quinta-feira, 16 de julho de 2020

Bernardo Mello Franco - “Não sou ladrão”

- O Globo

Enrolado em investigações de corrupção, o ex-juiz Wilson Witzel informou em vídeo: “Não sou ladrão”. A frase deve marcar sua passagem pelo governo do Rio

Richard Nixon já estava com o mandato por um fio quando pronunciou a frase mais célebre de seus 2.027 dias na presidência dos EUA. Numa entrevista em novembro de 1973, ele disse que nunca havia obstruído a Justiça ou embolsado dinheiro público. “I’m not a crook”, afirmou. Em português: “Eu não sou um vigarista”.

Ontem o governador do Rio, Wilson Witzel, repetiu o número do republicano. Em vídeo gravado com o próprio celular, ele alegou que “todas essas acusações levianas que estão sendo feitas contra mim é (sic) por parte de gente que não quer um juiz governando”. “Não sou ladrão”, arrematou. O pronunciamento foi divulgado nas redes sociais. Pelo tom das respostas, não convenceu.

Antes de recitar as três palavras mágicas — Nixon precisou de cinco — o governador fez uma breve autobiografia. “Fui juiz federal por 17 anos. Na minha carreira, tive uma vida ilibada. Fui considerado linha dura”, disse. O discurso pode não combinar com os fatos, mas explica por que sua imagem derreteu tão velozmente.

Witzel se elegeu com a promessa de redimir um estado devastado pela corrupção. Em menos de um ano e meio, foi acusado de reproduzir as práticas dos antecessores. Na semana passada, seu ex-secretário de Saúde foi preso por desvios de verbas na pandemia. Na operação, a polícia apreendeu R$ 8,5 milhões em dinheiro vivo.

A sabedoria popular ensina que o pecado do pregador choca mais que o pecado do pecador. Quando políticos notórios se envolvem em trambiques, ninguém se surpreende. Se um paladino da ética é pego em flagrante, todos param para ver. Foi o que aconteceu em maio, quando a PF fez buscas na residência oficial do governador.

Na segunda-feira, a revista “Veja” revelou que o ex-secretário de Saúde acertou uma delação premiada. Edmar Santos prometeu entregar provas da participação do chefe no esquema. Seria o prego final no caixão de Witzel, para usar outra expressão de Nixon.

Em junho, a Assembleia Legislativa abriu processo de impeachment por 69 votos a 0. Isolado, o governador agora apela ao tapetão judicial. O 37º presidente americano renunciou em agosto de 1974, quando constatou que seria cassado. Witzel poderia imitar essa também.

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