quinta-feira, 16 de julho de 2020

Míriam Leitão - Governo paga a conta dos erros

- O Globo

O Governo pintou e bordou na área ambiental, agora, na crise fundos ameaçam não investir e empresas querem mudanças de postura

A ironia é que o governo Bolsonaro errou durante um ano e meio na área ambiental e agora, quando tenta dar o meia-volta volver, encontra uma lei do governo Lula. O Terra Legal permite a regularização fundiária que eles tanto falaram e não fizeram. Não precisa de nova lei, muito menos aquela ideia do projeto inicial da MP da grilagem. Todos os sinais que eles deram provocaram um enorme prejuízo e, neste momento, indígenas correm risco, a Amazônia perdeu milhares de quilômetros de floresta para a grilagem e para o fogo, servidores públicos foram impedidos de fazer o seu trabalho no Ibama, ICMBio e Funai.

A média de titulação de terra desde a lei que permitiu o projeto Terra Legal é de 3 mil por ano. No governo Dilma, teve picos de até 10 mil num ano. Em 2019, houve a concessão de apenas seis títulos de terras. A informação desse fiasco foi conseguida por organizações através da Lei de Acesso à Informação. Aliás, lei do período Dilma.

O governo Bolsonaro nunca quis resolver o problema do pequeno proprietário sem título de terra, apesar da repetição exaustiva dos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura. Os que dizem ser donos de área com até quatro módulos fiscais — o que dá no máximo 400 hectares — são 95% dos 120 mil pedidos de regularização pendentes. Nem todos podem receber. Há exigências como a de o polígono não ser em unidade de conservação e a pessoa estar morando no local. Se quisesse, o governo teria feito com as leis existentes.

Há exatamente um ano, Ricardo Salles chegou a fazer uma visita de solidariedade a madeireiros em Espigão do Oeste, em Rondônia, depois que foi queimado um caminhão-tanque a serviço do Ibama na cidade. Era para intimidar o órgão e ainda dar prejuízo aos cofres públicos. Em vez de apoiar os servidores, o ministro do Meio Ambiente foi visitar os suspeitos. Este governo pintou e bordou durante um ano e meio na área ambiental. E agora, em crise econômica, quando o país mais precisa de investimentos, fundos ameaçam não investir e empresários pedem que se combata o desmatamento.

Se o vice-presidente Hamilton Mourão quiser resolver o problema, terá que recuar as tropas do rumo dado no governo Bolsonaro. E aprender com o caminho que o país fez até agora. O problema não estava resolvido quando eles chegaram ao poder. Longe disso, tinha havido até alguns retrocessos. O desmatamento subiu nos governos Dilma e Temer, depois de ter caído de 27 mil km2 em 2004 para 4,5 mil em 2012. Houve desafetação de áreas protegidas nas duas administrações. Mas nos governos do período democrático é que foram construídos o arcabouço legal e a estratégia de combate ao desmatamento que já funcionou no país. Foram esses avanços que Bolsonaro combateu. Ele chegou falando em acabar com as multas do Ibama, estimulou invasões de terra, garimpo ilegal, foram reprimidos servidores que combateram o crime e, sobretudo, Bolsonaro escolheu um péssimo ministro para a área. Foi deliberado.

Aqueles ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes de Banco Central que assinaram a carta pedindo a opção pela economia sustentável são de administrações que se enfrentaram em lados opostos da vida política brasileira e das correntes econômicas. Mesmo assim, estão unidos no entendimento de que o Brasil precisa parar de errar na área onde temos tantas chances de acertar. Só não entendeu isso, e fica repetindo que é pressão dos nossos competidores, a atual equipe econômica.

No chão da Amazônia, risco real cerca povos indígenas. Informação que eu recebi ontem da Terra Indígena (TI) Caru, onde moram os Awá Guajá, é que desde o início da pandemia as invasões para extração da madeira, pesca comercial nos rios que margeiam a TI e outras atividades ilegais aumentaram muito. A sensação que os índios têm é que as atividades ilegais foram liberadas. Nessa TI, e na Terra Awá, há indígenas de recente contato e grupos isolados, extremamente frágeis.

Tudo está no mesmo contexto. É preciso proteger a Amazônia, proteger os indígenas, preservar nosso patrimônio natural. Se não fizer isso, o Brasil sairá do mapa dos fundos que realmente têm capital. Não basta mais uma GLO. É preciso que os servidores possam fazer seu trabalho e esse governo corrija os erros que cometeu.

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