quinta-feira, 16 de julho de 2020

Ascânio Seleme - A turma de Bolsonaro

- O Globo

Colocar um general comandando o Ministério da Saúde durante uma epidemia foi um erro grosseiro

O deputado Jair Bolsonaro passou 30 anos no Congresso convivendo com o que havia de pior no baixo clero. Seus interlocutores foram parlamentares como ele próprio, gente sem brilho, sem ideias, sem projetos, sem protagonismo. Quando se elegeu presidente num descuido da história, se deu conta de que não iria encontrar naquela turma quadros de bom nível para ocupar as importantes funções públicas que se descortinariam com a sua posse. Onde insistiu com gente da patota, se deu mal. Como é o caso da ministra Damares Alves, ex-assessora do ex-senador Magno Malta.

Conseguiu juntar alguns nomes razoáveis, como os ministros da Agricultura, Teresa Cristina, e da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, porque ouviu conselhos de gente ajuizada. Na Economia encontrou um técnico que faria qualquer coisa para ser ministro. Paulo Guedes ainda ganhou com a ignorância do chefe nos assuntos da sua área, e virou um Posto Ipiranga com muito gosto. Mas a maioria do seu primeiro escalão foi formada por apoiadores ideológicos, puxa-sacos ou militares. Estes últimos ganharam relevo e cada vez mais espaço na medida em que Bolsonaro ia se desvencilhando de civis por ciúmes ou porque não obedeciam às suas ordens absurdas.

O presidente julgou que os militares formavam a sua verdadeira turma. E inflou seu ministério com generais. Foi com tanta sede ao pote da caserna que acabou nomeando generais da ativa, um óbvio equívoco. Mais grave, contudo, foi o fato de as Forças Armadas concordarem com o engano. O primeiro general da ativa instalado no governo, Luiz Eduardo Ramos, ocupou uma função burocrática na Secretaria Geral da Presidência da República, uma espécie de ajudante de ordens de luxo de Bolsonaro, mas ainda assim acabou pedindo transferência para a reserva. O segundo foi pior do que um escândalo. Colocar um general comandando o Ministério da Saúde durante uma epidemia foi um erro grosseiro.

O presidente não apenas associou as Forças Armadas, o Exército especialmente, às suas loucuras negacionistas, como ajudou a enterrar de vez o mito da competência dos militares. O general Eduardo Pazuello chegou com ar de xerife. Trocou médicos e sanitaristas por coronéis e majores achando que estava chefiando um departamento de logística do Exército. Deu com os burros n'água. Ele suspendeu as entrevistas diárias, que alertavam e adequadamente paravam o país, e passou a endossar as teses não científicas do presidente.

Pazuello viu o número médio de mortes diárias saltar de 685 para 1056. Em outra frente, o laboratório do Exército passou a fabricar em escala industrial comprimidos de cloroquina, porque o presidente comprou a falsa ideia de que o remédio era eficiente no combate da Covid-19. E coube a Pazuello desovar as milhões de unidades estocadas. O Exército, que produzia 120 mil comprimidos por ano, passou a fabricar 500 mil por semana. O remédio, que era distribuído nas regiões onde a malária é endêmica, e para a qual a cloroquina serve, hoje vai para os hospitais do SUS.

As Forças Armadas, que toparam fazer parte da turma de Bolsonaro, têm que arcar com as consequências e com as críticas aos desastres que seus homens ajudarem a produzir. Ninguém pode atacar o Exército por erros porventura cometidos pelo ministro Augusto Heleno, general que está na reserva desde 2011. Mas é perfeitamente aceitável que o ministro Gilmar Mendes critique a associação dos militares com o que ele chamou de genocídio provocado pelo negacionismo oficial na medida em que a Saúde está sendo tocada por um general que ainda bate continência ao comandante da força.

P.S - Sobre texto que publiquei aqui no sábado passado, afirmando estar na hora de perdoar o PT e readmiti-lo no debate político nacional, muita gente comentou em blogs e redes sociais que se tratava de um recado do Grupo Globo ao PT, do qual eu seria um porta-voz. Nada mais equivocado. Os colunistas do GLOBO são absolutamente independentes e seus artigos representam unicamente o seu ponto de vista. O texto em questão é um exemplo desta independência.

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