Sem cortes de salário, máquina pública ruma ao colapso agarrada a suas vantagens
Só um corporativismo estatal tão poderoso quanto obtuso pode explicar a lerdeza com que se arrasta a regulação, urgente a esta altura, da redução de jornadas de trabalho e salários dos servidores públicos.
A possibilidade foi prevista há 20 anos na Lei de Responsabilidade Fiscal, para casos em que as despesas com pessoal superam o teto de 60% da receita. Em 2002, uma decisão provisória do Supremo Tribunal Federal a suspendeu. Somente agora, a corte concluiu o julgamento da norma —e, por 7 votos a 4, considerou-a inconstitucional.
A maioria dos magistrados escudou-se numa leitura estrita do princípio da irredutibilidade salarial —não aplicável, observe-se à parte, para os trabalhadores da iniciativa privada, ainda mais em tempos de recessão e pandemia.
Os votos vencidos, a começar pelo do relator, Alexandre de Moraes, ampararam-se na tese de que a Constituição já permite até a demissão de servidores quando há excesso de gastos. Logo, por esse raciocínio, a legislação viabilizaria uma solução menos drástica e, portanto, favorável ao funcionalismo.
Argumentos do tipo, porém, não sensibilizam corporações que se negam a rediscutir o que consideram seus direitos à luz da realidade das finanças públicas e do país.
De acordo com o levantamento mais recente do Tesouro Nacional, 12 estados fecharam 2018 com folhas de pagamento acima do limite máximo legal. Nos últimos anos, tornaram-se rotineiros, em diversas unidades da Federação, atrasos nos pagamentos de salários.
Agora, a crise do coronavírus faz desabar a arrecadação e explodir a dívida governamental —enquanto o Estado brasileiro sustenta bovinamente um dos quadros de pessoal mais caros do mundo.
A responsabilidade não é apenas do STF, diga-se. Durante os anos em que a questão esteve empacada, governo e Congresso tiveram tempo de sobra para negociar uma emenda constitucional que desse conta do problema. Nem agora se animam a fazê-lo, entretanto, e tampouco se viu a prometida proposta de reforma administrativa.
Mas essa não foi a única demonstração de alheamento da realidade por parte do Supremo. Por 6 votos a 5, o tribunal decidiu que o Executivo não pode limitar repasses ao Legislativo e ao Judiciário caso a receita fique abaixo do esperado. Em outras palavras, só um dos Poderes arca com o prejuízo.
Ao se agarrarem de modo intransigente a suas vantagens e garantias insustentáveis, a máquina pública e seus dirigentes vão desperdiçando a oportunidade de promover um ajuste racional e planejado.
Alimentam os riscos de colapso de serviços e pagamentos, na ilusão de que poderão transferir a conta, indefinidamente, à sociedade.
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