Deputado encarnaria antiliberalismo na sua modalidade reacionária
É
evidente que considero desastrosa para o país a eventual
vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara.
E de várias maneiras. Com ele, eleger-se-ia não só a antirreforma, mas a
contrarreforma.
Se
já há dificuldade para emplacar no Congresso qualquer coisa que possa lembrar,
de longe, uma pauta liberal, o parlamentar encarnaria esse antiliberalismo na
sua modalidade reacionária.
Uma
mágoa de Jair Bolsonaro com Rodrigo Maia (DEM-RJ) faz sentido. O atual
presidente da Câmara, de fato, criou obstáculos civilizatórios para que o outro
levasse adiante sua agenda fúnebre na Casa --que Lira, se vencer, promete
retomar.
Bolsonaro
admite —com o despudor com que anseia enfiar leite condensado na parte terminal
do aparelho digestivo da imprensa— que resolveu meter a mão grande na disputa.
Seu escolhido é uma espécie de Eduardo Cunha redivivo nos transes da ventura e
nos dons do pensamento.
Há, no entanto, uma diferença: Cunha fez-se presidente da Câmara na contramão da tentativa de Dilma Rousseff de emplacar um nome. Bolsonaro, consta, pode ser mais feliz na empreitada, mas isso não muda a natureza e o caráter do seu parceiro. Perderá ganhando ou perdendo.
Lira
foi um dos algozes no governo na Câmara ao longo de 2019. Ele e o presidente
começaram a trocar juras de amor eterno no começo de 2020. No dia 19 de abril
do ano passado, num ato golpista em frente ao QG do Exército, em Brasília, o
"Mito", na prática, incitou as tropas a aderir a um autogolpe, sob
seu comando.
No
dia seguinte, recebeu Lira no palácio para marcar "o fim da
patifaria". Ambos fizeram uma selfie. Imagino um deles soprando aos
ouvidos do outro: "Acho que este é o começo de uma bela amizade",
como Rick, o amoralista charmoso e do bem, em conversa com Louis, o policial
corrupto, no fim do filme "Casablanca". "Quem é o Rick da
relação, Reinaldo?" Ninguém.
O
"velho ficou pra trás"? Reportagem do Estadão evidencia que 250
deputados e 35 senadores foram premiados com R$ 3 bilhões, além das emendas parlamentares
previstas, em obras para seus redutos. Maia estima as promessas em R$ 20
bilhões. Não há esse dinheiro.
Presidente
fraco e destrambelhado azeita o mercado das adesões. A sua eficiência está em
ser incompetente, o que dificulta a formação de base de apoio —e observo que
isso nosso mandatário não tem nem terá. Sem a adesão orgânica de partidos ou
parlamentares, resta ir às compras. E,
como é sabido, o centrão não dá nem empresta. Vende.
Dilma
chegou a ter a maior base de apoio das democracias no Congresso. Parte
considerável era formada por esses patriotas. Aquele espetáculo grotesco do "eu
digo sim (ao impeachment) em nome da minha mãe, do meu cachorro e da perereca
da vizinha presa na gaiola" era a turma em ação.
Enquanto
escrevo, Bolsonaro, Lira e os contemplados pelas verbas cantam seu
triunfo. Se
o deputado do Progressistas (que nome!!!) derrotar Baleia Rossi (MDB-SP),
não leva só a presidência da Câmara. Também terá um refém em cativeiro: o presidente
da República.
Por
mais que seja apaixonado por si mesmo, o "Mito" não é tolo o bastante
para acreditar que seu governo é bom. Deve ter noção dos desastres em curso e
sabe que o futuro não é sorridente. Quer a garantia de que o presidente da
Câmara jamais porá para tramitar um pedido de impeachment.
O centrão é essa garantia? Enquanto Bolsonaro dividir com o grupo o governo e as verbas, sim. Se o troço desandar, sempre se pode evocar o "fato novo" e dar o cavalo de pau no que foi dito no dia anterior. Saindo tudo como quer o presidente, mal posso esperar para ver Paulo Guedes a debater com Lira a "recuperação em V".
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