Se
o presidente está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado e não pode
fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos brasileiros – que renuncie o
quanto antes
No segundo dia útil do ano, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que não se pode alimentar nenhuma esperança em relação a seu comportamento. Ele continuará exercendo o mesmo papel paradoxal que assumiu ao longo dos dois primeiros anos de mandato: o de governante que, em vez de construir, destrói – e ainda se faz de vítima. “O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada”, disse Jair Bolsonaro, na terça-feira passada, a um apoiador na saída do Palácio da Alvorada, como desculpa pelo fato de não ter cumprido a promessa de alterar a tabela do Imposto de Renda.
Destaca-se,
em primeiro lugar, que a fala desastrada não foi simples deslize verbal. Ela
está em total consonância com o modo pelo qual Jair Bolsonaro vem se referindo,
desde a posse, ao seu governo e à sua incapacidade de governar. No primeiro
semestre de 2019, por exemplo, o presidente da República divulgou um texto em
que afirmava ser o País “ingovernável” e “disfuncional”.
Diversas
vezes, Jair Bolsonaro admitiu sua falta de eficácia no Congresso. “Realmente eu
não consigo aprovar o que eu quero lá”, disse, por exemplo, em fevereiro do ano
passado. É no mínimo excêntrico que um presidente da República proclame, desde
a aurora de seu mandato, sua ineficiência e inaptidão para o cargo. Fica
evidente o intento de se apresentar como vítima, como alguém que deseja a todo
custo se esquivar de sua responsabilidade.
Mas o problema não é apenas que o presidente Bolsonaro seja incapaz de cumprir suas promessas – o que, não raro, é um benefício ao País. O grave é que Jair Bolsonaro, além de não construir, faz questão de destruir o que está de pé. Tal ímpeto demolidor ficou evidente, por exemplo, na declaração de terça-feira.
O
País luta contra uma grave pandemia. Não se sabe quando haverá vacina para os
brasileiros. O desemprego alcança taxas alarmantes. A economia tenta a duras
penas se aprumar. E o presidente da República vem dizer que o Brasil está
quebrado? Haja irresponsabilidade. Haja insensibilidade.
A
quem se apressou a dizer que a fala de Jair Bolsonaro não causou nenhum
prejuízo – teria sido apenas uma metáfora, perfeitamente entendida por quem
tinha de entender –, o retorno antecipado das férias de Paulo Guedes pode
ajudar a mostrar que as coisas são um pouco mais complexas. O ministro da
Economia foi convocado às pressas para uma reunião ministerial, ocorrida ontem
no Palácio do Planalto, precisamente para tratar dos desdobramentos da
declaração presidencial.
Além
disso, não cabe atestar agora, de imediato, a tal ausência de danos para o
País, e sim nas próximas negociações da dívida pública. Certamente, os
negociadores do governo não ficaram felizes com o presidente da República
declarando que o Brasil está quebrado. Nas próximas rodadas, o trabalho desses
profissionais será mais difícil. Ao menos, terão de explicar por que o governo
continua tendo condições de arcar com seus compromissos mesmo tendo à frente do
Executivo quem não arca com a responsabilidade de suas falas.
Se
o presidente Jair Bolsonaro está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado
e de que ele não pode fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos
brasileiros – que renuncie o quanto antes. Não há lugar para um presidente da
República assim amuado, a fazer-se de vítima na porta do Palácio da Alvorada
perante seus apoiadores.
Sempre,
mas especialmente na atual situação, com a pandemia e a crise social e
econômica a assolar as famílias brasileiras, o que o País precisa é de um
presidente da República brioso, que assuma valentemente suas responsabilidades.
Entre elas, a de cuidar do que fala.
O
Brasil tem muitos desafios a serem enfrentados e muitas reformas a serem
feitas. O caminho é longo e não há tempo a perder. Se o presidente Jair
Bolsonaro vê que em nada pode contribuir, não basta que ele admita em voz alta
sua irrelevância. É tempo de ele encontrar uma ocupação mais afeita às suas
aptidões. A Presidência da República exige responsabilidade de quem a exerce,
uma vez que seus atos e suas falas têm consequências.
Um país em frangalhos – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
Venezuela hoje é um país sem perspectivas alvissareiras no futuro próximo
A Assembleia Nacional, último foco de resistência institucional à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, ruiu oficialmente na terça-feira passada, quando os parlamentares eleitos em 6 de dezembro tomaram posse. Com uma bancada de 256 das 277 cadeiras da Assembleia – número inflado em 66% no ano passado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), leal ao ditador –, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e seus aliados dominarão a Casa pelo período 2021-2026.
No
farsesco ato de posse, os chavistas ergueram os retratos de Simón Bolívar e de
Hugo Chávez em local de destaque na sede do Parlamento. O júbilo era o de quem
finca bandeira para demarcar a conquista do último território rebelado antes da
vitória em uma guerra. Não era para menos. Com o controle dos Poderes Executivo
e Judiciário, das Forças Armadas, de milicianos arregimentados a soldo pelo
regime e, agora, do Poder Legislativo, Nicolás Maduro se torna ainda mais
forte. E quanto mais forte é a ditadura chavista, pior para o povo venezuelano,
alquebrado que está por uma crise que há muito tempo já deixou de ser política
para se converter em uma calamidade moral e humanitária, a mais grave a ocorrer
na América Latina em décadas.
A
conquista da Assembleia Nacional pelos chavistas decorre de uma eleição
forjada, como todas as que têm ocorrido no país para dar um verniz de
democracia no que é uma tirania. O pleito não teve a participação de partidos
de oposição a Maduro, que se recusaram a tomar parte da farsa, e não foi
reconhecido pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pelos países que
compõem o Grupo de Lima, entre os quais o Brasil.
Em
nota, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, rejeitou a
composição do Parlamento que tomou posse no dia 5 passado por considerá-la
“ilegítima”, qualificando como “farsa” o pleito que garantiu a retomada do
controle do Poder Legislativo pelo chavismo. O Grupo de Lima adotou o mesmo
tom. Em uma declaração conjunta assinada por Brasil, Canadá, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Paraguai, Peru e
representantes da oposição venezuelana, o grupo destacou que “essa Assembleia
Nacional ilegítima é produto das eleições fraudulentas de 6 de dezembro de
2020, organizadas pelo regime ilegítimo de Nicolás Maduro”.
Enquanto
parlamentares chavistas tomavam posse na sede da Assembleia Nacional, em
Caracas, em uma cerimônia virtual, os parlamentares da oposição davam posse a
Juan Guaidó como presidente de uma espécie de “Assembleia Nacional paralela”.
Embora já fosse reconhecido pelo Grupo de Lima, pela União Europeia e pelos
Estados Unidos como o presidente encarregado da Venezuela, é pouco provável que
Guaidó possa fazer muito mais do que já vinha fazendo, ou seja, denunciar as
arbitrariedades do regime chavista, tanto em seu país como no exterior. Na
verdade, a União Europeia já o trata não como chefe de Estado, mas como
“importante membro da oposição”.
Desafortunadamente,
a Venezuela hoje é um país em frangalhos, um país sem instituições sérias, sem
um governo orientado pelo interesse público e, o que é ainda pior, um país sem
perspectivas alvissareiras no futuro próximo. O sofrido povo venezuelano está à
mercê de uma ditadura implacável com opositores, insensível às aflições de uma
massa de miseráveis e muito confortável em suas posições de poder enquanto
potências como a China e a Rússia continuarem apoiando o regime, assim como os
militares que traíram seus compromissos legais e morais para dar sustentação a
um facínora como Maduro.
Há
quem nutra a esperança de que a posse de Joe Biden como presidente dos Estados
Unidos, no próximo dia 20, possa dar um novo impulso às negociações que levem a
uma transição pacífica de poder na Venezuela. É esperar para ver. Fato é que a
situação do povo venezuelano é tão dramática que qualquer facho de luz que o
leve ao fim desse túnel de terror em que está encurralado há tanto tempo não
pode ser desprezado.
A causa do despreparo da população – Opinião | O Estado de S. Paulo
Carência
de qualificação é culpa de quem faz do sistema educacional brasileiro terra
arrasada
Em mais um tortuoso monólogo pronunciado no cercadinho do Palácio da Alvorada, quando fala para convertidos e opina sobre as mais variadas questões, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu o alto índice de desemprego à falta de preparo da população. Em novembro, o desemprego bateu novo recorde, atingindo 14 milhões de brasileiros, e a taxa de desocupação da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, do IBGE, atingiu 14,2% – a maior desde que esse levantamento começou a ser feito.
Desordenada
como sempre, a fala de Bolsonaro misturou temas como crescimento de ações
trabalhistas, importação de serviços e dificuldades enfrentadas por
empregadores, o que faz com que “ser patrão é uma desgraça”. O denominador
comum, porém, foi o despreparo da mão de obra. “Então, é um país difícil de
trabalhar. Quando fala em desemprego, né, vários motivos (sic). Uma parte
considerável não está preparada para fazer quase nada.”
Em
princípio, a premissa de que parte Bolsonaro é correta. No último Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes, por exemplo, a ênfase foi em
interpretação de textos e o Brasil ficou entre as 20 últimas posições do
ranking. O levantamento mostrou que só 2% dos estudantes brasileiros souberam
separar fatos de opiniões, o que é vital para o desenvolvimento do pensamento
crítico. Dados oficiais revelam que, em 2019, 30% dos jovens com até 25 anos
não terminaram o ensino médio. Dos que concluíram, menos da metade conseguiu
entrar num curso superior. Ou seja, são poucos os jovens preparados para ganhar
a vida.
O
que Bolsonaro não disse é que ele tem uma alta dose de responsabilidade por
essa situação. Desde que chegou à Presidência, ele vem desmontando o setor
educacional. Em vez de tratar a educação como política de Estado, ele a trata
como política de governo, desprezando as opiniões de pedagogos, formulando
programas com enfoques religioso e ideológico, perdendo tempo com discussão
sobre indumentária escolar e entregando cargos estratégicos a amadores. Também
deixou os Estados à própria sorte após a pandemia, sem articular a substituição
do ensino presencial pelo ensino remoto. E, além de ter nomeado quatro
ministros da Educação em dois anos de mandato, tumultuou o calendário do Enem e
ainda transferiu para o setor de infraestrutura recursos do ensino básico, para
gáudio do Centrão governista.
Em
momento algum o governo Bolsonaro ouviu as advertências de ONGs educacionais,
de especialistas em ensino básico, de membros do Conselho Nacional de Educação
e de dirigentes de organismos multilaterais sobre o fosso que o País está
cavando por negar às novas gerações a formação escolar de que precisam para
obter colocação profissional num período de intensas transformações
tecnológicas. Nestes dois anos, em momento algum o governo relacionou ensino
com redução das desigualdades sociais, educação com padrão de vida e formação
escolar com potencial produtivo dos jovens. As autoridades governamentais nem
sequer comentaram um estudo que o Banco Mundial apresentou no fim de 2020,
informando que, por causa do baixo nível de aprendizagem dos adolescentes e dos
jovens brasileiros, eles ingressarão no mercado de trabalho nos próximos anos
com apenas 55% do seu potencial produtivo desenvolvido.
Diante
da intensidade das mudanças nas técnicas de produção, que estão reconfigurando
o mundo do trabalho, só terão vez os jovens com formação especializada e
capacitação técnica – requisitos que o governo Bolsonaro não oferece por
absoluta inépcia administrativa. O impacto que essa incompetência monumental
terá na educação poderá causar não só a ampliação da informalidade, mas o
aumento da exclusão social e a elevação da criminalidade. Como a educação é um
investimento de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos se convertem em
patrimônio da sociedade, Bolsonaro deveria ter tido mais cuidado quando
atribuiu o desemprego ao despreparo da população. Se parte significativa dela
carece de qualificação, a culpa é de quem vem, desde sua posse, fazendo do sistema
educacional brasileiro terra arrasada.
Invasão e morte no Capitólio traduzem risco à democracia – Opinião | O Globo
Tentativa
de Trump dar o golpe na contagem de votos foi frustrada, mas preço para país
será altíssimo
Não
era novidade que Donald Trump não saberia perder. Mas o que se viu ontem em
Washington, com uma morte em meio à confusão e à pancadaria no Capitólio — sede
do Legislativo e símbolo da democracia americana —, superou as previsões mais
mirabolantes feitas depois da derrota dele para o democrata Joe Biden em
novembro. Foi praticamente uma tentativa de golpe de Estado na democracia mais
longeva do planeta. Até o momento, felizmente frustrada,
A
invasão do Capitólio por manifestantes trumpistas, enquanto o presidente
derrotado lançava palavras de ordem e incitava uma massa de apoiadores num
comício lá perto, marca o nível mais baixo a que o sistema democrático desceu
no país desde pelo menos a disputa de 1876 entre o republicano Rutherford Hayes
e o democrata Samuel Tilden.
Aquela
eleição foi decidida por apenas um voto no Colégio Eleitoral, depois do
compromisso que deu a vitória a Hayes e encerrou o período da Reconstrução que
sucedeu a Guerra Civil no Sul do país. O resultado, até hoje objeto de
controvérsia, deu origem à emenda constitucional que rege o convoluto processo
eleitoral americano e às regras para a contagem dos votos do Colégio Eleitoral.
Com
base nelas, a vitória de Biden é incontestável. Os votos dos delegados eleitos
em 3 de novembro foram confirmados por todos os 50 estados. Fracassaram mais de
60 tentativas de rever o resultado das urnas na Justiça, inspiradas nas
fantasias de fraudes infladas por Trump. A Suprema Corte nem quis examinar a
questão.
Mas
Trump ainda tinha uma última carta na manga. Acreditava ser capaz de cancelar
os votos de estados em que fora derrotado na hora em que fossem oficialmente
contados, na sessão conjunta do Congresso marcada para ontem. Para isso,
contava com a cumplicidade de senadores republicanos, que contestariam a
legitimidade dos delegados de tais estados, e do vice-presidente Mike Pence,
que deveria desprezar tais votos ao proceder à contagem.
Pence
se recusou a participar da farsa e, quando a primeira lista de votos
contestados — do Arizona — era examinada pelos congressistas, a massa de
trumpistas rompeu o cerco policial e invadiu o Capitólio. A polícia legislativa
se viu obrigada a retirar Pence do recinto. A sessão que sacramentaria a
vitória de Biden foi suspensa.
Ao
mesmo tempo, a apuração do segundo turno de duas disputas na Geórgia consolidou
a conquista de mais duas cadeiras e o comando democrata no Senado. Os
republicanos saem das últimas disputas eleitorais sem a Presidência e sem
maioria em nenhuma das Casas do Legislativo.
Eis
o preço que o partido de Abraham Lincoln paga por ter investido num líder
narcisista, autoritário, sem apreço pela verdade nem escrúpulos para manter o
poder. Para o país, o preço é ainda maior. Democracias mais frágeis que a
americana a esta altura já teriam ruído. Trump demonstra que mesmo as mais
sólidas não estão protegidas.
Bolsonaro não é um espectador num ‘país quebrado’ — pode fazer muito – Opinião | O Globo
Presidente
deveria é se dedicar ao trabalho pelas reformas que reequilibrarão as contas
públicas
Num
daqueles comentários sob medida para agradar as milícias digitais e a claque do
Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro disse que não “pode fazer
nada” no governo porque o Brasil “está quebrado”. É preciso reconhecer que ele
tem certa razão no diagnóstico. Com seu jeitão meio tosco, Bolsonaro tocou no
nervo exposto do Estado brasileiro.
É
uma discussão acadêmica, de semântica econômica, se a palavra “quebrado” é
adequada para descrever a situação das contas públicas. Basta constatar o
vermelho escuro que tomou conta do resultado primário desde 2014 ou verificar a
explosão da dívida pública para entender que, sem nenhuma dúvida, a crise
fiscal restringe a capacidade de ação do governo.
O
problema é Bolsonaro comentar o assunto como se fosse mero espectador ou
analista de conjuntura. Não é. A fala reflete a tentativa de se eximir da
responsabilidade pelo que não fez até agora. Há toda a agenda de reformas
prometida na campanha que ele deveria ter tocado. Até agora, pouco — se algo —
foi feito. E não falta o que fazer. Se está preocupado com as contas públicas,
pois então, após a escolha do presidente da Câmara, que libere sua bancada do
Centrão para ajudar na tramitação das propostas de emendas e projetos de lei
que podem recolocar as finanças públicas na trilha certa.
A
inapetência do presidente por reformas que ponham o país na trajetória do
crescimento é visível desde que tomou posse. O que mais o atrai é o que fez
durante 28 anos na Câmara: discursos radicais, agrados a suas antigas bases
entre policiais e militares e o tratamento de adversários políticos como
inimigos pessoais. Não despiu essas vestes ao colocar a faixa presidencial.
Com
dois anos de governo e todos os poderes que a Constituição lhe concede, dizer
que nada pode fazer em meio à crise da pandemia chega a ser escárnio. A única
reforma que realizou, a da Previdência, foi iniciada pelo antecessor, Michel
Temer, e concluída depois de Bolsonaro ter trabalhado contra ela, ao pressionar
por alterações que beneficiassem policiais e militares.
Depois,
não fez nada porque não quis. Retardou quanto pôde o envio da reforma
administrativa ao Congresso. Demorou a despachar as PECs necessárias para
controlar as despesas e liberar recursos que poderia usar se quisesse cumprir
outras promessas. No campo tributário, o desprezo pela discussão já avançada no
Congresso contribuiu para que nada fosse feito. Não faz sentido falar em
alterar alíquotas do Imposto de Renda isoladamente, fora de uma reforma
tributária ampla. Falta a Bolsonaro visão de conjunto. Se quiser mesmo pôr em
prática tudo aquilo que prometeu e não fez na economia, um bom começo seria
trabalhar pelas reformas. Falar menos e fazer mais.
Presidente quebrado – Opinião | Folha de S. Paulo
País
não está falido; espera-se que Bolsonaro tenha só apontado limites fiscais
Fosse
Jair Bolsonaro um presidente levado a sério, sua declaração apocalíptica —”o Brasil
está quebrado, e eu não consigo fazer nada”— poderia ter
consequências mais graves para a credibilidade do país.
O
chefe de Estado, afinal, deveria assumir o papel de principal responsável por
transmitir confiança nos rumos e na solvência da nação e de seu governo, seja para
a população a que serve, seja para os agentes econômicos e a comunidade
internacional.
Sendo
Bolsonaro o que é, resta tomar a afirmação apenas como um triste indicador de
que o presidente admite, ou mesmo aprecia, a condição de nulidade
descompromissada. A segunda parte de sua sentença, como se percebe, é mais
verdadeira que a primeira.
O
Brasil não está quebrado —e nem mesmo o setor público, ao qual o ministro
Paulo Guedes disse que o chefe se referia.
Há,
sem dúvida, uma profunda crise orçamentária, cujos efeitos se agravaram nos
últimos seis anos. Entretanto o governo dispõe de crédito para financiar seus
déficits, e o país mantém suas transações com o restante do mundo.
Isso
se deve a esforços persistentes de antecessores de Bolsonaro, que a duras penas
instituíram normas e práticas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, as metas
de inflação, o câmbio flutuante, o acúmulo de reservas em moeda forte e o teto
para os gastos federais.
É
justamente o atual governo que ameaça paralisar o processo de ajustes e
reformas econômicas. O presidente de fato não consegue fazer nada —ele nem
sequer tenta algo de proveitoso. É mais cômodo culpar a mídia por sua
impotência, a baixa qualificação de brasileiros pelo desemprego, as leis de
mercado pela falta de seringas.
Em
seu mandato, a essencial reforma da Previdência avançou graças ao protagonismo
do Congresso, enquanto o Planalto dava mais atenção a interesses
corporativistas de militares e policiais.
Fora
isso e alguns progressos pontuais, como o novo marco do saneamento, pouco ou
nada se viu da agenda de Guedes. Privatizações continuam a ser prometidas para
o mês seguinte; nas reformas administrativa e tributária, o Executivo nem ao
menos é capaz de apresentar alguma proposta sua.
O
governo supostamente quebrado editou medida provisória que libera R$ 20 bilhões
para a compra de vacinas contra a Covid-19. É devido à irresponsabilidade de
Bolsonaro, não às restrições fiscais, que o país se encontra vergonhosamente
atrasado na imunização.
Espera-se
que a frase do presidente tenha sido, na melhor hipótese, uma maneira coloquial
de alertar o eleitorado acerca das dificuldades enfrentadas pelo país. Que o
presidente faça sua parte agora.
Inferno pantaneiro – Opinião | Folha de S. Paulo
Relatório
indica que parte expressiva das queimadas no bioma foi criminosa
Não
pesasse sobre 2020 a cifra de 195 mil brasileiros mortos pela Covid-19, o ano
poderia bem terminar lembrado pela hecatombe sobre o Pantanal. Cerca de um
terço de sua superfície ardeu em chamas —uma área de 50 mil km², quase do
tamanho do Rio Grande do Norte.
No
estado de Mato Grosso, onde se localiza a terça parte da planície inundável, a
parcela incendiada alcançou nível ainda mais alarmante, de 40%. Foram 21,5 mil
km², mais que um Sergipe inteiro.
O
Pantanal, com 150 mil km² de extensão no Brasil, é o menor bioma do país, porém
se reveste de grande importância pela biodiversidade que concentra e que atrai
turistas do mundo todo. Mais de 600 espécies de aves e mil de borboletas podem
ser avistadas por ali.
Sua
característica ecológica mais marcante está no pulso de enchentes a partir de
fevereiro, que alaga até 137 mil km² de terras, mais de 90% da região, ao
avançar lentamente do norte para sua porção sul-matogrossense, onde o pico
acontece no meio do ano.
Em
2020, estiagem sem precedentes castigou o Pantanal, favorecendo a propagação de
incêndios criminosos. Uma forte indicação de que as queimadas surgiam de
maneira intencional e delituosa aparece em relatório do
Instituto Centro de Vida (ICV), conforme foi noticiado
pela Folha.
Segundo
o documento, 46% da área incendiada abrange propriedades registradas no
Cadastro Ambiental Rural (CAR), e outros 7%, em assentamentos rurais.
Em
outras palavras, terras com ocupantes, ou seja, pessoas que podem ser
responsabilizadas por incendiar vegetação, sem licença ambiental, para limpar
com fogo áreas desmatadas. Perder controle da queima, em meio a seca
sabidamente tão grave, não livra ninguém de responder pela imprudência.
Poucos
proprietários terão obtido permissão legal para recorrer à prática. As maiores
extensões de incêndios ocorreram entre junho e outubro, quando estavam em pleno
vigor normas estaduais e federais de proibição da queima —o governo Jair
Bolsonaro editou a sua em 16 de julho.
Conclusão
a extrair da tragédia pantaneira de 2020: o poder público parece totalmente
incapaz de implementar medidas de proteção ambiental, mesmo quando o desastre
lhe bate à porta e contribui para arruinar —além de patrimônio incalculável em
flora e fauna— o já mais que chamuscado prestígio internacional do país.
País corre contra o tempo na retomada da educação – Opinião | Valor Econômico
O
país está correndo contra o tempo para corrigir a desigualdade e conter a
evasão dos estudantes
Um
dos maiores desafios deste ano será a reabertura das escolas, após meses de
estudos interrompidos ou intermitentes, seriamente prejudicados pela pandemia
do novo coronavírus. O problema não é exclusivo do Brasil, mas algumas
peculiaridades nacionais tornam a tarefa mais difícil e mais urgente.
Os
fundamentos já eram frágeis antes da pandemia. No mais recente exame
internacional Pisa, aplicado em 2018 pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) em estudantes de 15 anos de 79 países, o
Brasil ficou entre os 21 piores. Com metade dos estudantes sem entender o que
lê, ficou em 58º lugar em leitura; com apenas 32% capazes de atingir o segundo
nível de um total de seis considerados mínimos para a pessoa exercer sua
cidadania, ficou em 71º em matemática; e em 67º em ciências.
A
pandemia acentuou essas deficiências, em especial entre os estudantes das
escolas públicas. Grande parte dos municípios conseguiu colocar de pé alguma
espécie de ensino remoto, desde os que recorreram ao rádio e apostilas no Rio
Grande do Norte às aulas pela internet na região Sudeste. O que não se sabe
exatamente é qual é a eficiência dessa modalidade de ensino, com a qual
provavelmente os estudantes terão que conviver ainda durante boa parte deste
ano, alternando com o ensino presencial.
Mas
já se tem certeza de que o ensino remoto acentua a desigualdade dada às
dificuldades dos alunos de baixa renda, sem acesso fácil à internet nem
equipamentos adequados. As situações são bastante diversas. Em artigo no Valor (18/12), o professor
Naércio Menezes Filho ampliou a análise ao acrescentar aos fatores renda
familiar dos alunos e acesso à internet a gestão das redes educacionais. Para
responder à questão, ele usou informações apuradas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) nas pesquisas Pnad Covid e Pnad Contínua
referentes aos Estados do Pará, Ceará e Rio de Janeiro e a nota de matemática
na Prova Brasil obtida pelo Estado de residência dos alunos antes da pandemia.
A
comparação mostrou que o acesso à internet não é dominante: 90% dos estudantes
do Ceará estão realizando atividades escolares, percentual superior aos 80% dos
cariocas e aos 50% dos paraenses, apesar de terem uma taxa de acesso à rede de
70%, semelhante à do Pará, e inferior aos 92% do Rio. Mais importante, concluiu
a análise, foi a gestão das redes escolares, que foram proativas e fizeram as
atividades escolares chegarem aos estudantes. Os cearenses tiveram nota mais
elevada na Prova Brasil do que os cariocas, que ficaram à frente dos paraenses.
O artigo ressalta ainda que o investimento não influencia o resultado uma vez
que Pará e Ceará gastam praticamente o mesmo por aluno, e o Rio despende mais.
Ainda
assim, mais recursos ajudam, desde que acompanhados de mecanismos de
monitoramento da aplicação do dinheiro e checagem dos resultados. Daí o
otimismo com a entrada em vigor neste ano do novo Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb).
O
Fundeb ia acabar no ano passado, sem qualquer gesto em contrário do então
ministro da Educação, Abraham Weintraub. Após forte pressão popular junto ao
Congresso, foi ampliado, tornou-se perene, e ganhou novos mecanismos graças a
uma proposta de emenda à Constituição. A PEC ampliou de 10% para 23% a
participação do governo federal na formação do Fundeb que é composto por
parcela de impostos recolhidos por Estados e municípios. O aumento do
percentual vai ocorrer gradualmente até 2026 e significará reforço estimado em
R$ 36 bilhões no fim do período.
Durante
sua regulamentação, o Fundeb sofreu duas tentativas de saque de parte dos
recursos recém-obtidos. Primeiro, a ala conservadora da Câmara dos Deputados
tentou transferir uma parcela para escolas privadas, filantrópicas e
confessionais; e, depois, para o Renda Cidadã. Novamente a pressão popular foi
eficiente e conseguiu deter as manobras.
Entre as novidades bem recebidas estão a canalização de recursos para a creches e a pré-escola, dada a importância da educação das crianças até seis anos; a nova sistemática de distribuição que alcança municípios antes não beneficiados, e os mecanismos que abrem espaço para a avaliação dos resultados educacionais, embora a regulamentação dessa novidade tenha ficado para 2023. O país está correndo contra o tempo nesse campo, dada a urgência em superar as deficiências de conhecimento existentes, corrigir a desigualdade e conter a evasão dos estudantes.
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