- Valor Econômico
Proposta mira cobrança maior de tributos de quem tem imóveis e outros bens de maior valor
Enquanto o país ainda vive a crise do coronavírus, o tema da reforma tributária ganha força nas manifestações do governo e de lideranças do Congresso como principal agenda no pós-pandemia. E já é possível notar que alguns elementos passaram a ganhar maior relevância na discussão. Entre eles estão a ampliação da tributação sobre renda e patrimônio e a desoneração da folha de pagamentos.
Com a missão de produzir um relatório de consenso sobre um assunto que há três décadas patina, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) disse à coluna estar convencido sobre a necessidade de promover maior progressividade no sistema tributário. “Este debate está posto e vamos enfrentar. Vamos tratar da distribuição de lucros e dividendos. Temos que calibrar para ver impacto arrecadatório”.
Ele explicou que sua tendência é que haja alíquota única nessa cobrança sobre os resultados distribuídos. E prevê redução do imposto de renda das empresas para equilibrar a carga, em linha com o que tem enfatizado o ministro da Economia, Paulo Guedes, apesar da demora do governo em formalizar sua proposta.
Ribeiro disse que também está considerando uma tabela progressiva para tributação sobre o patrimônio. Ou seja, quem tem imóveis e bens de maior valor, pagaria mais. Essa progressividade, admite, também poderá ser estendida ao Imposto de Renda Pessoa Física, com alíquotas maiores do que 27,5%. “Se comprovadamente isso se mostrar viável do ponto de vista arrecadatório, podemos sim, mas estamos falando de rico, de quem ganha muita grana no país”, afirmou.
O parlamentar também informou que analisa desonerar parcialmente os salários, definindo um limite de isenção para a contribuição sobre a folha. “Pode ser uma desoneração por faixa, não dá para desonerar tudo porque ficaria muito caro”, disse, citando a possibilidade de deixar livre de encargos a faixa de renda de até 1,5 mínimo.
Segundo ele, o menor custo na folha compensaria eventual aumento de carga em algumas atividades do setor de serviços, que teriam dificuldades em obter créditos tributários dentro do novo imposto nacional sobre valor adicionado (o IBS). Apesar disso, o relator destaca que a ideia é uma desoneração da folha sem distinção de setores.
A hipótese de estabelecer uma faixa desonerada nessa contribuição tem respaldo em estudo do Centro de Cidadania Fiscal (CCif). O instituto propõe reduzir de 27,5% para 9% a contribuição previdenciária sobre a faixa de um salário mínimo, o que serviria para custear benefícios como auxílio-doença e acidente de trabalho. Segundo o diretor do CCif, Bernard Appy, isso teria um custo de R$ 75 bilhões.
Além disso, ele explicou ao Valor que a proposta da entidade passa também por transferir as contribuições não previdenciárias, como ao Sistema S, para outra base. E por retirar a incidência sobre a parcela da renda acima do teto previdenciário, de R$ 6,1 mil. Com isso, explicou, haveria redução do custo do trabalho e incentivo ao emprego formal.
Diante do alto impacto fiscal, Appy reconhece que isso não pode ser feito de uma só vez. E que será preciso buscar fontes de financiamento, como alíquotas maiores de imposto de renda e a discussão sobre taxar mais renda e patrimônio.
A solução do governo para desonerar a folha é a tributação sobre transações, que na prática ressuscita a antiga CPMF. Esse, contudo, continua sendo um campo minado, dada a forte oposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e outros parlamentares. O relator também não mostra simpatia pela ideia. Mas aponta como ponto necessário a discussão sobre tributação de operações digitais (o comércio eletrônico), setor que já crescia antes e ganhou ainda mais força durante esta pandemia.
Apesar do histórico de dificuldades e do calendário apertado por conta das eleições, Ribeiro mostra-se otimista com a chance de a reforma ser votada neste ano. Ele pediu aos presidentes da Câmara e do Senado que permitam a retomada dos debates em sessões virtuais na comissão mista nas próximas semanas. E aguarda uma decisão de Maia e Davi Alcolumbre (DEM-AP) para esta semana ainda. Se os trabalhos forem retomados, ele acredita ter condições de apresentar um relatório em agosto.
Ao mostrar-se mais convicto em trabalhar as questões de progressividade e de custo do trabalho, Ribeiro é taxativo em rejeitar aumento de carga tributária global, mesmo com a forte e, provavelmente duradoura, piora fiscal. “Queremos redistribuir a carga, não aumentá-la”, salientou.
Ele disse que o objetivo maior é ter um sistema mais simples, que facilite o ambiente de negócios e, mais importante, promova o crescimento econômico. Na visão do deputado, esse elemento será decisivo para resolver a equação fiscal de um país que se aproxima de uma dívida de 100% do PIB.
É um bom sinal que tanto o relator como o ministro Paulo Guedes estejam demonstrando maior preocupação em ter um sistema tributário não só mais simples e competitivo, como também mais progressivo, alinhando-se aos países mais ricos e modernos, bem como promovendo um crescimento sustentável e mais justo.
Dados da Receita Federal mostram como a renda e o patrimônio parecem ser também uma base mais estável de receitas. De janeiro a maio, enquanto a arrecadação sobre consumo despencou 21,8%, a sobre renda e propriedade recuou 4,3%. Como a crise atingiu diretamente comércio e serviços e ainda houve adiamento de tributos, esse resultado não chega a surpreender. Mas um olhar sobre outros anos recessivos, como 2009 e 2015-16, indicam que a base de renda é menos volátil do que a do consumo, em especial quando o PIB cai.
O economista André Paiva Ramos, da AC Lacerda, lembra que no Brasil quase metade da carga tributária total é sobre consumo. E reforça que, por cobrar muito em bens e serviços, o sistema brasileiro prejudica os mais pobres, impulsiona a desigualdade e é menos eficiente. “Como mostram os dados da Receita, renda e propriedade tiveram queda menor em período de adversidade. Isso é mais um fator importante para se repensar a estrutura tributária Além da questão de simplificação, que é muito importante, é necessário que ela melhore aspectos de progressividade, tributando mais renda e patrimônio”, disse.
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