Começa
um jogo que exigirá muita habilidade e estratégia dos participantes
Começam
agora os primeiros movimentos visando a 2022. Em qualquer democracia o
presidente tende a ser um candidato forte nas eleições. Até Mauricio Macri, com
mais de 50% de inflação, foi um candidato competitivo na Argentina. Seria tolo
não considerar o presidente Jair Bolsonaro um candidato de peso para 2022 se a
economia estiver em condições minimamente decentes, isto é, crescendo – ainda
que abaixo do desejável – e com inflação baixa.
Por outro lado, seria também ingênuo julgar que, pela elevada popularidade que ele teve em 2020, será um candidato imbatível. Parte daquela popularidade foi decorrência do auxílio do “coronavoucher” outorgado durante meses a 60 milhões de pessoas, que não se repetirá neste ano. E tudo indica que o governo enfrentará as eleições com desemprego alto e crescimento do produto interno brito (PIB) inferior ao de 2021. São elementos que uma oposição competente deveria ser capaz de explorar.
No
“canto oposto” estará o PT, com Lula – se voltar a ser ficha-limpa – ou outro
candidato. Vou fazer um raciocínio bastante elástico, mas que reflete a margem
de incerteza existente: tanto Bolsonaro como o PT têm potencial para ter, cada
um, entre 20% e 35% dos votos válidos no primeiro turno. Não é muito provável
que cada um desses dois polos sofra uma erosão que os situe abaixo desse piso e
também é pouco provável que tenham um desempenho eleitoral inicial que os leve
a ultrapassar o máximo dessa margem.
Isso
significa que há espaço para uma candidatura forte de centro. Mas 1) tal espaço
dependerá de pelo menos um dos candidatos – o do PT ou Bolsonaro – se situar
mais perto daquele piso que do teto: no limite, com 35% para cada um, não
haverá possibilidade de um terceiro candidato passar ao segundo turno; e 2) a
viabilidade dessa construção política dependerá do grau de fragmentação das
ofertas que houver pelo centro: quanto mais dividido este for à disputa, menor
a chance de uma das candidaturas ultrapassar uma das duas primeiras nas
pesquisas atuais.
Aqui há
uma particularidade, que é a existência no campo, lato sensu, do “centro”
– aqui utilizado como sendo “nem petista nem bolsonarista” – de duas
candidaturas algo “híbridas”, por terem esse lado “nem-nem”, mas, por outro
lado, terem sua origem política vinculada a um lado: Ciro Gomes, ao PT – de
cujo governo foi ministro –, e Sergio Moro, a Bolsonaro – de quem também foi
ministro.
Como é
muito pouco provável que Moro supere Bolsonaro nas pesquisas que forem feitas
em 2021, creio que ele não estará no grid de 2022 – ainda mais depois
de suas recentes opções profissionais.
Seguindo
com esse raciocínio, um ponto a explorar nas pesquisas é: sendo Ciro um
candidato forte, ele esvaziaria o PT ou tiraria votos do centro? Se esvaziar o
PT, pode jogá-lo para mais perto do piso e abrir espaço para que o partido não
chegue ao segundo turno. Já se não capturar votos petistas, tornará a tarefa do
centro de colocar uma cunha entre o PT e Bolsonaro praticamente impossível se
esse espaço ficar congestionado com Ciro e outro candidato que tenha entre 15%
e 25% de votos.
Isso nos
leva ao restante do quadro – deixando de lado candidaturas menores. Esse quadro
inclui nomes como Luciano Hulk, João Doria e Luiz Henrique Mandetta, com uma
qualificação acerca do primeiro: do ponto de vista da sua atuação profissional,
a melhor estratégia é prorrogar a decisão ao máximo, até o final de 2021. Porém
é possível que o tempo da política demande dele decisões prévias, sob pena de o
espaço de centro ficar paralisado à espera da sua decisão, com prejuízos
eleitorais para os parceiros. Se esse raciocínio for correto, talvez ele tenha
de se decidir antes do que gostaria.
Quando
se adicionam os votos dos candidatos de centro nas pesquisas atuais, a soma
permitiria a um beneficiário dessa canalização de votos um excelente desempenho
em 2022. O desafio para o centro será convergir num único nome que receba algo
próximo à totalidade dos votos de quem, nas pesquisas atuais, diz votar em cada
um desses nomes, de modo a que tais votos se somem.
Para
isso, esse nome terá de acender as esperanças de um eleitorado ressabiado e se
apresentar com uma mensagem que não seja apenas “não ser isto nem aquilo”, e
sim a de mostrar à sociedade o que pretende fazer e como conseguirá governar no
quadro político complexo que caracteriza o País.
Minha
impressão é que teremos duas lutas surdas nos próximos 20 meses: de um lado,
Ciro tentando ultrapassar o PT nas pesquisas; do outro, a construção de centro
tentando ultrapassar Bolsonaro. O campo que trouxer um terceiro candidato
poderá ficar fora da disputa – como aconteceu no Rio, onde a fragmentação entre
o PDT, o PT, a Rede e o PSOL tirou a esquerda do segundo turno. Esse é o dilema
de Guilherme Boulos: não sendo mais nanico, se for candidato poderá crescer e
tirar a esquerda do segundo turno.
Começa
um jogo que exigirá muita habilidade e estratégia dos participantes. Goste-se
ou não, é a política – uma arte para poucos.
*Economista
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