Secretários de Fazenda já se articulam para pedir ao governo novo pacote. Primeira parcela de R$ 15 bi foi depositada semana passada
Marcello Corrêa | O Globo
BRASÍLIA — A primeira parcela do pacote de socorro da União aos governos locais é insuficiente para cobrir as perdas na arrecadação causadas entre abril e maio pela crise do coronavírus em ao menos 13 estados, mas supera a queda registrada em outros dez.
De acordo com levantamento do GLOBO, feito com base em dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a maior discrepância foi registrada no estado de São Paulo, onde o repasse inicial ficou R$ 2,8 bilhões abaixo da retração nas receitas.
Diante da expectativa de meses mais difíceis à frente, secretários de Fazenda já articulam pedir ao governo uma nova rodada de socorro. O pedido para estender o pacote por até quatro meses deve ser formalizado esta semana.
A constatação de que a União não é capaz de cobrir todo o rombo, por outro lado, aumenta a necessidade de os gestores locais reforçarem as medidas de ajuste.
O pacote de ajuda federal a estados e municípios prevê R$ 60,1 bilhões, divididos em quatro prestações. A primeira, de R$ 15 bilhões, foi depositada na semana passada, depois de dois meses de negociações.
Os estados ficaram com R$ 9,2 bilhões deste lote inicial. O Tesouro Nacional informou ainda que a suspensão de dívidas com a União e bancos públicos dará alívio de R$ 2,5 bilhões.
O dinheiro chegou aos cofres estaduais em um momento em que os entes já haviam registrado queda de R$ 17,3 bilhões na receita, devido à pandemia.
Ajuste fiscal é necessário
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que a comparação com as perdas acumuladas entre abril e maio e um mês de auxílio não é adequada. Na avaliação da pasta, é necessário fazer o cálculo considerando apenas um mês de arrecadação. A próxima parcela será paga no dia 13 de julho.
Ainda assim, considerando apenas a queda na arrecadação em maio, os recursos também não seriam pagos de forma proporcional à perda de receita. Nesse caso, sete estados continuariam no vermelho em cerca de R$ 1 bilhão, mesmo após o auxílio.
O descompasso entre as perdas de arrecadação e o valor do auxílio já era esperado por especialistas, após governo e Senado alterarem a forma de divisão de recursos que vinha sendo discutida pela Câmara dos Deputados, com apoio de secretários de Fazenda.
Na versão original do projeto de lei, elaborada pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), a União compensaria os estados de forma proporcional à queda na receita.
O risco do modelo, segundo o Ministério da Economia, era incentivar gestores a serem menos cautelosos com as finanças, já que teriam a garantia de que qualquer perda seria ressarcida pelo Tesouro.
Para especialistas, a crise reforça a necessidade de os entes adotarem medidas de austeridade.
— Só espero que, de uma vez por todas, para os Executivos de forma geral, tenha caído a ficha da importância de um bom controle fiscal — observa André Luiz Marques, economista do Insper.
O economista Josué Pellegrini, da Instituição Fiscal Independente (IFI), avalia que, quando a pandemia passar, será necessário retomar programas estruturais:
— Vamos precisar voltar a tudo aquilo que falávamos antes da crise: é necessário que estados, principalmente aqueles com situação mais grave, façam um ajuste das despesas obrigatórias. Não dá mais para ficar só recebendo ajuda da União.
Um ajuste fiscal mais rígido será especialmente necessário naqueles estados onde os recursos não compensam as perdas registradas até agora.
Este é o caso de São Paulo. A expectativa de perdas de receita no estado, no ano, está entre R$ 19 bilhões e R$ 20 bilhões — bem acima dos R$ 7,69 bilhões que São Paulo receberá em quatro parcelas, sendo R$ 1,07 bilhão carimbado para uso na saúde.
“Este valor é claramente insuficiente para compensar a queda de arrecadação. No entanto, a suspensão do pagamento da dívida do estado com a União proporcionará mais R$ 12 bilhões. Outros recursos virão de medidas de austeridade e corte de despesas, anunciados em abril”, informou a Secretaria de Fazenda paulista, em nota.
No Rio, a expectativa é que a arrecadação caia R$ 10 bilhões em relação ao ano passado. Mas a reabertura gradual fez o estado rever em R$ 2 bilhões a projeção de arrecadação de ICMS.
— A despeito de não cobrir totalmente a queda de arrecadação, a ajuda é muito bem-vinda e necessária — disse o secretário de Fazenda do Rio, Guilherme Mercês. — Temos tomado medidas importantes, não estamos esperando a ajuda da União. Estamos fechando as contas, mas essa semana o governador soltou um decreto de bloqueio de 10 mil cargos, impedindo a ocupação desses cargos, o que dá fôlego em termos de despesa.
O secretário de Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles, coordenador do Comsefaz, comitê que reúne os secretários de todos os estados, avalia que o modelo ideal é uma compensação integral das perdas do ICMS e do Fundo de Participação dos Estados (FPE) até o fim do ano.
— Somente com todas essas medidas será possível preservar o pleno funcionamento dos serviços públicos em todos os estados até o fim do ano, sem risco de colapso — afirma Fonteles.
‘Contenção das despesas’
O Ministério da Economia ressaltou, em nota, que o governo já tomou mais ações de socorro aos estados, além do pacote aprovado na Câmara, como a transferência de R$ 16 bilhões para compensar perdas nos fundos de participação. O órgão afirmou ainda que os critérios de distribuição foram definidos pelo Congresso.
A pasta também frisou que dados preliminares de notas fiscais eletrônicas apontam para perdas menos intensas na arrecadação nos próximos meses. Perguntado sobre a possibilidade de ampliar o auxílio aos entes, o ministério afirmou que o programa tem a dimensão correta.
“É fundamental que parte do esforço dos estados seja também na contenção de despesas, que não sejam relacionadas à pandemia, para que haja uma gestão eficiente dos recursos públicos.”
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