Nos dias que correm, não há razão alguma para otimismo. Como um técnico de futebol que faz uma aposta em meio a um jogo que se mostrava complicado, Bolsonaro deu um nó tático nas oposições. Seus últimos lances são de vitorioso, antes do término da contenda. Sua “guerra de posições” começa a dar resultados práticos e, por isso, ele pode voltar a vociferar como dantes, “sem medo de ser feliz”, com a galera em coro vociferando: “mito, mito, mito”.
Fato é que Bolsonaro invadiu o espaço parlamentar e conquistou apoio para sua blindagem e sua família. Conquistou posições onde antes não punha os pés: na cúpula do poder Legislativo. Quem fez isso para ele? O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Secretaria Geral de Governo, e os líderes do Centrão. Tá tudo dominado. A vitória na presidência das duas Casas, como já se disse, é a antessala da eleição de 2022 e vai implicar em imensos desafios para as forças democráticas.
Este movimento conseguiu quebrar a espinha dorsal de quem se opunha a Bolsonaro no Parlamento: Rodrigo Maia. O DEM rachou e Maia viu sua liderança esfumaçar, combatido pela direita e pela esquerda. O movimento articulado por Maia alguns meses atrás, que buscava articular o MDB e o PSDB, não conseguiu sustentação entre os partidos e os parlamentares, mostrando como são frágeis suas convicções democráticas bem como suas perspectivas de futuro, superando o bolsonarismo. No mais, o de sempre: PSDB indefinido, PT oportunista, Psol confuso e o resto como barata tonta. E os partidos do Centrão negociando freneticamente tudo com os representantes do Planalto. Desta maneira, a sociedade não tem uma liderança em quem mirar e o Parlamento será capturado integralmente por Bolsonaro.
Como corolário do pior dos mundos, as forças democráticas mostram-se inteiramente desarticuladas, não confiam umas nas outras, e só pensam na manutenção dos seus currais eleitorais por Estado em futuro breve, e quando muito, vislumbram candidaturas presidenciais para imantar suas permanências na vida político-partidária.Por outro lado, a lógica das fake news, ao contrário do que muita gente imagina, não arrefeceu.
Comandada pela confusão midiática que Bolsonaro mantêm viva contra a vacina e a
vacinação, conseguiu-se emparedar a principal liderança de oposição que
demonstrou capacidade de enfrenta-lo na questão da pandemia e da vacina, duas
questões centrais da hora presente na sociedade brasileira: o governador de São
Paulo, João Doria Jr. Depois de breves vitórias, Doria foi e está sendo
bombardeado dia após dia, pela direita e pela esquerda, pelas fake news e até
pela mídia tradicional.
A lógica da velha política se sobrepôs a tudo, sem que a sociedade pudesse reconhecer isso. Esse foi o nó tático de Bolsonaro: ele confiou na ação desarticuladora da frágil cultura política democrática entre nós. Na sociedade, instalou-se uma luta de todos contra todos, demonstrada na questão da vacina; no Parlamento, retomou-se o toma-lá-dá-cá, com a liberação de verbas e cargos. É a política como negócio pessoal que volta à tona uma vez que se entende que a sociedade é assim e que não reagirá diante desse descalabro.
Hoje,
Bolsonaro xinga e ofende a imprensa, desdenha dos políticos (porque a sociedade
não
quer mesmo saber deles), descuida das pessoas e pede a elas que vivam
radicalmente seus interesses individuais, dispensando qualquer proteção do
Estado. Mas este está garantido para os seus negócios privados que lhe
garantirão a manutenção no poder. A democracia existe por inércia, vai sendo
conspurcada, dilacerada, dilapidada em seus valores. O Brasil vai perdendo o
pouco que tinha de noção coletiva e de República, de bem-comum.
O
impeachment voltou a fazer parte das vocalizações da conjuntura, mas todos
sabem, com maior ou menor consciência, que ele não é mais do que uma bandeira
agitativa sem possibilidade real de imposição; faz parte de um discurso da
indignação (justa, mas impotente). Por isso, não há motivo algum para otimismo,
embora também não haja razão para se cair no desespero; a política demanda
realismo e acima de tudo reconhecimento do terreno e das circunstâncias. Muito
provavelmente, viveremos derrota atrás de derrota até conseguirmos encontrar um
novo rumo. E isso pode demorar anos.
*Alberto Aggio, Historiador, professor titular da Unesp
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