quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Eliane Cantanhêde - O fantástico mundo bolsonarista

- O Estado de S. Paulo (23/9/2020)

O presidente Jair Bolsonaro usou a ONU para divulgar a sua realidade paralela, num discurso com pelo menos uma dúzia de afirmações controversas, meias-verdades e mentiras. Ei-las:

1) “Desde o início, alertei que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente”.

 Não é verdade. Desde o início, o presidente não tratou a pandemia como um problema gravíssimo, que mata milhares. Negou o vírus, combateu o isolamento social, confrontou orientações médicas e científicas.

2) “Parcela da imprensa brasileira politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema ‘fique em casa’ e ‘a economia a gente vê depois’, quase trouxeram o caos social ao País”.

Nada mais falso. Graças à mídia, a população teve informações fundamentais sobre o vírus e como se prevenir. Informações que o governo se recusou deliberadamente a dar.

3) “Nosso governo (...) estimulou, ouvindo profissionais de saúde, o tratamento precoce da doença”.

Em vez de OMS, Ministério da Saúde e epidemiologistas, o presidente ouviu amigos, aliados e interesseiros para propagandear a cloroquina – que não tem comprovação científica em nenhum lugar do mundo.

4) “Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo”, “preservamos 66% de nossa vegetação nativa”, “(temos) a melhor legislação ambiental do planeta”.

Graças ao quê? Aos governos anteriores, à evolução do setor agropecuário e ao Congresso, que acusam o governo justamente de ameaçar essas conquistas.


5) “Os incêndios acontecem (...) onde o caboclo e o índio queimam seu roçado”.

Ninguém protege melhor o ambiente do que o caboclo e o índio, enquanto a PF investiga em direção oposta: fazendeiros inescrupulosos.

6) “Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação”.

Será?

7) “No campo humanitário e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacional”.

Não é o que as estatísticas dizem...

8) Houve “um aumento do ingresso de investimentos (em 2020). Isso comprova a confiança do mundo no nosso governo”. Há controvérsias...

9) “Apresentamos ao Congresso duas novas reformas: a do sistema tributário e a administrativa”.

Não tem reforma tributária, só uma proposta pontual, e a administrativa só saiu sob pressão, um ano e meio depois.

10) “Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre Amazônia e Pantanal (...), com apoio de instituições internacionais a que se unem a associações brasileiras impatrióticas para prejudicar o governo e o Brasil”.

Se tantos e tão diversificados querem prejudicar Bolsonaro, como ele se sustenta no poder?

11) “A nova política do Brasil de aproximação simultânea a Israel e aos países árabes”.

Depois de meses insistindo na embaixada brasileira em Jerusalém...

12) “O Brasil saúda o Plano de Paz e Prosperidade lançado pelo presidente Donald Trump”.

Usar a ONU para badalar Trump, que disputa a reeleição em alguns dias, é fora de propósito. Os democratas nos EUA que o digam.

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