Será importante o Copom sinalizar que tem instrumentos para cumprir a meta de inflação e que, se necessário, vai utilizá-los
Por todos os ângulos que se olhe, a inflação corre muito abaixo das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), colocando em risco a credibilidade do regime de política monetária adotado pelo Brasil há duas décadas. O Banco Central deve ter um comportamento simétrico ao desvios da inflação em relação aos objetivos, combatendo-os igualmente quando ocorrem para cima ou para baixo.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio registrou uma queda de 0,38%, um pouco mais suave do que o recuo de 0,45% esperado pelo mercado financeiro. O índice só ficou maior do que o previsto porque a deflação da gasolina não foi tão intensa. A tendência subjacente da inflação segue muito baixa. A média dos principais núcleos de inflação acompanhados pelo Banco Central ficou em 2,1% nos 12 meses encerrados em maio.
O boletim Focus de expectativas de mercado prevê uma inflação de 1,53% em 2020. Alguns economistas do setor privado já mencionam a hipótese de um IPCA menor do que 1%. Se confirmado, será a menor variação desde 1933, de acordo com levantamento de vários índices de inflação usados pelo país no período feito pelo economista Armando Castelar Pinheiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 1933, sob os efeitos da Grande Depressão, a inflação ficou em 0,9% .
As apostas em uma inflação muito baixa extrapolam este ano. O boletim Focus projeta para 2021 uma variação de 3,1% no IPCA, o que significa que os analistas econômicos acreditam que o Banco Central vai deixar a inflação cair abaixo da meta, de 3,75%. As projeções de mercado representam um questionamento da capacidade de o BC cumprir o mandato de estabilidade monetária conferido pela sociedade.
Da mesma forma que uma inflação acima das metas é ruim, uma variação de preços muito menor também é prejudicial. Significa que a economia está rodando aquém do pleno emprego. Desde 2017 estamos nessa situação: a inflação subjacente está muito baixa e, se o índice cheio chegou perto da meta, foi em virtude apenas de choques temporários de preços.
O período de inflação muito baixa se iniciou no governo Temer, que combateu um surto inflacionário em meio a uma recessão. Na gestão Dilma, a economia teve uma contração de 7%, mas os índices de preços se aceleraram, devido aos receios com a dominância fiscal, desancoragem das expectativas e liberação de reajuste de tarifas que estavam represadas.
O então presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, adotou inicialmente uma política monetária mais conservadora. Em seguida, começou a injetar estímulos na economia, assim que a credibilidade do regime de metas foi restabelecida. Apesar dos cortes mais agressivos de juros, porém, a economia nunca voltou a atingir o pleno emprego. A inflação caiu para o patamar abaixo das metas, com núcleos entre 3% e 3,5%.
Mais recentemente, a crise do coronavírus ameaça jogar a inflação para um patamar ainda menor. Analistas do setor privado já começam a projetar um novo recuo dos núcleos para cerca de 1,5% até o fim do ano.
As expectativas para os próximo ano seguem em 3,1%, mas apenas porque as metas definidas pelo CMN funcionam como um ponto de atração, graças à credibilidade do regime de metas. Mas, se a inflação corrente se prolongar em níveis tão baixos, será inevitável novas quedas nas projeções de longo prazo do mercado para o IPCA.
O Banco Central reiterou o seu compromisso com o centro da meta de 2021 e tem mantido um grau de estímulo extraordinariamente elevado. Um levantamento feito pelo Valor mostra que há quase unanimidade dos analistas do mercado financeiro que o Copom cortará os juros em 0,75 ponto percentual, para 2,25%, em reunião nos próximos dois dias.
Talvez seja necessário cortar mais. Alguns economistas do mercado acreditam que os juros seguirão caindo nos próximos meses. Mas muitos preveem que, devido à situação de fragilidade das contas públicas, o BC vai parar de baixar os juros antes de assegurada a convergência da inflação à meta. Será importante o Copom sinalizar que tem instrumentos para cumprir a meta de inflação e que, se necessário, vai utilizá-los - seja juros ou instrumentos não convencionais de política monetária. Só assim poderá ganhar a batalha das expectativas e evitar que a inflação siga por mais tempo abaixo das metas.
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