Apenas a
erosão da autenticidade poderá afetar a popularidade presidencial
O nexo
entre populismo e autenticidade está bem estabelecido e é quase auto-evidente;
justifica e até encoraja arroubos, impropérios e incivilidades por parte do(a)
líder populista. Dizer em público o que se fala em privado sinaliza congruência
entre representantes e representados; conexão direta sem filtros ou mediações
com o eleitorado. Ao se comportar como um uomo qualunque o(a) líder sinaliza
que é uma pessoa comum, inclusive na sua ingenuidade ou até ignorância.
Pode-se
observar recentemente um aumento da importância da autenticidade como valor
político, pari passu com um declínio da confiança nos políticos e da
participação política (ex. comparecimento às urnas). Embora tenha se tornado o
mais importante, a autenticidade não é o único fator que importa: competência e
integridade completam o tripé do que os eleitores percebem como boa
representação política.
Na
Grã-Bretanha, Will Jennings
e associados investigaram o papel desses três fatores no eleitorado em
geral, entre membros do parlamento, e entre jornalistas. A integridade obtêm os
escores mais altos no survey realizado com estes três grupos, mas a autenticidade
recebe prioridade significativamente muito mais alta no eleitorado do que nos
outros grupos, e é condicional à confiança nos políticos: ela será tanto maior
quanto maior a desconfiança. Se a saliência normativa da autenticidade para a
representação política é a contraparte do déficit de confiança nas democracias,
o populismo é a resposta política a ele.
No
Brasil, podemos especular que o quadro seja ainda mais acentuado: a
autenticidade é possivelmente o traço mais valorizado entre os simpatizantes de
Bolsonaro, enquanto a competência não joga papel relevante. Não é à toa
que Bolsonaro
terceiriza a responsabilidade pela economia. Os sucessivos escândalos
ciclópicos de corrupção alavancaram a saliência da integridade. Na rodada seis
do World Values Survey, o Brasil ocupava o percentil 87% da distribuição das
respostas à pergunta sobre se aceitar propina pode ser justificado. Isso
significa que em apenas 13% dos países a preocupação com a corrupção era maior.
Mas a autenticidade provavelmente importará mais dado a ubiquidade da
desconfiança.
Se isso
é verdade, acusações de incompetência ou envolvimento
em rachadinhas terão
pouco impacto sobre a popularidade presidencial: apenas a erosão gradativa da
autenticidade poderá fazê-lo. O sucesso em montar uma base parlamentar poderá
levar a déficits de autenticidade e mostrar que ele é apenas mais um membro da
política tradicional. Sua delegação ao líder do centrão da indicação do novo
juiz do STF é o mais novo passo nessa direção.
*Marcus André Melo. professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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