A
manutenção da Selic a 2,0% ao ano produz um efeito fiscal benéfico, mas pode
dar errado, quando se levam em conta outros fatores
A inflação voltou
a dar seus pinotes, ameaça voltar aos 6,0% ao ano daqui a cinco meses e, no
entanto, o Banco Central,
por meio do Comitê de Política Monetária, o Copom, manteve os juros
básicos (Selic) nos 2,0% ao ano. Mas sentiu o golpe e avisou que pode
ter de rever sua política de dinheiro mais frouxa e puxar novamente pelos
juros.
Primeiramente, aos números. Nos 11 primeiros meses deste ano, a inflação acumulada no ano chegou aos 3,13% e foi para 4,31% em 12 meses (veja gráfico). Em junho, a expectativa do mercado, medida pelo Boletim Focus, do Banco Central, apontava para todo o ano uma inflação (evolução do IPCA) não superior a 1,6%. Agora, ninguém espera menos de 4,0%. No segmento dos preços no atacado, houve uma disparada e tanto. O IGP-M, em cuja composição entram 60% de preços no atacado, acumulou neste ano até o final de novembro alta de 21,97% e pode ir mais longe. Como o atacado de hoje tende a ser o varejo de amanhã, parte da alta no atacado pode ser transferida para o consumidor.
Para
o Banco Central, essa inflação é o resultado de choques anômalos e temporários.
A pandemia desorganizou a cadeia de fornecimentos e suprimentos. Na retomada
da atividade econômica, muitas empresas foram apanhadas com estoques baixos
demais. A pressão da demanda empurrou os preços para cima. A alta das commodities (cotadas
em dólares) foi turbinada também pelo avanço do dólar em
reais. E houve, no final de novembro, o reajuste dos preços da energia elétrica.
O
Banco Central argumenta que essa esticada da inflação tende agora a refluir,
ainda que seus efeitos acumulados se estendam até meados de 2021. Convém juntar
os argumentos: o auxílio emergencial que distribuiu mais de R$ 275
bilhões a cerca de 68 milhões de pessoas e foi fator de aumento da demanda
de alimentos e materiais de construção civil vai terminar agora em
dezembro. E, se tiver continuidade, será por uma fração do valor pago até aqui.
Termina, também, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da
Renda, que beneficiou cerca de 9,8 milhões de trabalhadores. Portanto,
mais desemprego significará também menor pressão de demanda. A
alta das commodities agrícolas perderá força e esse enfraquecimento virá
acompanhado de uma queda da cotação do dólar em reais, movimento que já
começou. Por fim, a reativação da economia reorganizará as cadeias de
fornecimento e suprimento. Com isso, o fluxo de estoques também
voltará ao normal.
Se
essa inflação não é causada por excesso de dinheiro no mercado e tende a perder
força, não faz sentido puxar para cima os juros. É o que está subentendido no
comunicado divulgado logo após a reunião do Copom nesta quarta-feira. A manutenção
da Selic a 2,0% ao ano produz um efeito fiscal benéfico, não mencionado
pelo comunicado: reduz as despesas com os juros da dívida e, nessas condições,
retarda seu crescimento. Essa estratégia do Copom tem chance de dar certo. Mas
pode dar errado, quando se levam em conta outros fatores. O fator político,
por exemplo, nunca estará sob controle das autoridades da área econômica e
monetária.
O jogo de forças entre o governo e o Congresso é caótico e deve continuar assim. Sabe-se lá até que ponto será possível obter um equilíbrio mínimo nas contas públicas. E ainda há o risco de que a campanha eleitoral de 2022 seja antecipada para 2021 e piore tudo. O comunicado reconhece isso, mas adverte que nem essa hipótese de que os juros subirão será a correta, pois é preciso levar em conta também a fragilidade da recuperação.
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