quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Bala no coronavírus!

- O Globo

Tentar impedir o governo paulista de aplicar a CoronaVac leva o caso para o STF

Ampla e cuidadosa reportagem no GLOBO — publicada ontem, de autoria de Johanns Eller, Raphaela Ramos e Rodrigo de Souza— deu uma geral em todos os estados para saber como estão se preparando para o programa de vacinação. O resultado é desalentador. Exceto o governo paulista, nenhum outro tem plano pronto, muito menos vacinas.

Estão todos no gerúndio: preparando, estudando, negociando. Alguns informam que já compraram insumos, como seringas e agulhas, outros dizem que já encomendaram freezers, todos prometem alguma coisa para as próximas semanas.

Em resumo: excetuando o governador João Doria, nenhum outro depositou esforços e colocou dinheiro e organização para alcançar uma vacina. Os demais ficaram na dependência do governo federal, por motivos diversos, mas basicamente dois: estados mais pobres que não têm recursos e/ou administradores incompetentes.

Todo mundo sabia que a saída da crise estava na vacina, de modo que a política de saúde aplicada neste ano (distanciamento social, máscaras, quando aplicadas, e internações) tinha o objetivo de ganhar tempo até a chegada da vacina. Esta, portanto, deveria ser o alvo principal.

Na prática, para os governadores, tratava-se de preparar os programas de imunização — coisa que não é difícil, já que estados e municípios fazem isso todo ano — e de agir na política e na diplomacia para ter acesso a todas as vacinas que estavam sendo pesquisadas.

Mas ficaram à espera das providências do governo federal, que passou meses negando a importância da pandemia. Até que o governador João Doria apareceu com a vacina e um plano de imunização. E ainda, num gesto obviamente político, oferecendo doses para outros estados.

Foi uma revolução. O ministro da Saúde, o general Pazuello, que colocava suas fichas só numa vacina — a da Oxford/AstraZeneca —, disse que estava negociando com a Pfizer, cujo medicamento havia rejeitado pouco antes, dizendo que sua aplicação exigia uma logística quase impossível de obter por aqui.

Mas como, se outros países da América Latina já tinham comprado a vacina da Pfizer? Estariam tão mais adiantados que o Brasil?

Agora, o ministro está negociando com a farmacêutica — de novo, no gerúndio. A vacinação, que começaria lá por março, abril (os testes da AstraZeneca, por azar, atrasaram), agora pode — notaram?, “pode” — começar talvez em dezembro.

Dezembro? É, isso se o contrato for fechado com a Pfizer, se a Anvisa der autorização de emergência e se a farmacêutica conseguir adiantar algumas doses, para pequena quantidade de pessoas. Se... algumas... pequena... Ou seja, não tem nada.

Alguns governadores e prefeitos aceitaram a oferta de negociar com o Instituto Butantan, que tem a CoronaVac aqui no Brasil.

Outros, como Ronaldo Caiado, de Goiás, simplesmente disseram que nenhum estado pode começar a vacinação antes dos outros.

Então vamos imaginar o seguinte: o Butantan, como prometido, entrega os estudos finais à Anvisa até 15 de dezembro; obtém a liberação da “Anvisa” chinesa, o que lhe dá o direito de solicitar autorização de emergência para a nossa Anvisa, que tem 72 horas para responder. Se não disser nada, a vacina está liberada. Pode negar, mas vai ser uma crise danada se a vacina tiver sido aprovada por outros institutos.

E o governador Doria ficará na seguinte situação: tem a vacina, tem as doses necessárias para começar a imunização conforme plano já divulgado e faz o quê? Deixa tudo estocado esperando que o governo federal compre as vacinas para todos os estados e organize os planos?

Claro que não pode fazer isso. Poderia até ser um crime de responsabilidade contra os moradores de São Paulo, onde a pandemia está em expansão.

Tentar impedir o governo paulista de aplicar a vacina leva o caso para o STF — para onde, aliás, o governador do Maranhão, Flávio Dino, já levou, mas no sentido contrário, de garantir autonomia aos estados.

Enquanto isso, o presidente Bolsonaro faz um tipo de museu com os trajes que ele e a primeira-dama usaram na posse e elimina impostos na importação de armas. Só se ele acha que vai matar o coronavirus a bala.

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