Descasamento
de índices prejudica 2021 mas ajuda em 2022
Para
dificultar ainda mais a sustentabilidade do teto de gastos - a única âncora
fiscal do país - surgiu um novo problema que estava fora do radar de todos. O
descasamento entre o índice que corrige o limite anual para as despesas da
União e o índice que corrige o salário mínimo e, consequentemente, os gastos
previdenciários e assistenciais. Este é o grande imbróglio deste fim de ano na
área fiscal.
O
problema não decorre do fato de que o teto de gastos é corrigido pelo IPCA, e o
salário mínimo, pelo INPC. Mas, sim, da periodicidade dos reajustes. A emenda
constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos, determina que o limite
anual para a despesa da União será corrigido pelo IPCA acumulado no período de
12 meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei
orçamentária. Já o salário mínimo, é corrigido em janeiro de cada ano pelo INPC
acumulado no ano anterior.
Para 2021, o teto de gastos foi corrigido em 2,13%, que foi o índice acumulado do IPCA de julho de 2019 a junho de 2020. O salário mínimo será corrigido por um INPC que poderá superar 5%. A última previsão do governo foi de que o índice ficaria em 4,2%. Mas, ela foi feita antes da decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de acionar a bandeira vermelha patamar 2 em dezembro.
Só
essa medida deverá impactar a inflação em 0,5 ponto percentual, estimam
técnicos oficiais. Em novembro deste ano, o INPC foi pressionado,
principalmente, por altas dos alimentos, com o índice ficando em 0,95%. No
acumulado de janeiro a novembro, o índice já está em 3,93%. Quanto mais elevado
for o INPC neste ano, maior será a dificuldade para o governo federal cumprir o
teto de gastos em 2021.
Em
resumo, a situação é a seguinte: o teto de gastos para 2021 foi reajustado em
apenas 2,13%, enquanto as despesas previdenciárias e assistenciais, que são
obrigatórias, poderão ser aumentadas em mais de 5%, dependendo do INPC deste
ano. Se as principais despesas vão crescer mais, o teto ficou muito mais
apertado do que era antes.
A
primeira pergunta que se coloca é porque a EC 95/2016 estabeleceu esse
descasamento entre os índices que reajustam o teto e o salário mínimo. Na
verdade, a proposta que saiu da equipe econômica do ex-presidente Michel Temer
reajustava o teto pelo IPCA “cheio” do ano anterior ao da lei orçamentária. Ou
seja, pelo IPCA acumulado de janeiro a dezembro do ano imediatamente anterior.
A
periodicidade foi alterada durante a tramitação da proposta no Congresso. A mudança
foi feita para que, no momento da elaboração da proposta orçamentária, que
ocorre de julho a agosto de cada ano, o Executivo e os demais Poderes da
República já tivessem clareza do espaço que teriam para gastar no ano seguinte,
ou seja, qual seria o seu limite individual para as despesas no exercício.
Uma
das preocupações que motivaram a mudança foi a de evitar a adoção de um IPCA
superestimado durante a elaboração e votação da proposta orçamentária, o que
obrigaria cortes posteriores para que as despesas ficassem dentro do teto
durante a execução do Orçamento.
Uma
fonte da equipe de Temer disse ao Valor que
foram feitas várias simulações sobre o descasamento. Elas mostraram a
necessidade de aprovar medidas de contenção das despesas e deixar um espaço nos
gastos discricionários (investimentos e custeio da máquina) para acomodar
eventuais oscilações do descasamento.
Em
2018, por exemplo, o descasamento ajudou a cumprir o teto de gastos. Em maio
daquele ano houve uma greve geral dos caminhoneiros que paralisou o país. Por
causa dela, os preços dispararam em maio e junho, elevando o IPCA, que corrige
o teto. Em seguida, a inflação caiu, reduzindo o INPC. Isso permitiu uma
situação mais folgada em 2019, o primeiro do atual governo.
Se
o descasamento dos índices torna muito difícil cumprir o teto de gastos em
2021, ele ajudará a cumprir o teto em 2022. Essa é a grande contradição de toda
a história. Desde julho deste ano, a inflação ganhou impulso, por uma série de
razões. Os especialistas acreditam, no entanto, que ela vai perder ímpeto no
início do próximo ano, atingindo o seu pico (no acumulado em 12 meses) em
meados do ano, com queda acentuada a partir daí.
Ou
seja, muito provavelmente, o IPCA que reajustará o teto de gastos para 2022
ficará bem acima do INPC que aumentará o salário mínimo e as despesas com
benefícios previdenciários e assistenciais. Por causa dessa questão
estatística, o teto vai “esticar”, o que poderá facilitar o seu cumprimento no
último ano do governo Bolsonaro. Desse ponto de vista, o grande desafio será
cumprir o teto no próximo ano. “A questão é como fazer a travessia de 2021”,
disse uma fonte.
A
proposta orçamentária para 2021, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em
agosto passado, utilizou um INPC de apenas 2,09% para corrigir o salário
mínimo. Não é nem a metade do índice que será registrado neste ano. Assim, as
despesas previdenciárias e assistenciais que foram programadas para o próximo
ano estão subestimadas e terão que ser corrigidas. As estimativas preliminares
indicam que os gastos deverão aumentar cerca de R$ 17 bilhões. Este seria o
tamanho do corte nas despesas discricionárias necessário para cumprir o teto.
As
fontes oficiais ouvidas pelo Valor advertiram,
no entanto, que os cálculos ainda estão sendo realizados e dependem de
informações da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho. Há indicações
concretas de que a despesa com benefícios previdenciários neste ano - que serve
de base para a projeção da despesa em 2021 - vai ficar bem abaixo do que estava
inicialmente previsto. Fala-se que o gasto poderá ser menor em mais de R$ 7
bilhões. Provavelmente, isto está relacionado ao fato de que, durante a
pandemia, muitos benefícios previdenciários não foram concedidos.
É difícil saber qual será a realidade do próximo ano nessa área. O governo vai tentar reduzir o imenso estoque de pedidos de benefício atualmente existente? Ou a pandemia continuará impedindo o atendimento da justa demanda dos cidadãos?
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