Dias Toffoli disse que ato é 'ataque a todas as instituições democraticamente constituídas' e que ministros não aceitarão ameaças
André de Souza e João Paulo Saconi | O Globo
BRASÍLIA e RIO - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, criticou neste domingo manifestantes que lançaram fogos de artifício em direção ao prédio da Corte na capital federal, em protesto ocorrido na noite de sábado. O magistrado afirmou que o tribunal não se sujeitará a ameaças e que o ato "simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas". A mensagem de Toffoli foi acompanhada por manifestações dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gillmar Mendes.
"O Supremo jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão", diz trecho da nota (veja a íntegra no fim da reportagem).
O ato será investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) em um procedimento aberto neste domingo. A procuradoria quer saber se houve danos à estrutura do STF, que está em área tombada como patrimônio histórico, e solicitou a coleta de provas no local. O caso pode ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional e na Lei de Crimes Ambientais, por causa do tombamento.
Divulgados em redes sociais, vídeos gravados no sábado mostram manifestantes proferindo ofensas contra ministros do STF enquanto disparam fogos na direção da sede. O próprio Toffoli foi chamado de "bandido", assim como o ministro Gilmar Mendes. Houve ainda xingamentos direcionados a Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Em ofícios enviados neste domingo, o presidente do Supremo pediu que mais frentes de investigação sejam abertas.
Parte do grupo afirmou que o ato era um "recado". Um deles repetiu a frase "Acabou, porra", dita pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de maio, quando ele criticou diligências contra seus apoiadores permitidas por Moraes no âmbito do inquérito que investiga ataques e notícias falsas disparados contra a Corte. O magistrado já vinha sendo atacado antes mesmo dessa decisão, depois que suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal (PF).
"O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocraticos que desrespeitam a Constituição Federal, a Democracia e o Estado de Direito. A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá", escreveu Moraes no Twitter, também neste domingo.
Ainda no Twitter, a mensagem de Moraes foi compartilhada por Barroso. Sem citar o episódio de sábado, o ministro escreveu:
"Há no Brasil, hoje, alguns guetos pré-iluministas. Irrelevantes na quantidade de integrantes e na qualidade das manifestações. Mas isso não torna menos grave a sua atuação. Instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos. Há diferença entre militância e bandidagem".
Gilmar Mendes também utilizou a rede social para comentar o caso.
"O ódio e as ameaças do vídeo são lamentáveis. A incitação à violência desafia os limites da liberdade de expressão. Parabenizo o Correio (Braziliense, jornal da capital federal) pela corajosa cobertura desses atos e o governador Ibaneis Rocha pelas medidas de segurança", escreveu o ministro.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) demonstrou solidariedade ao Supremo e pediu que a socidade se recuse a apoiar movimentos golpistas.
"Minha solidariedade ao STF é total. Os fogos vistos no YouTube e a voz tremebunda atacando-o são contra a democracia. Gritemos: Não ao golpismo! Os militares são cidadãos: devem obediência à Constituição como todos nós. Defendamos juntos Brasil, povo e lei, antes que seja tarde", afirmou FH no Twitter.
Toffoli vê 'estímulo de integrantes do Estado'
No ato que incomodou os ministros, um dos manifestantes chegou a ser gravado enquanto dizia que os integrantes do STF vão "cair" e que o grupo responsável pela manifestação seria responsável por derrubá-los. Mensagens como essas já vinham circulando nas redes sociais antes de passarem a ser verbalizadas nas ruas: no último ano, os membros da Corte foram mencionados 9,5 milhões de vezes no Twitter, conforme identificou levantamento obtido pelo GLOBO junto à empresa Bites. As datas em que mais houve ataques virtuais foram aquelas em que os magistrados proferiram decisões que desagradaram a base bolsonarista.
Neste domingo, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge de Oliveira Francisco, repudiou ao ato que incomodou os ministros do STF. Ele afirmou que as individualidades não podem sobrepor as intenções coletivas da sociedade brasileira.
"Ataque ao STF ou a qualquer instituição de Estado é contrário à nossa democracia, prejudica nosso país, e deve ser repudiado. Atitudes e pensamentos individuais não são mais importantes que nossos ideais", afirmou Oliveira Francisco no Twitter.
Para Toffoli, atitudes como as dos manifestantes têm sido "estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado". O presidente do STF não citou nomes de autoridades em sua nota, ainda que estivesse enviando um recado ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, que neste domingo se encontrou com manifestantes pró-governo, entre eles alguns que estavam na queima de fogos de artifício, e voltou a chamar os ministros do STF de "vagabundos".
O ministro já tinha utilizado a mesma referência na reunião ministerial de 22 de abril, divulgada um mês depois por decisão do ministro do STF Celso de Mello. Weintraub foi gravado enquanto ofendia os magistrados do STF e dizia que eles deveriam ser presos. O vídeo tornou-se público quando passou a constar como prova de um inquérito que apura supostas interferências de Bolsonaro na PF.
Após a repercussão de suas falas, Weintraub disse que elas teriam sido deturpadas e que, naquele momento, estava manifestando sua indignação em um ambiente fechado. Neste domingo, em encontro com apoiadores bolsonaristas em Brasília, o ministro fez nova menção a palavra "vagabundos". De acordo com o jornalista Lauro Jardim, a atitude foi interpretada por ministros do Supremo como uma nova afronta.
— Já falei minha opinião, o que faria com esses vagabundos — disse Weintraub, após um apoiador afirmar que estava revoltado por "pagar a conta daqueles corruptos que estão estragando o Brasil".
Além do contexto relacionado a Weintraub e sua fala neste domingo, vídeos do protesto de sábado relacionam um dos manifestantes a outra autoridade. Em um dos registros, um homem aparece se apresentando como assessor do deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) e, em seguida, direcionando críticas a uma pessoa não determinada:
— Sou Cavalieri do Otoni, assessor do deputado federal Otoni de Paula. Você não vai acabar com o nosso Brasil. Viva a democracia. Canalha. Nosso Brasil vai ser livre, eternamente. Em nome de Jesus.
Ao GLOBO, Otoni afirmou que Leandro Cavalieri não é seu assessor parlamentar, mas apenas um conhecido que o pediu apoio eleitoral este ano. O parlamentar disse ainda que condena a atitude de Cavallieri e que não o apoiará no pleito após a participação no protesto. Para o deputado, é preciso repudiar "qualquer ataque às instituições" e separar o direito à liberdade de expressa opara criticar autoridades de investidas indevidas contra instituições.
Leia a íntegra da nota de Toffoli:
"Infelizmente, na noite de sábado, o Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas.
Financiadas ilegalmente, essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado, apesar da tentativa de diálogo que o Supremo Tribunal Federal tenta estabelecer com todos - Poderes, instituições e sociedade civil, em prol do progresso da nação brasileira.
O Supremo jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão.
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