O grande legado do Século XX, com o desfecho da “Era dos Extremos” como descreveu Eric Hobsbawm, foi, a meu juízo, a vitória das ideias de liberdade e democracia como valores universais e permanentes. Ainda que sobrevivam regimes autoritários mundo afora, o ideal democrático permanece sólido como o grande horizonte utópico neste início de Século XXI. Mostra disso são a impressionante mobilização popular na Belarus, as reações às ações desestabilizadoras de Trump no processo eleitoral em curso nos EUA e a resistência ao crescimento do populismo autoritário de extrema-direita em diversos países do planeta.
Há, evidentemente, ameaças e tensões que colocam em xeque a democracia contemporânea. Nunca se discutiu tanto a crise da democracia representativa. Há desafios a exigirem respostas urgentes. Mas não há outro caminho a não ser a democracia, invenção humana com suas virtudes e pecados, e que impõe um diálogo profundo e sincero entre conservadores, liberais, socialdemocratas, socialistas democráticos que convergem em torno da defesa da liberdade e rechaçam qualquer alternativa que rompa o Estado de Direito. Em um mundo e um país mergulhados em radical polarização entre os extremos, que alimentam suas bolhas sectárias, privilegiando a promoção do dissenso e não a política como ferramenta de construção de consensos progressivos através do debate democrático, temos nós, os democratas, a obrigação histórica de criarmos canais de diálogo para o fortalecimento da democracia e das instituições republicanas.
Acabei de ler o ensaio CHAMADO DA TRIBO, de Mário Vargas Llosa, onde o autor, com sua habitual qualidade de texto, narra sua trajetória de conversão do socialismo ao liberalismo, motivada pelas decepções com o socialismo real e o encontro com o liberalismo através de autores como Adam Smith, Ortega y Gasset, Hayek, Karl Popper, Raymond Aron e Isaiah Berlin.
Mas o que chamou atenção na leitura foi o vasto campo de diálogo possível entre conservadores, liberais e progressistas e a convergência que pode ser construída na constituição de um polo democrático para resistir aos apelos e às ameaças dos projetos extremistas, autoritários e radicais.
Temas como liberdade política, de imprensa, de organização e expressão; direitos individuais e valores morais – onde os conservadores são resistentes; papel do Estado no mundo contemporâneo, limites fiscais à expansão do “Welfare State”, ação mais regulatória do que empresarial, parcerias com o setor privado e o terceiro setor; liberdade econômica; equalização de oportunidades com foco prioritário no setor educacional e programas de renda mínima; descentralização e desconcentração do poder; combate à corrupção e compromisso com o reformismo; formam uma bela agenda onde naturalmente não haverá convergência plena, mas que tem que ser enfrentada para a construção de um programa de ação das forças democráticas.
Há poucos meses assistimos perplexos manifestações em favor de um novo AI-5 e do fechamento do Congresso Nacional, com a reinstalação de um regime autoritário. Felizmente, os desdobramentos da realidade e a reação dos setores democráticos desmontaram este cenário de confrontação.
Cabe a todos que acreditamos na democracia sacudir a poeira de certa inércia que nos abraçou desde 2018 e construir uma nova visão de futuro para o país.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG))
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