sábado, 12 de setembro de 2020

Cristina Serra - Governo biocida

- Folha de S. Paulo

Cruza os braços e libera os exércitos de vândalos da floresta

Teoricamente, as duas cabeças do governo para a questão ambiental são o ministro Ricardo "Boiada" e o general Mourão, à frente do Conselho da Amazônia. Mas o que se viu até agora parece mais uma conspiração contra suas próprias responsabilidades. Nesta semana, os dois fizeram dobradinha nas redes sociais, compartilhando um vídeo tão mentiroso quanto tosco, que nem sequer distingue a Amazônia da mata atlântica.

O vídeo, patrocinado por uma associação de criadores de gado, é uma peça de cinismo: diz que não há queimadas na Amazônia, que apenas índios e pequenos produtores usam o fogo para limpar suas roças e que os latifundiários preservam as matas. Não bastasse, Mourão também andou dizendo que está na hora de discutir a mineração em terra indígena "sem preconceitos".

O ataque biocida deste governo ao meio ambiente dispensa equipamentos de guerra. Basta cruzar os braços e liberar os exércitos de vândalos da floresta. Os incêndios criminosos expandiram seu raio de ação. Agora, devoram também o Pantanal e chegam ao Cerrado. Welington Silva, servidor do ICMBio, morreu tentando combater as chamas. Mártir do abandono dos órgãos de proteção.

O fogo é apenas o sintoma mais visível da devastação que come a floresta por dentro. Uma nova corrida do ouro lançou hordas de garimpeiros com suas máquinas e seus venenos em terras indígenas e unidades de conservação. A indiferença deixou o coronavírus penetrar nas aldeias para executar um projeto de extinção em massa. A morte do indigenista Rieli Franciscato, em Rondônia, se inscreve nos contornos desta tragédia humanitária. A flechada em seu coração simboliza um ato de defesa de povos isolados cada vez mais acossados por invasores.

A Amazônia é a maior fronteira de recursos naturais do mundo e abriga incalculável patrimônio genético ainda desconhecido. É fator essencial de regulação climática. Nossa dádiva não pode virar maldição. Temos que reagir às invasões bárbaras.

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