Mais que contestar críticas, militares deveriam deixar o comando da Saúde
O ruidoso e desnecessário entrevero que opôs o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e a ala militar do governo Jair Bolsonaro serviu ao menos para trazer de novo à tona o absurdo de um Ministério da Saúde sob comando interino e fardado —há dois meses inteiros— em plena emergência sanitária mundial.
Talvez por se darem conta do problema insolúvel que têm nas mãos, representantes das Forças Armadas no primeiro escalão do Executivo federal reagiram com intensidade exagerada a declarações de fato inapropriadas, mas não tão relevantes, do magistrado.
Não é de hoje que ministros da mais alta corte brasileira deixam de lado a discrição recomendada pelo posto e se aventuram em manifestações de natureza política. Gilmar participava de videoconferência quando, no sábado (11), criticou com arroubo retórico a participação dos militares na ruinosa condução do combate à pandemia.
“O Exército está se associando a esse genocídio”, disse na ocasião.
Apesar do termo hiperbólico, que se presta às diatribes das redes sociais, a assertiva possivelmente não seria lembrada por muito tempo —como outra fala anterior de Gilmar em tom similar— se o Ministério da Defesa não tivesse anunciado representação contra o magistrado pela acusação “irresponsável e sobretudo leviana”.
Ademais, o vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, cobrou uma improvável retratação do ministro do STF, que negou ter desrespeitado as Forças Armadas.
Tratando-se do governo Bolsonaro e seu histórico de tensões com o Supremo e outras instituições, o episódio não deixa de suscitar alguma preocupação. Não se vê, contudo, motivo para alarme.
Soube-se nesta quarta (15) que o titular interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, telefonou a Gilmar —que já conversara com o próprio presidente. Este, recolhido para recuperar-se da Covid-19, divulgou texto elogioso ao militar, mas sem menção ao ministro do STF.
Relata-se que Pazuello se dispôs a apresentar as informações necessárias para uma correta avaliação da atuação da pasta, onde hoje dão expediente mais de duas dezenas de fardados. Sua missão, inegavelmente, mostra-se inglória.
O Brasil já constitui um exemplo internacional de fracasso no enfrentamento do coronavírus, e os números de novos casos e mortes não dão sinal de trégua.
Ao provocar a demissão de dois ministros com negacionismo irracional, obsessão por cloroquina e manipulações de dados, Bolsonaro tornou dificílimo atrair para o posto outro profissional qualificado e cioso de sua reputação.
O recente ensaio de crise terá valido a pena se essa tarefa for, enfim, encarada. Um Ministério da Saúde convertido em sucursal da caserna não tem lugar em nenhum conceito de normalidade.
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