terça-feira, 14 de julho de 2020

Míriam Leitão - Conflito Gilmar e Forças Armadas

- O Globo

Forças Armadas se sentem injustiçadas no combate à pandemia, mas assumiram o risco à imagem com a forte presença de oficiais na Saúde

O Ministério da Defesa não encontrará vontade de brigar no gabinete do ministro Gilmar Mendes. Por isso, se o procurador-geral da República, Augusto Aras, fizer a representação contra o ministro, ele simplesmente prestará as explicações pedidas. Dirá que não quis imputar crime ao Exército, mas apontar um problema que, na visão dele, está acontecendo. Para os militares, a declaração do ministro Gilmar Mendes pesou demais porque ele disse que o Exército estaria se associando “a esse genocídio”.

As Forças Armadas estão convencidas de que eles estão fazendo o máximo que podem para combater a pandemia, com 34 mil efetivos dedicados às diferentes frentes de trabalho. Elas se sentem injustiçados, e por isso a nota contra o ministro Gilmar Mendes foi assinada não apenas pelo ministro da Defesa, mas pelos comandantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica.

Na live da revista “Isto É”, da qual participou o ministro Gilmar Mendes, todos os painelistas criticaram bastante a omissão do Ministério da Saúde nesta pandemia que já deixou um rastro de 72 mil mortos. A crítica foi exatamente à anulação de quadros técnicos do Ministério. O general Eduardo Pazuello é da ativa e existem outros 28 militares na Saúde. Um deles, o secretário-executivo, é coronel da reserva, Antônio Élcio Franco, e protagonizou a cena lamentável da humilhação de um garçom.

Quando os militares ocupam postos-chaves no governo, e vão até a manifestações, que além de faixas antidemocráticas tiveram também a mensagem anti-isolamento social, eles estão colocando em risco sua imagem. O próprio ministro Pazuello compareceu a um desses atos. No Ministério da Saúde, no meio de uma crise, ele tem avalizado as decisões do presidente da República. Isso tudo afeta a imagem dos militares. Mas a visão dos militares é a do vice-presidente Hamilton Mourão, de que o ministro teria ultrapassado o limite.

O evento já estava quase no final quando o jornalista Germano Oliveira passou a palavra ao ministro Gilmar Mendes. Ele disse que o “apagão do Ministério da Saúde” era grave. Disse que o Supremo fez o que lhe competia. Lembrou que o ministro Alexandre de Moraes permitiu a atuação do governo, “ao admitir a suspensão dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, dando segurança para ações governamentais”. Lembrou mais uma vez a natureza do voto do STF sobre a responsabilidade pelo combate à pandemia: ela é compartilhada pela União, estados e municípios. Bolsonaro tem insistido que toda a responsabilidade foi dada pelo STF aos estados e municípios:

— Queria encerrar dizendo que somos uma das maiores nações do mundo. Vejo aqui em Portugal toda hora notas ruins em relação ao Brasil, ao nosso processo civilizatório. É altamente constrangedor. As pessoas perguntam: o que aconteceu com o Brasil? O país que sempre nos trouxe lições de soft power e de civilização. Há um direito muito discutido, que é o direito à boa governança, não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Pode ter estratégia e tática em relação a isso, mas não é aceitável que se tenha esse vazio no Ministério da Saúde.

Pode-se dizer que a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal e atribuir a responsabilidade aos estados e municípios. Se for essa a intenção, é preciso fazer alguma coisa, é ruim, é péssimo. Para a imagem das Forças Armadas, é preciso deixar de maneira muito clara, o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável para o Brasil.

A um interlocutor com quem o ministro conversou ontem, ele disse ser “insuspeito de ser anti-militarista”, mas está convencido que as “Forças Armadas estão assumindo uma responsabilidade que não deveriam”. Ao ir além da nota, e pedir a ação da Procuradoria-Geral da República, os militares mostram que querem uma retratação.

O general Pazuello aceitou um papel ingrato. Ele assumiu, mas é interino. A interinidade dá a impressão de vazio no comando. Sua presença e a de todos os outros oficiais militarizaram o órgão. O Ministério passou a seguir as recomendações do presidente em relação à pandemia. O que Bolsonaro buscava era um ministro que o seguisse cegamente. Nenhuma instituição deveria pôr a sua reputação a serviço dessa política de Bolsonaro para a saúde, pelo simples motivo de que ela está errada.

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