Vice
fã de torturador garante distância de presidente desumano de eventual
impeachment
Balanço
do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) aponta que, até 21 de
novembro de 2020, foram registradas no Brasil 200 mil mortes, 24% mais do que
era estimado para o ano findo. Naquela data, as perdas em decorrência da
covid-19 chegavam a 168.989, conforme dados divulgados pelo consórcio dos meios
de comunicação, já que o Ministério da Saúde se recusa a fornecer dados
confiáveis. A coincidência levanta a hipótese de que, mesmo com aumento da
população, a pandemia, maior causa de óbitos do País no ano, está muito longe
de poder ser definida como mera “gripezinha”. Os números nunca mentem, mas isso
não comoveu quem cruzou o marco do calendário gregoriano facilitando a
contaminação pelo novo coronavírus.
Alguns
brasileiros ilustres agiram como agentes desse contágio. O craque Neymar
promoveu festa para 500 convidados em Mangaratiba, aviltando o tema do sucesso
de Luiz Gonzaga. O influenciador em redes sociais Carlinhos Maia aglomerou
centenas no Natal da Vila, resultando em 47 contaminados. Outro ídolo de
crianças e adolescentes nas redes sociais, Felipe Neto, criticou-o, mas foi
filmado jogando futebol. O governador de São Paulo, João Doria, jura adesão à
ciência, mas fez um bate-volta para Miami a pretexto de “merecido” repouso de
guerreiro. Outro tucano, Bruno Covas, festejou a reeleição para a Prefeitura de
São Paulo num “covidão” que lembrou bailes funk da periferia, e ainda promoveu
um bonde da alegria com aumento de 46% para si, o vice, vereadores e
servidores. Merval Pereira definiu-os como “sem noção” em sua coluna no Globo.
Dentre eles, Jair Bolsonaro é hors-concours. Ganhou menção especial porque passou o Natal num forte militar em São Francisco do Sul (SC), pertinho de Presidente Getúlio, no Vale do Itajaí, onde 21 brasileiros morreram afogados numa enchente. Na companhia de um magote de bajuladores, deixou em Brasília a mulher, Michelle, que usufruiu o feriadão rodando de kart com o maquiador Agustin Fernandez no Ferrari Kart do Autódromo Nelson Piquet. Madame pode ser adicionada ao rol.
Depois,
o presidente cometeu insanidades tentando desviar sua responsabilidade no
combate à vacinação, com exigência de imagens do calo ósseo na mandíbula de
Dilma, torturada no regime militar. E na grotesca exposição de sua barriga
pseudoatlética ao se jogar de um barco ao mar para nadar até um grupo
previamente reunido de apoiadores, que insultaram adversários aos berros e o
chamaram de “mito”. Aglomerados e jorrando perdigotos, como só convém ao vírus.
No
show de indiferença ao risco de morte de 212 milhões de vítimas desgovernadas
por ele, destacou-se sua crítica desastrada à decisão do Congresso argentino de
descriminalizar o aborto. Nem isso alterou o sono perpétuo decretado por seu
pretenso adversário, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, a mais de 40 processos
de impeachment. Parte dessa expressão de inércia se deve ao fato de seu
substituto eventual, o vice Hamilton Mourão, ser, como ele, admirador confesso
do torturador e assassino Brilhante Ustra, acusado por Dilma de lhe haver
fraturado a mandíbula. A tortura, reconhecem os “mansos de coração” do sermão
das bem-aventuranças Daquele que ele diz adorar, Jesus Cristo, é a máxima
covardia. Só poltrões como Bolsonaro e seu vice podem considerar esse oficial
“herói” e “homem de honra”. Covardia é o contrário de bravura, qualidade que dá
medalhas a militares em ação nos campos de batalha. E só pode ser pior do que
um torturador quem o admire sem coragem de imitá-lo, só por faltar ocasião.
O
desgovernante que torna inviável a vacinação, sonhada pelo povo real (e não o
fictício na Praia Grande e no “chiqueirinho” do Alvorada) como sopro de
sobrevida, não é, contudo, um ponto fora de curva na história dessa “Pátria
Amada” ideal de comerciais de promoção da Secretaria de Comunicação. Bolsonaro
e Mourão são a quintessência da maldade de momentos abjetos de nossa História.
O Brasil foi a última Nação do Ocidente a abolir a escravidão de africanos
transportados em brigues imundos através do Atlântico, e da qual se livrou em
doses homeopáticas e condições indignas, denunciadas pelo abolicionista Joaquim
Nabuco. A República cega e surda não enxergou a ignomínia do massacre dos
crentes sertanejos em Canudos, comandado por covardes arrogantes como Moreira
César, apesar do relato do gênio Euclydes da Cunha. Nem ouviu os gemidos dos
dissidentes no Estado Novo de Getúlio, relatados em Memórias do Cárcere,
de Graciliano Ramos;
A encenação da grosseria contagiosa nas areias de Praia Grande, a cargo de agentes da morte treinados nas “milícias populares” do capitão terrorista em Polícias Militares (PMs), celebrou a agonia anunciada pelo combate ao uso da máscara, ao isolamento social e à imunização, condizentes com as melhores conquistas civilizatórias do honrado Brasil real. A farsa fúnebre nada tem que ver com a definição de amor, verdade e vida do Deus manso, ao Qual reza o facínora-mor. Só propicia safras malditas de ódio, mentira e dolorosa tortura da morte antecipada.
*Jornalista, poeta e escritor
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