No
ano passado o mercado de trabalho encolheu, fortemente. É até óbvio. Aqui e no
mundo a pandemia foi devastadora para o emprego. A equipe econômica de Jair
Bolsonaro quer fazer crer que houve criação de emprego e que ao fim do ano o
país tinha 142.690 de vagas a mais com carteira assinada do que em 2019. No
mesmo dia, no mesmo governo, a informação do IBGE é que no trimestre terminado
em novembro havia 3,5 milhões de trabalhadores a menos com carteira assinada em
relação a 2019. No mercado como um todo, a queda é de 8,8 milhões de pessoas
ocupadas.
O
Caged, divulgado pelo Ministério da Economia, registra as demissões e
contratações do mercado formal. O IBGE faz a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad). Eles medem coisas diferentes, mas quando o IBGE diz que são
empregados com carteira está, teoricamente, medindo a mesma parcela do mercado
de trabalho que o Caged. Em algum momento, deveriam convergir, mas estão
discrepantes.
O ministro Paulo Guedes anunciou o número do Caged, que registrava perda de emprego, 67 mil em dezembro, mas que terminava o ano com o saldo positivo. E o fez repetindo discurso político com comparações com o pior período petista.
Uma perda de tempo, porque ele poderia até contar uma boa história comparando esse ano singular que foi 2020 com o que poderia ter sido. As medidas do governo de fato atenuaram as demissões e a recessão. O PIB deve ter uma queda em torno de 4,5%. As previsões iniciais eram bem piores. Mas não há como negar que foi um ano terrível para o mercado de trabalho.
O
economista Daniel Duque, do Ibre/FGV, que foi um dos primeiros a alertar para a
diferença que estava acontecendo entre o Caged e o IBGE, tinha no começo duas
hipóteses para a discrepância: subnotificação e metodologia.
—
A subnotificacão aconteceu mais no meio da pandemia, lá para abril a junho —
explicou.
O
Caged é feito a partir da informação das empresas. Muitas fecharam as portas e
nada informaram. Houve dificuldade de registro também por causa de mudança na
metodologia que houve em janeiro do ano passado. Emprego intermitente antes não
era obrigado a informar. Agora no novo Caged é. Há outras alterações que
parecem confusas até para os especialistas.
—
A questão toda é que quando a gente tem uma série é preciso ter referência
sobre como ela se comporta. O Caged sempre teve correspondência boa com o PIB e
nível de atividade. Quando acelera, tem emprego e vice-versa. O novo Caged a
gente não sabe mais a referência. Num ano de queda do PIB, há geração líquida
de 142 mil vagas — diz Daniel Duque.
E
o IBGE, o que disse ontem? A Pnad mostra dados trimestrais. De setembro a
novembro o Brasil chegou a uma taxa de 14,1% de desocupação, ligeiramente menor
do que no trimestre anterior terminado em agosto. Mas representando 14 milhões
de pessoas desempregadas, ou seja, procuraram emprego e não encontraram. Com a
pandemia, a necessidade de distanciamento social, as medidas restritivas mais
severas, muita gente nem procura emprego. Então não entra na estatística. Os
desalentados, que nem pensam em procurar, são 5,7 milhões. Há uma grande
tragédia no mercado de trabalho. Não adianta agarrar-se a um dado que deu
positivo para elogiar-se e atacar o adversário político. Ademais, Ministério da
Economia deveria ser técnico, e não ficar todo o dia atravessando a rua para
brigar do outro lado.
Daniel
Duque ajuda a entender essa complexidade que está sendo medir o que acontece no
mercado de trabalho no meio da pandemia:
—
Pnad e Caged contam histórias muito diferentes. Desde o início da pandemia, o
Caged mostrava uma queda muito menor do emprego, e depois passou a mostrar uma
recuperação mais forte do que o dado da Pnad para o emprego formal. O IBGE,
quando mostra a recuperação do emprego, é principalmente do informal. Eu tendo
a acreditar mais na Pnad Contínua por vários motivos. Um deles é que tem maior
correspondência com a atividade econômica.
Equipe econômica que se agarra a um número parcial positivo e não vê o todo não ajuda muito a enfrentar a crise. Até porque nós estamos em novo agravamento do número de mortes e contágios, e há muita incerteza na economia. O país tem um outro ano duro pela frente em que a capacidade de formulação de políticas para atenuar os problemas será novamente exigida.
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