolamento na capital subiu pouco, para 51%, ainda aquém do ideal de 70%.

Governador e prefeito temem o fracasso da iniciativa. Enfrentam a constante sabotagem do distanciamento social movida desde o Planalto e as dúvidas sobre o efetivo e a determinação da Polícia Militar.

A Covid-19, contudo, desconhece os constrangimentos impostos pela politização da epidemia.

• A ficha de Weintraub – Editorial | Folha de S. Paulo

Ataque torpe ao Supremo pode ao menos contribuir para encerrar gestão ruinosa

Dadas as dimensões e a relevância da pasta que comanda, Abraham Weintraub talvez seja, entre os muitos ministros ineptos do governo Jair Bolsonaro, o mais potencialmente danoso ao país.

O titular da Educação reúne todos os atributos vis do bolsonarismo instalado no Executivo federal: ignorância arrogante, revanchismo ideológico, rejeição ao diálogo, agressividade doentia e sabujice acima de qualquer noção de respeito à função pública.

A própria imbecilidade pode impedir Weintraub de provocar um mal maior. Não é de hoje que manifestações lunáticas o desmoralizam e ameaçam sua permanência no posto —e a registrada no vídeo da fatídica reunião ministerial de 22 de abril desponta como a mais grave delas até o momento.

Na peça se vê o chefe do MEC, após mesuras tristonhas ao presidente e lamúrias raivosas contra Brasília, dar vazão a um dos mais escandalosos rompantes autoritários do encontro. “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF.”

Até para os padrões destrambelhados do governo Bolsonaro, não é difícil imaginar o mal-estar provocado por um ataque de tamanha torpeza ao Supremo Tribunal Federal —onde se conduz inquérito que, no limite, pode resultar no afastamento do mandatário.

Não por acaso, intensificou-se o rumor sobre a insatisfação do Planalto com o auxiliar, que estaria ainda a dificultar acertos com os novos aliados do centrão. No domingo (24), Weintraub tentou pateticamente sanar o insanável.

“Não ataquei leis, instituições ou a honra de seus ocupantes”, escreveu. “Alguns, não todos, são responsáveis pelo nosso sofrimento, nós cidadãos”, completou, acrescentando covardia à boçalidade.

Cumprirá ao STF reagir com altivez à diatribe temerária. O ministro já foi alvo de um pedido de impeachment, por conduta indecorosa e irresponsável, arquivado em março por uma razão formal —a iniciativa, de parlamentares, caberia ao procurador-geral.

Em abril, o Supremo abriu inquérito para apurar crime de racismo por parte de Weintraub, em razão de ataques preconceituosos à China que também renderam crise diplomática com o maior parceiro comercial do Brasil. Em 22 de abril, o falastrão se queixou também de processos que o envolvem na Comissão de Ética da Presidência.

A opulência desse prontuário contrasta com o vazio do MEC, onde as raríssimas medidas acertadas, como o adiamento do Enem, resultam das pressões da sociedade que tanto irritam o ministro.

• Brasil pode zerar déficit em conta corrente – Editorial | Valor Econômico

Câmbio reflete inquietação com a situação fiscal brasileirae

O que era impensável algumas semanas atrás parece agora cada vez mais provável: o balanço em conta corrente pode ficar zerado ou até positivo em 2020. Se isso acontecer, será a primeira vez em 13 anos. Desde 2007, quando o país teve superávit de US$ 408 milhões nas transações correntes, a conta vem fechando no vermelho. No ano passado, o déficit foi de US$ 49,5 bilhões.

A previsão para este ano era que o déficit iria aumentar para US$ 57,7 bilhões, uma vez que a recuperação econômica esperada inicialmente deveria ampliar as importações, reduzindo o saldo comercial projetado. Mas isso não chegava a ser um problema dado o volume de investimentos estrangeiros diretos esperados, na casa dos US$ 60 bilhões, suficientes para cobrir a defasagem. As volumosas reservas internacionais também funcionam como garantia extra.
As perspectivas mudaram radicalmente com a disseminação do novo coronavírus. Em março, sob os primeiros efeitos da pandemia no país, o Banco Central (BC) revisou as projeções, reduzindo o déficit estimado para US$ 41 bilhões. Algumas semanas depois, porém, com um quadro mais nítido do forte impacto econômico do problema sanitário e suas consequências no nível de atividade, instituições financeiras já falam que a conta poderá ficar empatada ou apresentar um superávit, estimado até em US$ 10 bilhões (Valor, 22/5).

Se as novas expectativas se concretizarem, o resultado positivo não terá sido, como idealmente esperado, fruto de um aumento da produtividade, com efeitos positivos na expansão das exportações, ou de maior interesse de investidores pelo país. Será sim consequência de fatores claramente negativos: pela combinação de recessão e câmbio elevado, que deve reduzir as importações, ampliar o saldo comercial, diminuir os gastos com remessa de lucros e dividendos das empresas para o exterior e com a contratação de serviços, e, naturalmente, restringir as viagens internacionais, de resto impossibilitadas pelas questões sanitárias.

Um dos componentes mais importantes nesse processo é a desvalorização do real, uma das moedas que vem ocupando a liderança entre as mais afetadas na crise do coronavírus, deprimida pela recessão interna que exacerbou a crise fiscal, pela queda dos juros, que afugentou os investidores estrangeiros, e pela baderna causada pelo presidente da República, que deteriora as expectativas. Do início do ano até agora o real se desvalorizou em cerca de 30%, percentual bem superior ao de moedas africanas, que caem pouco mais de 20%; e ao peso mexicano, que perde ao redor de 19%. Especialistas do Ibre-FGV e analistas de mercado já concordam que o corte nos juros vem alimentando a depreciação cambial.

Sinal dessa influência é a saída do investidor estrangeiro. Do início do ano até a primeira quinzena de maio, ele resgatou US$ 33,4 bilhões pelo câmbio financeiro. A expectativa é que o investimento estrangeiro direto será igualmente afetado, ficando abaixo do projetado anteriormente, em consequência da aversão generalizada ao risco no mundo e um cenário doméstico adverso, com contração da economia, perspectiva fiscal desfavorável e instabilidade política.

Os resultados das empresas brasileiras foram afetados pelo câmbio e pela crise em geral, conforme revelam os balanços do primeiro trimestre, analisados pelo Valor Data. As 112 companhias abertas que divulgaram os resultados até o dia 15 pela manhã tiveram um prejuízo consolidado de R$ 21 bilhões, No mesmo período de 2019, essas empresas tiveram lucro líquido de R$ 17 bilhões. Foram excluídas da amostra a Petrobras e a Vale.

O câmbio reflete ainda a preocupação com a situação fiscal do país. As ações para mitigar os efeitos da pandemia na economia, na vida da população e as despesas para reforçar a área da saúde têm impacto nas contas públicas em todas as partes do mundo. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que elas devem aumentar em US$ 17 trilhões a dívida pública dos países ricos, elevando de 109% para 137% o montante em relação ao PIB. No caso do Brasil, a dívida bruta do governo vai superar 100% do PIB neste ano, e pode levar uma década para cair abaixo desse patamar, de acordo com cálculos do economista Marcos Lisboa (Folha 25/5). Afetados pelos mesmos fatores, cerca de 100 países já pediram ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil está longe disso, mas inspira preocupação.

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