Presidente do STJ deixa coerência de lado ao beneficiar Queiroz e mulher foragida
Ao conceder prisão domiciliar a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e em especial à sua mulher, Márcia Aguiar, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, expôs-se a justificada onda de críticas sobre a falta de coerência em suas decisões.
Em relação a Queiroz, o magistrado respaldou-se na legislação e em orientação de março do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que sugere a reavaliação de prisões provisórias e preventivas, sobretudo em se tratando de detentos que integram grupos mais vulneráveis à Covid-19 —idosos, gestantes e doentes crônicos, entre outros.
Nesse caso, pode-se considerar que Noronha agiu de maneira sensata, em que pesem as circunstâncias espinhosas —um suspeito de desvio de recursos públicos, que estava desaparecido até ter sido descoberto e preso em Atibaia (SP), numa propriedade do advogado Frederick Wassef, até então defensor de Jair e Flávio Bolsonaro.
Tal sensatez, contudo, não se observou em episódios pregressos, quando o presidente do tribunal negou o benefício a outros detentos expostos aos riscos da doença.
Quanto à mulher de Queiroz, todavia, justificar a medida constitui uma tarefa inglória. Se não inédita, a opção por favorecer uma pessoa que se encontrava foragida é no mínimo inusual e aberrante.
Não se sustentam, na lei ou no bom senso, os argumentos utilizados por Noronha sobre a necessidade de a esposa prestar assistência ao marido, portador de problemas de saúde. Ele poderia e pode ter acesso a profissionais da área para os cuidados necessários.
É inescapável constatar que as deliberações representam considerável alívio para o presidente da República, que já definiu suas relações com o presidente do STJ como “amor à primeira vista”.
Além disso, Noronha é notoriamente apontado como candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, que será aberta com a aposentadoria compulsória do decano Celso de Mello em novembro —o que não contribui para sua credibilidade nesse episódio.
Esta Folha defende de longa data que as penas de privação de liberdade em estabelecimentos prisionais deveriam ser reservadas àqueles que cometem crimes violentos e representam perigo para a sociedade. Em casos de menor periculosidade, seriam preferíveis penas alternativas, desde que rigorosas o bastante para efeitos de dissuasão.
Trata-se de uma posição filosófica que está longe, diga-se, de ser contemplada pelo ordenamento jurídico em vigor. No atual contexto, deve-se esperar ao menos que magistrados e tribunais atuem de modo mais coerente, racional e humano —o que, deploravelmente, não se observa mesmo com os riscos decorrentes da Covid-19.
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