Guedes voltou a defender a reforma tributária. Agora, pretende aumentar o peso do Estado na economia e não o contrário, como anunciou nos tempos áureos de Posto Ipiranga
Há quase um consenso no Ministério da Economia de que a antecipação do projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, em meio à pandemia, tornou-se o maior complicador da política econômica. Muito do comportamento errático do ministro Paulo Guedes decorre dessa contingência política, que não tem nada a ver com as necessidades dos agentes econômicos. Ontem, ao afirmar que indexadores não resolvem os problemas, que a solução dos mesmos é sempre política, citando as medidas de “economia de guerra” adotadas pelo Congresso, Guedes jogou a tolha: já não lidera a política econômica do governo, rendeu-se ao “dispositivo parlamentar” montado por Bolsonaro e os generais que hoje mandam na Esplanada dos Ministérios.
Os líderes do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), são raposas políticas experientes, operam em conexão direta com os ministros da secretaria de Governo, general Luiz Ramos; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para viabilizar desde já o projeto de reeleição de Bolsonaro, em troca de apoio nas eleições municipais para os candidatos ligados ao Centrão, o bloco político que ancora o governo no Congresso. Guedes foi engolido por esse grupo.
A política, em última instância, é a economia
concentrada, mas a experiência mostra que a blindagem da política econômica é
que garantiu o sucesso do Plano Real, no governo Fernando Henrique Cardoso, com
o economista Pedro Malan no Ministério da Fazenda, e do governo Lula da Silva,
com Guido Mantega comandando a economia. Em ambos casos, porém, o projeto de
reeleição teve um custo muito alto. No governo Bolsonaro, a equipe econômica,
em vez de ser blindada, está sendo implodida pelo próprio presidente da
República.
Ontem, por exemplo, o “dispositivo parlamentar” —
como não lembrar, com sinal trocado, do “dispositivo militar” do presidente
João Goulart, que não impediu sua deposição —, anunciou junto a Guedes que o
governo desistiu de manter o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da
desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia intensivos em mão
de obra. A decisão foi tomada porque o governo concluiu que já estava derrotado
no Congresso. Guedes, que orientou o veto presidencial, é o grande perdedor.
Agora, o Palácio do Planalto quer fazer do limão uma limonada. Como? Usando a
derrubada do veto como justificativa para criar um novo imposto sobre operações
financeiras. Ou seja, o governo pretende aumentar a carga tributária, com um
imposto com efeito cascata.
Investimentos
O objetivo é gerar uma sobra de caixa para a
implantação do programa Renda Brasil, a transferência de R$ 300 para a
população de baixa renda hoje atendida pelo Bolsa Família e o abono
emergencial. Concebido para ser o carro chefe da campanha de reeleição de Bolsonaro,
o programa ainda não tem viabilidade, por falta de recursos no Orçamento. Para
pôr de pé a proposta, Guedes voltou a defender a reforma tributária. Agora,
pretende aumentar o peso do Estado na economia e não o contrário, como anunciou
nos tempos áureos de Posto Ipiranga.
O resultado da movimentação errática do governo na
economia está sendo a volta da inflação, a queda da Bolsa e a alta do dólar,
como mostram os indicadores anunciados ontem. O pior ainda está por vir: a taxa
recorde de desemprego, que deve chegar a 18% da população economicamente ativa,
considerando-se apenas os que procuram emprego, o critério adotado pelo IBGE.
Nesse rumo, logo o Banco Central (BC) terá que aumentar a taxa de juros, hoje
em 2%, o que é muito bom diante da recessão causada pela pandemia, mas começa a
ser pressionada pelos juros nas operações de venda de títulos públicos, por
perda de confiança dos investidores.
O Banco Central anunciou, ontem, uma queda de 26,6% nos investimentos diretos, que somaram US$ 22,8 bilhões no primeiro semestre, contra US$ 31,1 bilhões no mesmo período do ano passado. Neste ano, ao contrário do que o presidente Bolsonaro disse em seu discurso na ONU, os investidores já retiraram R$ 88,9 bilhões da Bovespa, o dobro do volume registrado no ano passado: R$ 44,5 bilhões. É o pior desempenho em 11 anos. A pandemia e a recessão mundial têm culpa nesse cartório, assim como é compreensível que o ministro Guedes tente vender otimismo e anuncie uma recuperação em V da economia brasileira, mas não está sendo convincente. Ainda não caiu a ficha de que a falta de confiança dos investidores é resultado do comportamento errático do governo na economia, das crises criadas pelo próprio presidente Bolsonaro e de uma política ambiental desastrosa. Criar um imposto para garantir a reeleição do presidente da República não resolve o problema.
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