Com
programas públicos em andamento, não haveria por que impedir hospitais e
clínicas privadas de vender vacinas
Quem
correu mais riscos no réveillon? As pessoas que se aglomeraram nas praias ou as
que trabalharam em festas (clandestinas, claro) promovidas em casas e mansões
(cozinheiros, garçons, copeiros, faxineiros, seguranças, motoristas, operadores
de som e vídeo)?
Pelo
que diz o CDC (Centro de Controle de Doenças, do governo americano, cdc.gov),
foram as pessoas que trabalharam e frequentaram as festas.
O
CDC oficializou as evidências científicas sobre a transmissão do coronavírus.
Entre elas: o risco é muito baixo em atividades ao ar livre; risco muito alto
em festas.
Mas,
considerando os quatro fatores básicos para calcular riscos, o pessoal da praia
também se arriscou muito.
São
eles, sempre colocando na frente os de maior risco:
1)
Interior versus exterior;
2)
espaços estreitos versus espaços amplos e ventilados;
3)
alta densidade de pessoas versus baixa densidade;
4)
exposição mais longa versus exposição mais breve.
Há outros dados interessantes que ajudam a avaliar as situações. A carga necessária para a pessoa contrair o vírus é receber 1.000 partículas virais (PVs). Na respiração, a pessoa exala mais ou menos 20 PVs por minuto. Na fala, são 200 PVs/minuto. Mas, se a pessoa contaminada espirra, ela espalha nada menos que 200 milhões de PVs, um volume suficiente para permanecer no ar por horas se o ambiente for mal ventilado.
Logo,
ao ficar na praia, tomando distância, em grupos pequenos, o risco é baixo.
Aglomerar sem máscaras, confraternizar nos botecos ou barraquinhas, aos gritos
e gargalhadas, risco altíssimo.
Acrescente
aí o pessoal que tomou o busão para ir às praias ou para trabalhar nas festas,
e a conclusão é clara: muita gente, rica ou remediada, festeira ou trabalhadora,
espalhou e recebeu o coronavírus. O efeito das comemorações de Natal e Ano Novo
já está aí, mas o número de casos e mortes ainda vai aumentar. Com uma
desigualdade evidente: os trabalhadores e “populares” vão para a fila do SUS;
os festeiros, para os hospitais particulares.
Tudo
isso para demonstrar que há muito debate inútil por aí. A ciência já conhece o
vírus principal (está pesquisando as variações) e já demonstrou como ele se
transmite de pessoa para pessoa.
Está
provado que, quanto mais distanciamento social, quanto mais lockdown, menos
contaminações. Sim, há pessoas que precisam sair de casa e tomar transporte
público para trabalhar. Há meios de reduzir os riscos: máscaras, lotação
reduzida, ambiente ventilado — e é papel dos governos oferecer isso e ordenar o
distanciamento onde é possível —, até que pelo menos a metade da população
esteja vacinada.
A
vacinação é tarefa do setor público. Mas uma vez que programas públicos,
federais, estaduais e municipais, estejam em andamento, não há razão nenhuma
para impedir que hospitais e clínicas privadas vendam as vacinas. É assim que
funciona na vacinação anual contra a gripe.
A
Agência Nacional de Saúde poderia estabelecer algumas regras para isso — se
fosse um governo federal eficiente.
Como
não é, podemos esperar muita confusão e judicialização, tanto na vacinação
pública — governos estaduais podem começar primeiro? — quanto na privada.
Para
sermos justos, é preciso notar que também nos países desenvolvidos há problemas
e atrasos na vacinação. Por isso mesmo, diante do aumento do número de casos
pós-festas de fim de ano, governos do Reino Unido e da Alemanha — para citar
apenas dois que têm fama de bons serviços públicos de saúde — estão endurecendo
as medidas de lockdown e distanciamento.
Deveria
ser feito por aqui também. Mas com esse presidente...
E,
para complicar ainda mais, temos aqui no Brasil um problema muito especial: o
fim do auxílio emergencial, sem que se tenha providenciado algo para colocar no
lugar. Artigo do economista Alexandre Schwartsman, publicado no Infomoney,
mostra estreita correlação entre o auxílio e vendas no varejo (ou consumo das
famílias), como fator importante da recuperação desse setor.
E,
por óbvio, a queda que deve ocorrer uma vez retirado o auxílio. Sim, o programa
é caro, mas poderia ser aplicado um menor, mais direto — mais barato, portanto
—e com dinheiro tirado dos privilégios do setor público.
Poderia..
Nenhum comentário:
Postar um comentário