segunda-feira, 15 de junho de 2020

Ricardo Noblat - Bolsonaro quer o Supremo como um puxadinho do Planalto

- Blog do Noblat | Veja

Quem estica a corda

Na última sexta-feira, em advertência ao Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro, o vice, general Hamilton Mourão, e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, disseram em nota que as Forças Armadas não cumprem “ordens absurdas”, mas também não aceitam julgamentos políticos que levem à tomada de poder “por outro poder da República”.

Horas antes, o ministro Luiz Fux, que em setembro sucederá Dias Toffoli na presidência do Supremo, expediu liminar para disciplinar regras de atuação das Forças Armadas onde afirmou que o poder de “chefia das Forças Armadas é limitado” e que não há margem para interpretações que permitam sua utilização para “indevidas intromissões” no funcionamento dos outros Poderes.

Na noite do sábado, desalojados pela polícia do Distrito Federal dos acampamentos que haviam montado na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, em Brasília, bolsonaristas de raiz, favoráveis a uma nova intervenção militar, dispararam fogos de artifício contra o prédio do Supremo. Um deles foi detido no dia seguinte e solto logo depois. Deverá ser processado.

O que disse Bolsonaro, ou Mourão, ou Azevedo sobre a ação dos radicais sem teto contra o Supremo? O que disse o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, que em entrevista a VEJA assegurou que as Forças Armadas jamais quebrarão o regime democrático, que Bolsonaro nunca defendeu o golpe, mas que “o outro lado” não deve “esticar a corda”?

Nada disseram. Nem mesmo após a divulgação de nota onde Toffoli deplorou o ato que “simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas”. Segundo ele, “financiadas ilegalmente, essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”. Quem, afinal, deliberadamente estica a corda?

Orientados por Bolsonaro, pelo governo falaram a respeito apenas os ministros Jorge Oliveira, da Secretária-geral da Presidência, e André Mendonça, da Justiça. Oliveira escreveu: “Ataque ao STF ou a qualquer instituição de Estado é contrário à nossa democracia, prejudica nosso país, e deve ser repudiado”. Até o final do ano, Oliveira será indicado por Bolsonaro para uma vaga no Supremo.

O que disse Mendonça foi de uma calhordice exemplar. Primeiro, pediu respeito “à vontade das urnas” e “ao voto popular”, o que não estava em questão. Em seguida, pregou que se deve agir “por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade”. Por fim, pediu uma autocrítica a todos, lembrando que não há “espaço para vaidades”. Melhor seria ter ficado calado.

O que impediu Bolsonaro de pessoalmente condenar a agressão ao Supremo? Por que não o fez? Por que os generais que o apoiam preferiram guardar silêncio? Simplesmente porque eles elegeram o Supremo como seu principal inimigo. E assim será se o Supremo não se render. Rendeu-se em 2018 quando o general Villas Boas, comandante do Exército, pressionou-o a não libertar Lula.

Uma vez que o Congresso em meio à pandemia só funciona virtualmente, e que parte dele está sendo comprada pelo governo com cargos, liberação de verbas e outros favores, o Supremo tornou-se o principal obstáculo à ampliação dos poderes do presidente da República e – quem sabe? – à realização do sonho de Bolsonaro de implantar no país um regime autoritário.

O povo armado não será escravizado – ensinou Bolsonaro na célebre reunião ministerial de 22 de abril passado. Entenda-se: o povo armado por ele e disposto a obedecer às suas ordens. Como soaria aos ouvidos dos fardados se tal imprecação tivesse sido feita por Lula ao ver-se em apuros com o mensalão do PT, ou por Dilma emparedada pelo escândalo do petrolão?

A nota da sexta-feira assinada pelos três patetas trai o desejo deles de fazer do Supremo um puxadinho do Palácio do Planalto. Ou de instalar no palácio uma espécie de Supremo do B, com direito a redefinir o papel das Forças Armadas, das demais instituições da República e de interpretar a Constituição ao seu gosto. Sem que tenha sido necessário convocar antes uma Constituinte.

Quem fala pelas Forças Armadas? Azevedo é ministro da Defesa do Brasil ou do governo? Chancela todas as atitudes de Bolsonaro e depois corre a se explicar aos seus subordinados e a passar unguento nas feridas dos atingidos. Os ministros do Supremo estão acostumados com isso. O Ministério da Defesa virou uma espécie de Central Única dos que conspiram contra a democracia.

Não basta que o Supremo reaja a ataques com notas oficiais por mais indignadas que elas sejam. O inquérito sobre as fake news e quem as financia deve avançar, e rápido. Bem como outras decisões capazes de frear as ações golpistas do presidente, dos seus filhos e de sua corja civil e militar. Os 70% dos brasileiros não podem se comportar como se fossem 30%, nem vice versa.

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