Mercado aumenta custo da dívida do país porque quer mais do que promessas de responsabilidade fiscal
Faz menos de uma semana, Jair Bolsonaro reuniu um grupo seleto no gramado à frente do Palácio da Alvorada, para, com Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia — presidentes do Senado e da Câmara —, fazer uma profissão de fé conjunta na responsabilidade fiscal e na manutenção do teto dos gastos. Mas apenas discurso não basta. Além do descaso com as reformas, o governo Bolsonaro — coerente com a biografia estatista do presidente — tem manifestado uma incapacidade crônica para tirar do papel seu programa de privatizações.
No curtíssimo prazo, elas ajudariam a cumprir a promessa de respeitar o teto, ao aliviar o perfil de uma dívida em ascensão devido à pandemia. Mais importante que isso, tirariam o poder público de setores que, por mera questão de racionalidade econômica, deveriam ficar a cargo da iniciativa privada. Entre tantos exemplos, não faz sentido uma estatal para fabricar semicondutor, chamado de “chip do boi”, desenvolvido para gerenciar rebanhos. Não deu certo, mas a Ceitec, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, em fase de dissolução, ainda emprega 183 pessoas, segundo revelou O GLOBO.
Esta e outras estatais fazem parte de um conjunto de empresas deficitárias, em que o Tesouro teve de injetar R$ 20 bilhões só no ano passado — tanto quanto o governo estuda somar aos R$ 32 bilhões do Bolsa Família, para rebatizá-lo de Renda Brasil.
As cifras bilionárias deveriam levar o Planalto a prestar mais atenção às estatais. Um universo (ainda incompleto) de aproximadamente 200 companhias públicas controladas pela União e subsidiárias corresponde a um patrimônio de R$ 711,4 bilhões, dos quais 83% (R$ 590 bilhões), por decisão de Bolsonaro, estão blindados contra privatizações (entram aí Petrobras, Banco do Brasil, CEF e BNDES).
Só 17% do patrimônio, portanto, podem ser vendidos. Ainda assim, até agora só foram privatizadas subsidiárias e participações de estatais noutros negócios (somando R$ 135 bilhões). Bolsonaro ainda criou uma nova estatal para controle do espaço aéreo.
O governo sempre pode alegar que, por decisão do Supremo, a venda de empresas-mães precisaria ser aprovada pelo Congresso. Mas é uma justificativa fraca. A venda de estatais, está demonstrado desde o governo de Itamar Franco, sempre dependeu de articulação e negociação política. Habilidades escassas no governo. O Legislativo costuma ter um perfil gastador, mas aprovou uma reforma da Previdência que muitos achavam impossível, além do próprio teto de gastos. O perfil atual do Parlamento seria bem mais receptivo a um programa de privatizações do que no começo dos anos 1990.
Os mercados já alertam o Brasil do perigo em desrespeitar a responsabilidade fiscal. O déficit primário para este ano é estimado em R$ 800 bilhões. A dívida pública se aproxima dos 100% do PIB. O mercado teme que governo e Congresso não cumpram o que prometeram nos gramados do Alvorada. Ninguém crê que Bolsonaro queira privatizar.
Não quer mesmo.
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