terça-feira, 26 de maio de 2020

Bernardo Mello Franco - O chicote e a cenoura

- O Globo

Bolsonaro escolheu as armas para o inquérito que pode tirá-lo do cargo. Numa mão, ele estala um chicote contra o STF. Na outra, exibe uma cenoura para o procurador-geral

Jair Bolsonaro já escolheu as armas para lidar com o inquérito que pode encurtar seu mandato. Com uma mão, o presidente estala um chicote contra o Supremo Tribunal Federal. Com a outra, exibe uma cenoura para o procurador Augusto Aras.

No domingo, o capitão apontou o açoite na direção do ministro Celso de Mello. Pelas redes sociais, ele insinuou que o decano do Supremo teria cometido uma ilegalidade ao tornar público o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.

Para atiçar seus seguidores, Bolsonaro reproduziu artigo da Lei de Abuso de Autoridade. O texto estabelece pena a quem “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado”.

Não foi o caso. A filmagem liberada pelo ministro mostra agentes públicos em um local público, o Palácio do Planalto. Eles estavam ali para tratar de assuntos de interesse público, apesar do tom de conversa de botequim. Se alguém saiu com a honra ferida, é porque não se comportou à altura do cargo.

O presidente sabe que Celso de Mello se limitou a aplicar a lei. Seu objetivo é intimidar a Corte e expor o ministro à mira das milícias virtuais, que já alvejaram alguns de seus colegas.

Antes da liberação do vídeo, Aras tentou censurar quase todo o seu conteúdo. O decano precisou lembrá-lo de que o Ministério Público não pode ocultar provas com base em alegações “inadmissíveis”. Foi uma forma elegante de avisar que procurador-geral da República não é advogado do presidente.

No Brasil de 2020, as duas funções parecem ser uma só. Ao balançar a cenoura de uma eventual nomeação ao Supremo, Bolsonaro transformou seu investigador num aliado de primeira hora.

Ontem os dois protagonizaram uma cena constrangedora. Ao fim de uma videoconferência, o capitão se convidou a visitar Aras e seu “colegiado maravilhoso”. O procurador não disfarçou o entusiasmo: prometeu recebê-lo com “a alegria de sempre”.

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