É
um acinte que a Câmara, cuja atual legislatura foi eleita sob o anseio de novo
patamar de moralidade na vida pública, tenha sua presidência disputada pelo
deputado Arthur Lira
É embaraçosa a normalidade com que tem sido aceita a candidatura do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) para a presidência da Câmara. Com o histórico do parlamentar, já é um tanto estranho que ele continue sendo líder do partido na Câmara. No entanto, nesses estranhos tempos, nada parece ser capaz de ruborizar seus apoiadores. Como se sabe, o seu mais ilustre apoiador é o presidente Jair Bolsonaro.
A
proximidade do deputado Arthur Lira com questões penais vem de longa data. Em
2012, seu assessor parlamentar Jaymerson José Gomes foi detido pela Polícia
Federal no Aeroporto de Congonhas, depois de passar pelo aparelho de raio X,
com dinheiro escondido embaixo da roupa. Em relação a tais fatos, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado em 2018 por lavagem
de dinheiro e corrupção.
Noutro
caso, Arthur Lira foi acusado pelo Ministério Público Federal de chefiar na
Assembleia Legislativa de Alagoas um esquema milionário de “rachadinha”, em que
parte do salário dos funcionários do gabinete era destinada ao parlamentar.
Segundo revelou o Estado, documentos indicam desvios da ordem de R$ 254
milhões, entre 2001 e 2007.
A Arthur Lira, a “rachadinha” teria gerado um rendimento mensal de R$ 500 mil. Recentemente se revelou que a Receita Federal, já em 2009, havia cobrado R$ 1,9 milhão do deputado relativo a impostos não pagos sobre recursos de origem desconhecida, precisamente no período em que o Ministério Público o acusa de operar o esquema de “rachadinha” em Alagoas.
Arthur
Lira recorreu da multa do Fisco ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf), mas seu recurso foi negado por unanimidade. Em 2017, o deputado aderiu
ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), reconhecendo o imposto
cobrado. Atualmente, faz o pagamento parcelado.
A
denúncia do Ministério Público Federal também relata a utilização de empresas
para simular negócios com a Assembleia Legislativa de Alagoas. Segundo os
procuradores, trata-se de manobra para “lavar” dinheiro desviado.
Além
disso, Arthur Lira foi condenado em segunda instância na esfera cível por
improbidade administrativa. Apesar da Lei da Ficha Limpa, conseguiu tomar posse
em 2018 como deputado federal graças a uma liminar do Tribunal de Justiça de
Alagoas.
Diante
desse histórico, não cabe ao Palácio do Planalto dizer que apoia a candidatura
de Arthur Lira para que as reformas sejam aprovadas ou para que sejam ampliados
os excludentes de ilicitude para condutas ilegais de policiais. Seja qual for a
agenda legislativa que o presidente da República queira promover nos próximos
dois anos, é impossível que não haja, entre as mais de cinco centenas de deputados
federais, outro parlamentar com uma ficha menos complicada do que a de Arthur
Lira.
Mais
do que favorecer determinada pauta no Legislativo, o presidente Jair Bolsonaro
parece pretender, com o apoio à candidatura do líder do Progressistas, diminuir
deliberadamente o patamar moral do Congresso. Caso consiga colocar na
presidência da Casa um deputado que sabidamente praticou a “rachadinha” –
Arthur Lira pagou até imposto em virtude dos valores recebidos por meio da
prática ilegal –, talvez Jair Bolsonaro consiga que haja menos escândalo em
torno das acusações contra seu primogênito, Flávio.
Mesmo
com todas suas limitações e eventuais erros, a Operação Lava Jato teve um
mérito inegável, reconhecido até por seus mais ferozes críticos. Ela instaurou
uma nova sensibilidade em relação ao cumprimento da lei. O que antes era
aceitável deixou de sê-lo. De alguma forma, com essa candidatura à presidência
da Câmara, Arthur Lira e Jair Bolsonaro fazem movimento oposto ao da Lava Jato,
transmitindo a mensagem de que, na política, tudo deveria ser tolerado, não
importando a lei ou a decência.
É
um acinte que a Câmara, cuja atual legislatura foi eleita com recorde histórico
de renovação e sob o anseio de um novo e mais alto patamar de moralidade na
vida pública, tenha sua presidência disputada pelo deputado Arthur Lira. O
eleitor merece um mínimo de respeito.
Previsões cautelosas do mercado – Opinião / O Estado de S. Paulo
Projeções
indicam recuperação lenta, mas com início de arrumação fiscal
Apesar da alardeada recuperação em V, o Brasil levará quase dois anos para voltar ao nível de produção de 2019, se os fatos confirmarem as novas expectativas do mercado, contidas no primeiro boletim Focus divulgado neste ano. Depois de ter encolhido 4,36% em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 3,40% em 2021 e 2,50% em 2022, segundo a mediana das projeções captadas pelo Banco Central (BC). Completado esse trajeto nada brilhante, o PIB de 2022 ficará apenas 1,36% acima do contabilizado três anos antes, no início do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Se nenhuma grande transformação ocorrer, com a recuperação em V o País apenas confirmará sua posição entre os mais lentos na corrida global.
Muitos
outros países também levarão mais de um ano para retomar a atividade anterior à
pandemia. Essa previsão vale para economias avançadas, emergentes e em começo
de desenvolvimento. Vários desses países, no entanto, avançaram mais velozmente
que o Brasil em anos anteriores à crise da covid-19. Além disso, a vacinação
contra o novo coronavírus já foi iniciada em dezenas de países. Essa vacinação
é essencial para a segurança da retomada econômica.
Nenhum
surto de otimismo aparece nas expectativas sintetizadas na pesquisa Focus.
A perda econômica estimada para 2020 é pouco menor que a indicada no boletim da
semana anterior (4,40%). Mas a mediana das projeções para 2021 também diminuiu,
passando de 3,49% para 3,40%. Quatro semanas antes estava em 3,50%.
A
indústria deverá contribuir muito modestamente para a retomada. A produção
industrial, com aumento estimado em 4,78%, continuará bem abaixo do nível
anterior à crise, depois da queda de 5% calculada para 2020. No último boletim
divulgado em dezembro, o produto industrial de 2021 seria 5% maior que o do ano
anterior.
O
volume e o valor da produção brasileira continuarão, portanto, a depender
excessivamente da agropecuária, o setor mais dinâmico e mais eficiente da
economia nacional. Não há informações diretas sobre isso no boletim semanal
publicado pelo BC. Mas o superávit comercial estimado em US$ 55,10 bilhões
dependerá, com certeza, basicamente do agronegócio, como tem dependido há
muitos anos.
A
safra de grãos 2020-2021 deverá ser novo recorde, segundo o Ministério da
Agricultura, mas isso dependerá, em boa parte, do sol, da chuva e dos ventos.
Essas potestades têm exibido mau humor com frequência antes desconhecida. São
reações, dizem especialistas em meteorologia, aos desaforos de quem favorece
queimadas e outras agressões ao meio ambiente.
Os
alertas têm sido inúteis. Não só em relação à pandemia, mas também diante dos
desarranjos climáticos, o presidente Bolsonaro prefere o negacionismo e insiste
em provocar os deuses do tempo. Com esse comportamento ele também confronta os
importadores de produtos brasileiros e põe em risco muitos bilhões de dólares.
A demora dos governos europeus em confirmar o acordo comercial com o Mercosul é
uma conhecida consequência do antiambientalismo bolsonariano.
O
crescimento econômico vai depender também do enfrentamento dos problemas
fiscais. As finanças do governo foram duramente afetadas pelas medidas de
combate aos efeitos da pandemia. Essas medidas foram necessárias, mas agora é
preciso implantar um programa de ajuste das contas oficiais. Conter o aumento
do endividamento público será uma tarefa especialmente importante, mas isso
dependerá, em primeiro lugar, de um compromisso presidencial.
Sem
esse compromisso, os investidores terão dificuldade para apostar na
responsabilidade fiscal, ameaçada por ministros gastadores, por aliados
fisiológicos e pelo empenho do presidente em garantir sua reeleição. Na virada
do ano, o mercado manteve as principais estimativas do cenário fiscal, como o
déficit primário (sem juros) equivalente a 10,60% do PIB em 2020 e a 3% em
2021. A projeção para este ano pressupõe uma política compatível com as
expectativas dos financiadores do Tesouro. Esta é a principal demonstração de
otimismo em relação ao novo ano.
Digitalização e equidade no ensino – Opinião | O Estado de S. Paulo
Brasil
tem o desafio de criar uma cultura que valorize o ensino público e professores
A última análise da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) foi realizada com dados de 2018, antes, portanto, da covid-19. Mas o estudo Políticas Efetivas, Escolas Bem-sucedidas tem especial interesse por enfatizar dois desafios agravados com a pandemia: a digitalização e a equidade.
“A
leitura não é mais predominantemente uma questão de extrair informação;
trata-se de construir o conhecimento, pensar criticamente e fazer juízos bem
fundamentados”, disse o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. “Se a
Inteligência Artificial destruirá ou criará mais empregos dependerá muito se
nossa imaginação, consciência e senso de responsabilidade nos ajudarão a
aproveitar a tecnologia”, observou Gurría. “Para quem tem os conhecimentos e
habilidades corretas, a digitalização e a globalização têm sido libertadoras e
excitantes; para os insuficientemente preparados, estas tendências podem
significar um trabalho vulnerável e inseguro, e uma vida com poucas
perspectivas.”
Tanto
maior é o desafio para o Brasil, recorrentemente citado como exemplo de desigualdade
na distribuição de recursos, notadamente os digitais. Um grande avanço foi o
robustecimento do Fundeb. O financiamento, contudo, é condição necessária, mas
nem de longe suficiente. A boa alocação de recursos é decisiva, e muitos
diferenciais têm pouca ou nenhuma relação com a quantidade de dinheiro, mas com
a qualidade da gestão. Com efeito, o desenvolvimento econômico dos países
responde por apenas 28% da variação no rendimento escolar.
Se
nos países da OCDE há em média um computador por aluno de 15 anos, no Brasil há
um para cada quatro alunos. Mas não se trata apenas de prover mais
computadores. Na verdade, exclusivamente por esse critério, os estudantes de
escolas com mais computadores per capita tiveram desempenho menor do que
naquelas onde há menos computadores. Claramente, o diferencial não é a
quantidade, mas a qualidade dos dispositivos digitais.
No
Brasil, entre as escolas economicamente abastadas, 68% dos alunos têm acesso a
dispositivos qualificados, enquanto nas outras escolas são só 10%. Os dados
mostram que uma banda larga potente e uma boa plataforma online são fatores
imensamente mais relevantes do que a proporção de computadores portáteis ou a
estrutura física das escolas.
Mas
hoje, como sempre, o recurso mais valioso é a qualidade dos professores. “Os
alunos de famílias pobres têm em geral uma única chance na vida, e é um grande
professor numa boa escola”, advertiu Gurría. “Se perderem este barco, as
oportunidades subsequentes de ensino tenderão a reforçar, antes que mitigar, as
diferenças iniciais nos rendimentos escolares.”
Em
síntese, o crucial é que os professores aprendam a utilizar a tecnologia para
aprimorar o ensino. Por exemplo, os sistemas escolares nos quais há maior
proporção de escolas com seu próprio protocolo de uso de dispositivos digitais
apresentam desempenho superior em leitura, matemática e ciências. Além disso,
em países de alto desempenho, mais escolas têm programas específicos para
fomentar nos alunos um comportamento responsável na internet.
As
evidências não deixam dúvida: a boa educação é a mola mestra de um círculo
socioeconômico-cultural virtuoso – assim como a má educação resulta num círculo
vicioso. Nos países de alto desempenho, as disparidades na distribuição de
recursos entre escolas de alta e de baixa renda são bem menores.
Independentemente de qual é o ovo e a galinha, o fato é que quanto mais pobre
um país, mais desigual é o seu ensino e vice-versa.
Como
disse Gurría, “conquistar maior equidade na educação não é só um imperativo de
justiça social, mas também um modo de usar recursos mais eficazmente, aumentar
o suprimento de habilidades para abastecer o crescimento econômico e promover a
coesão social”. O Brasil enfrenta o grande desafio da alocação e da otimização
de recursos. Mas superá-lo depende de vencer outro ainda maior: a criação de
uma cultura que valorize o ensino público e seus professores.
Vacina em clínica privada poderia se somar ao SUS – Opinião | O Globo
Desde
que não haja competição com setor público, não há por que não autorizar outros
acordos
A
Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), que reúne 200
instituições privadas e representa 70% do setor, negocia a compra de 5 milhões
de doses da Covaxin, vacina para a Covid-19 produzida pelo laboratório Bharat
Biotech, cujo uso emergencial foi aprovado na Índia.
É
natural que a notícia gere debates sobre a oferta de vacinas em clínicas
particulares, enquanto o Ministério da Saúde ainda não dispõe de um cronograma
factível para a vacinação no Brasil. De concreto, até agora, existe o acordo
com a Universidade de Oxford e a AstraZeneca para produzir a vacina de ambas na
fábrica da Fiocruz em Manguinhos e a importação de 2 milhões de doses prontas
do laboratório Serum, também na Índia. Estão em andamento negociações para
incluir as vacinas da Pfizer/BioNTech e da Sinovac (CoronaVac), esta última
produzida pelo Butantan, em São Paulo.
Pode
parecer tentador enxergar nas ações do setor privado uma tentativa de garantir
a vacinação apenas a quem puder pagar. Mas essa é uma visão simplista. Não há
necessariamente conflito entre as ações do Estado e das clínicas particulares.
Se bem articuladas, elas podem muito bem ser complementares, sem resultar em
privilégio.
É
claro que o acesso à vacina contra a Covid-19 deve ser universal, garantido
pelo SUS. Mas isso não exclui outras possibilidades. Quanto mais gente for
vacinada, melhor. Evidentemente, deve-se tomar cuidado para evitar injustiças.
Não dá para autorizar que grupos não vulneráveis sejam vacinados antes dos que
correm maior risco. Mas o governo tem como regular o acesso a vacinas mesmo no
setor privado.
Seria
um erro deixar de aproveitar a competência e a capacidade da iniciativa privada
para distribuir vacinas. É razoável que seja concedida permissão para que
laboratórios e clínicas fechem acordos com fabricantes de vacinas, desde que
cientificamente testadas e aprovadas pela Anvisa. A condição é que tais
contratos não rivalizem com os do setor público. É o caso da vacina indiana
negociada pela ABCVAC, em nenhum momento cogitada pelo Ministério da Saúde para
o Programa Nacional de Imunização.
A
justiça no acesso pode ser alcançada de pelo menos duas formas. Primeiro,
permitindo a compra de vacinas que não despertam interesse do governo. Segundo,
garantindo que as regras de aplicação sejam as mesmas adotadas na rede pública
e sigam o mesmo cronograma, para assegurar prioridade aos grupos sob maior
risco. Seria, assim, perfeitamente possível conciliar maior quantidade de
acordos e vacinas com a distribuição justa das doses.
O
governo também não deveria descartar a hipótese de pagar para o setor privado
aplicar vacinas gratuitamente, como vem sendo feito em vários países. A
resistência ideológica ao envolvimento da iniciativa privada na vacinação só
trará mais atraso e contribuirá para aumentar ainda mais a contabilidade
trágica do contágio e das mortes provocadas pelo novo coronavírus. A conta a
fazer não é de subtrair, mas de somar.
Enriquecimento de urânio no Irã aumenta instabilidade no planeta – Opinião | O Globo
Não
dá para garantir que a violação do acordo nuclear seja apenas jogo de cena para
obter mais concessões
A
quinze dias de sua posse, o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, se
vê obrigado a lidar com uma herança espinhosa da gestão Donald Trump. Não a
enésima manobra de Trump para manipular o resultado da eleição que será
oficializado hoje no Congresso. Biden está diante do desafio explícito do Irã
ao acordo nuclear firmado na gestão Barack Obama e rompido por Trump em 2018.
As consequências para o equilíbrio geopolítico do Oriente Médio e do planeta
poderão ser explosivas.
Um
ano depois que um drone americano matou o líder da Guarda Revolucionária
iraniana, Qasem Soleimani, o governo de Teerã passou a enriquecer urânio nas
instalações subterrâneas de Fordo, sob a vigilância de inspetores da Agência
Internacional de Energia Atômica, no nível proibido de 20%. O Irã já violara o
acordo em 2019, ao enriquecer quantidade maior do que a estipulada e ao romper
o limite permitido, de 3,7%. Mas o nível de 20% é mais preocupante. Embora não
seja incompatível com o uso pacífico em aplicações medicinais, representa um
passo essencial no caminho dos 90% necessários para fazer a bomba atômica.
Como
não bastasse a violação, os iranianos ainda capturaram um petroleiro de
bandeira sul-coreana no Estreito de Ormuz, rota estratégica para o escoamento
de óleo do Golfo Pérsico. “Nossas medidas são plenamente reversíveis ante o
cumprimento total por todos”, escreveu o chanceler Javad Zarif numa rede
social. Com tais palavras, quer coagir Biden a suspender as sanções impostas
por Trump, condição para a retomada de conversas.
É
verdade que as ações iranianas podem não passar de uma demonstração de força
para obter concessões maiores do novo governo americano, que já se declarou
favorável a voltar ao acordo. Só que o panorama no Oriente Médio é outro depois
de Trump. Uma série de acordos entre Israel e países árabes formaram um sólido
eixo anti-Teerã, com o beneplácito da Arábia Saudita.
Diante
desse quadro, não dá para garantir que o Irã esteja fazendo jogo de cena. O
regime dos aiatolás sempre considerou armamentos nucleares estratégicos para
contrabalançar o poder bélico israelense e para equilibrar a influência dos
sauditas. Mesmo quando aceitou o acordo com os americanos e outras potências,
jamais abriu mão de tais pretensões, apenas as adiou em nome de interesses
econômicos.
Biden
tem a seu alcance um amplo leque de alternativas para conter os iranianos. Mas
não controla os humores de uma teocracia onde a linha-dura saiu fortalecida
depois que a confiança depositada nos americanos foi traída por Trump. Um Irã
nuclear torna o Oriente Médio mais instável e aumenta a chance de novo conflito
na região. Não é bom augúrio para o início de ano.
Vacina de onde vier – Opinião | Folha de S. Paulo
Desde
que não compita com o SUS, setor privado pode ajudar a ampliar imunização
Por
uma mistura de escolhas erradas, ideias estúpidas e incompetência governamental,
o Brasil está vergonhosamente atrasado na vacinação de sua população contra a
maior pandemia em um século.
Não
é o caso de acrescentar mais um erro a essa montanha de incúrias e dificultar
iniciativas empresariais capazes de ampliar a oferta de imunização no país
—desde que elas ocorram de modo complementar e não predatório em relação ao
esforço do setor público.
Em
termos de escala e prioridade, não há dúvidas de que o foco das autoridades tem
de ser o programa
nacional, público e gratuito, para imunizar o mais depressa possível
os grupos vulneráveis.
Só
os brasileiros com 50 anos ou mais de idade, a faixa com maior propensão a
desenvolver complicações graves da Covid-19, ultrapassam 50 milhões de pessoas.
Agregam-se a essa conta outros grupos, como as pessoas mais jovens que atuam no
setor da saúde ou que têm certas comorbidades.
Imunizar
esse público gigantesco num curto período, o que se descortina como o maior
desafio de vacinação da história brasileira —e tragicamente coincidente com um
dos governos mais incapazes que a República já conheceu—, é a tarefa precípua
das administrações federal, estaduais e municipais.
Ainda
que o setor público vença os obstáculos ciclópicos à sua frente, restarão cerca
de 100 milhões de adultos fora das linhas de prioridade da ação governamental.
Seria um despropósito excluir o setor empresarial privado do esforço para
atender nem que seja uma pequena parcela dessa demanda.
Com
a chegada de novos imunizantes aprovados por autoridades sanitárias nos
próximos meses e anos, empresas e famílias terão onde satisfazer o interesse de
proteger os seus integrantes que estejam fora dos programas públicos. Um
mercado mundial vai naturalmente se formar em torno desses produtos, como já acontece
com a vacina da gripe, por exemplo.
Resguardada
a cláusula de o privado não competir com compras do setor público, a diretriz
deveria ser facilitar ao máximo a importação de vacinas aprovadas pela Anvisa.
Mais capilarizado e eficiente, o ramo empresarial é flexível para lidar com
preços mais altos e volumes mais baixos de ofertantes que de outra maneira
seriam jogados para fora do mercado por grandes compradores governamentais.
Regras
restritivas forjadas em gabinetes de Brasília —por um governo sem compromisso
com a saúde pública— retirariam do país mais uma opção de aumentar o acesso da
população à imunização.
O
mercado privado mundial de vacinas existirá a despeito disso. É melhor tirar
proveito inteligente dele do que virar-lhe as costas.
Memória falha – Opinião | Folha de S. Paulo
Precário,
reconhecimento fotográfico não deveria, por si só, amparar condenações
Injustiças
precisam ser olhadas de perto. Tiago Vianna
Gomes, 28 anos, foi absolvido em 15 de dezembro pelo Superior
Tribunal de Justiça após condenações em primeira e segunda instâncias por roubo
de uma moto em 2017. A corte entendeu que não havia prova suficiente.
Negro
e morador de Mesquita, na Baixada Fluminense, Gomes fora acusado por
reconhecimento fotográfico. Com a imagem registrada em delegacia há pouco mais
de quatro anos, o jovem passou a integrar um álbum de suspeitos, prática não
regulada pela lei brasileira.
Acusado
de receptação em 2016, e inocentado após ficar oito meses na prisão, ele viu
mais e mais denúncias surgirem contra si, todas baseadas na foto. Foram nove
processos judiciais e duas prisões por roubos que não cometera.
O
caso pode ser extremo, mas não isolado. Acusado de roubo com arma de fogo, o
violoncelista Luiz Carlos Justino, 23, foi encarcerado e depois posto em
liberdade no Rio em setembro —a Justiça considerou não haver elementos
suficientes para mantê-lo no sistema prisional e admitiu “grande possibilidade
de erro” no reconhecimento fotográfico.
De
fato, para além do racismo que se sobrepõe a garantias constitucionais como a
presunção de inocência, a forma como a identificação de suspeitos se dá no
Brasil ultrapassa o escárnio.
Álbuns
de fotos, invariavelmente com maioria de jovens negros e pobres, não deveriam
sustentar condenações penais, dadas as falhas e vieses inerentes à memória
humana e comprovadas por estudos.
Por
lei, o reconhecimento deve ser feito alinhando pessoas que tenham semelhanças
com o suspeito, após a testemunha já tê-lo descrito. Tal regra do artigo 226 do
Código de Processo Penal é raramente cumprida à risca —e, mesmo nesse caso,
seria desejável a coleta de provas mais confiáveis, como DNA.
Esse
rito é obrigatório, como decidiu corretamente o STJ em outubro de 2020, mesmo
que adaptado para o caso de imagens.
Em
todo caso, o “reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s)
ao reconhecedor”, decidiu o tribunal superior, “há de ser visto como etapa
antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como
prova em ação penal”.
Prevalecem, dessa maneira, as devidas garantias processuais e evitam-se, ou ao menos atenuam-se, abusos em processos falhos de investigação e julgamento.
Perspectiva favorável para o balanço de pagamentos - Opinião | Valor Econômico
As
projeções continuam a indicar superávit comercial em 2021
O
Brasil deixou de enfrentar problemas no balanço de pagamentos e o cenário
continua favorável também em 2021, segundo projeções dos especialistas. Para um
país que atravessou muitas dificuldades nas suas contas externas durante longos
períodos essa é, de fato, uma informação animadora, em parte graças ao acúmulo
das reservas internacionais, que chegaram ao fim do ano passado acima dos US$
350 bilhões, nível considerado extremamente confortável diante das demandas na
área externa.
Em
cerca de duas semanas, o Banco Central deve divulgar os resultados do balanço
de pagamentos do ano passado. Em novembro, as transações correntes foram
superavitárias em US$ 202 milhões - o sétimo superávit nos últimos oito meses.
O déficit em transações correntes somou US$ 12,2 bilhões (ou o equivalente a
0,82% do PIB) nos doze meses encerrados em novembro, ante déficit de US$ 15,5
bilhões (1,02% do PIB) nos doze meses até outubro.
Como
mostrou o Valor na
sua edição de segunda-feira, dia 4, a recessão do ano passado e a
desvalorização do real provocadas pela pandemia devem ter levado a conta corrente
brasileira, parte do balanço de pagamentos que engloba as trocas comerciais, de
serviços e rendas entre residentes e não residentes, a ter fechado 2020 com um
déficit historicamente baixo. Para o novo ano, as previsões são também
positivas diante da expectativa de muitos analistas de que o Brasil registre um
aumento nas exportações - até porque se espera entre os especialistas que se
mantenham em níveis elevados os preços das commodities agrícolas e do minério
de ferro, principais itens da balança comercial do país.
Principal
locomotiva do agronegócio brasileiro, a soja foi, entre as commodities
agrícolas que o país mais exporta, a de maior valorização no mercado
internacional em 2020. E, no que depender da demanda da China, principal motor
dessa escalada, o elevado patamar poderá se manter em 2021, de acordo com
indústrias e analistas - a menos que a produção americana dispare na próxima
temporada (2021/22).
Segundo
cálculos do Valor Data, na bolsa de Chicago os contratos futuros de segunda
posição de entrega da soja aumentaram 37,2% no ano passado. Em dezembro, a
média mensal, que cresceu 30,9% em relação à de um ano antes, foi a mais alta
desde junho de 2014. Outros produtos relevantes nas exportações - como minério
de ferro, suco de laranja e açúcar - também tiveram valorizações expressivas em
2020 e a expectativa se mantém positiva para os produtores também neste ano.
No
ano passado, segundo informações divulgadas na segunda-feira pelo governo, a
balança comercial teve um superávit de U$ 50,9 bilhões, levemente superior ao
saldo de 2019, que foi de US$ 48,0 bilhões.
No
somatório do ano, as exportações atingiram US$ 209,921 bilhões e as
importações, US$ 158,926 bilhões. Considerando a média diária, o Brasil
exportou 6,1% a menos em 2020 na comparação com 2019, e registrou importações
9,7% menores no período.
Em
dezembro especificamente, houve um movimento que poderia ser considerado o
início de uma tendência - aumento nas importações. Para especialistas, o
crescimento na demanda por produtos vindos do exterior poderia indicar uma
melhora no nível de atividades da economia.
Mesmo
que seja confirmada a tendência de mais importações, as projeções continuam a
indicar superávit comercial em 2021, principalmente por causa da firme demanda
por produtos brasileiros - soja, carnes e minério em especial - da parte da
China. De 2019 para 2020, os embarques brasileiros ao país asiático subiram
7,8% pelo critério de média diária, para US$ 67,7 bilhões. Assim, a
participação chinesa na pauta de exportações avançou 4,2 pontos percentuais,
para 32,3%. Em sentido contrário, a fatia dos EUA, segundo maior parceiro
comercial brasileiro, recuou de 13,2% para 10,2%.
Com esse cenário para a balança comercial, há quem espere até um superávit nas transações correntes neste ano, embora não seja consenso sobre esse item. É o caso do banco Safra, que projeta um saldo positivo de US$ 5,2 bilhões no próximo ano, ou 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB). O número está distante dos superávits de dois dígitos observados entre 2004 e 2006, mas também ficaria bem acima da última vez em que o país registrou resultado positivo em 2007.
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