*Fernando
Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, na rede social.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 31 de março de 2021
Opinião do dia / Fernando Henrique Cardoso*
Entrevista / Luiz Werneck Vianna - A crise se aprofunda. Um autogolpe pode agravá-la. Uma nova 'imaginação' é necessária.
A demissão dos três comandantes das Forças Armadas, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) na tarde de ontem, 30-03-2021, e a substituição do ministro da Defesa nesta semana, compõem mais um capítulo da crise política do governo Bolsonaro, cujo desdobramento ainda é aguardado.
Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, a troca simultânea nos três comandos das Forças Armadas, algo inédito no país, demonstra que "a crise do governo se aprofunda, que no desespero procura remédios, serve uma cloroquina como uma solução heróica, ou qualquer outra poção mágica, como um autogolpe, que em vez de aliviar seus males bem pode agravá-los". Até o momento, diz, "o que se tentou foi a volta do regime do AI-5, mas isso não teve êxito. A Constituição foi reafirmada, ratificada, e sai, até então, vitoriosa desse processo do qual ela foi alvo de disputa desde que o governo Bolsonaro começou".
Para recuperarmos a “sanidade política e sanitária” no país e projetarmos o futuro, o sociólogo sugere que façamos um duplo movimento: olhar para trás e para frente. “Para trás, para mexermos com as nossas raízes, que têm ensejado comportamentos antissociais e esse individualismo extremado. E para frente, para procurar uma saída (...) para ver se a sociedade consegue, como o Canal de Suez, abrir caminho para o navio passar. (...)”, exemplifica.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Werneck Vianna diz que “o Brasil está precisando de uma nova ‘imaginação’” diante do estado em que nos encontramos. Ele cita o recente caso de aplicação clandestina de vacinas por empresários de Minas Gerais, que “é um atestado veemente da natureza dos setores das elites no Brasil, da sua forma predatória e patrimonialista”, mas também o comportamento de parte da sociedade durante a pandemia de Covid-19: “jovens se recusam a se proteger a si e aos outros, fazem baladas e festas clandestinas”.
A recuperação da sanidade, insiste, depende da “união de todos que procuram caminhos contra um governo que é genocida. Agora, materializar isso depende muito de empenho, de cabeça aberta”. Uma das urgências, destaca, é “interromper as estruturas arcaicas: as elites modernas e industriais precisariam romper com as elites agrárias tradicionais”. Para isso, menciona, “a reflexão ocupa um papel importante, assim como a política e as ciências, especialmente as Ciências Sociais têm um papel grande em demonstrar a natureza retrógrada que não se compromete”. E acrescenta: “É preciso ouvir outras vozes”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que a demissão dos comandantes das Forças Armadas significa?
Luiz Werneck Vianna - A crise do governo se
aprofunda, que no desespero procura remédios, serve uma cloroquina como uma
solução heroica, ou qualquer outra poção mágica, como um autogolpe, que em vez de
aliviar seus males bem pode agravá-los. A conferir.
IHU On-Line - Como avalia a posição do presidente na gestão das
crises que o país vive neste momento?
Luiz Werneck Vianna – Vamos devagar,
porque a situação é difícil. Eu compartilho da opinião das pessoas de bem deste
país: é um desastre, uma catástrofe. É uma experiência que precisa ser
interrompida.
IHU On-Line - O governo tem saída ou não?
Luiz Werneck Vianna – Há sempre uma
saída, inclusive, a porta dos fundos é uma saída. Agora, o governo vem perdendo as bases de
sustentação. O Congresso,
o agronegócio,
as finanças,
estão tomando uma cara política
de desentendimento, de basta. Talvez a hora ainda não tenha
chegado, mas está chegando e chegará.
Quanto aos empresários, uma palavra deve ser dita, porque isso que aconteceu em Minas [aplicação clandestina de vacinas feita na garagem da empresa de transportes Viação Saritur, em Belo Horizonte] é um atestado veemente da natureza dos setores das elites no Brasil, da sua forma predatória e patrimonialista.
Vera Magalhães - 31 de março, Bolsonaro e o escorpião
Chegamos ao nefasto 31 de março em que o golpe militar que ceifou a democracia e nos jogou numa longa noite de 21 anos completa 57. Assistimos à data arriados diante do número de 3.780 brasileiros mortos em 24 horas e diante de uma crise sem precedentes desde o próprio golpe envolvendo as Forças Armadas. O Brasil não tem nada, absolutamente nada, a celebrar nesta quarta-feira.
Ainda
assim, não é descartado que Jair Bolsonaro, algum filho, algum ministro, algum
deputado ou algum terraplanista que habita o submundo da sua rede de apoiadores
da internet decida cuspir na cara de um país enlutado e traumatizado alguma
fanfarronice bravateira sobre o golpe de 1964.
Por
que seria impossível? Afinal, Bolsonaro ordenou aos quartéis já em 2019 que
celebrassem a data. No ano passado, o agora demitido general Fernando Azevedo e
Silva assinou uma nota em que dizia que o regime que matou e torturou milhares
de pessoas, cassou mandatos, empastelou jornais e sustou eleições teria sido
responsável por assegurar a democracia no país!
O “clima festivo” conta ainda com uma mãozinha da Justiça: quase um ano depois do 31 de março de 2020, em que essa nota do ex-ministro foi lida, o TRF da 5ª Região achou por bem acolher um recurso da Advocacia-Geral da União e dizer que tudo bem celebrar.
Bernardo Mello Franco - Bolsonaro fraquejou
Jair
Bolsonaro está acuado. Na semana passada, o presidente viu o Centrão jogar na
mesa a carta do impeachment. Em tom de ultimato, Arthur Lira criticou a
“espiral de erros” do governo e avisou que “tudo tem limite”. “Os remédios
políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais”,
afirmou.
Cinco
dias depois, o capitão entregou a Secretaria de Governo a uma afilhada de Lira.
Deputada de primeiro mandato, Flávia Arruda recebeu a chave do cofre de cargos
e emendas. Ameaçado pelo Centrão, Bolsonaro fraquejou. Não foi sua única
capitulação ao Centrão.
Na mesma segunda-feira, o presidente despachou Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores. O pior chanceler da história não foi demitido por seu desempenho calamitoso. Caiu porque o Congresso exigiu sua cabeça. Despediu-se com uma carta rastejante, em que se refere ao capitão como “querido chefe”.
Malu Gaspar - Nomeação do novo chefe do Exército tem impasse entre Planalto e Alto Comando
A
definição dos nomes dos novos chefes das Forças Armadas ainda depende da
solução de um impasse na decisão final sobre quem será o novo comandante do
Exército. Isso porque o preferido de Bolsonaro, o general Marco Antônio Freire Gomes,
atual Comandante Militar do Nordeste, não foi incluído na lista de nomes
enviadas pelo Alto Comando da força ao Planalto para a escolha do
presidente.
Por
tradição, cada comando envia ao presidente da República uma lista com possíveis
candidatos, em geral os mais antigos da carreira militar. As listas enviadas
pela Marinha e Aeronáutica traziam, entre outros, os nomes que Bolsonaro
queria: o Almirante Almir Garnier, Secretário-Geral do ministério da
Defesa e o Brigadeiro Carlos Almeida Batista Júnior, Comandante-Geral de
Apoio da FAB.
Não
é vedado a Bolsonaro nomear alguém que não está na lista, mas pode ser mais um
fator de estresse entre o Alto Comando do Exército e o presidente da
República.
A lista do Exército contém os nomes de cinco generais, por ordem de antiguidade no Exército: Décio Luís Schons (chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército), general José Carlos de Nardi (General de Exército), José Luiz Freitas (Comandante de Operações Terrestres), Marcos Antônio Amaro (chefe do Estado-Maior do Exército), general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Departamento-Geral de Pessoal).
Luiz Carlos Azedo - O gambito de Bolsonaro
O
presidente criou mais uma crise nas Forças Armadas, pela forma truculenta e
deselegante como afastou o ministro da Defesa e os comandantes militares
Uma
das características do presidente Jair Bolsonaro é a capacidade de surpreender
os adversários e até os aliados quando acuado, como estava desde a semana
passada, em razão do agravamento da pandemia da covid-19 e das dificuldades de
seu governo para conseguir as vacinas necessárias para imunizar a população.
Depois de ser obrigado a substituir o ministro da Saúde, general Eduardo
Pazuello, o presidente da República teve de entregar a cabeça do ministro de
Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Entretanto, o que era para ser apenas uma
concessão aos líderes do Congresso — especialmente aos presidentes do Senado,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) — e aos partidos do
chamado Centrão, resultou numa reforma ministerial no âmbito do Palácio do
Planalto, na qual Bolsonaro reforçou seu controle sobre as Forças Armadas, com
o claro propósito de aumentar seu poder pessoal em relação aos demais Poderes,
à oposição e à sociedade.
No jogo de xadrez, o gambito é uma manobra em que se oferece um peão para adquirir vantagem de posição, romper a posição central do adversário e/ou organizar um ataque mais rápido ou eficiente. Foi mais ou menos o que Bolsonaro fez na reforma ministerial, para se blindar institucionalmente contra os demais Poderes, temendo o próprio impeachment, o fantasma que assombra suas noites no Palácio da Alvorada. No caso das Forças Armadas, a substituição do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, pelo general Braga Neto, seu chefe da Casa Civil, provocou um striker no Alto Comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, com a renúncia/demissão (há controvérsias) de seus comandantes, precipitando um processo de renovação de lideranças das três Forças sem precedentes.
Ricardo Noblat - O triste papel dos generais que se renderam ao ex-capitão
A História não os absolverá
Encantaram-se
pelo quê os generais que servem ao presidente Jair Bolsonaro? O único que tem
direito a responder que recebeu uma missão e que se sentiu obrigado a cumpri-la
é Eduardo Pazuello, general da ativa, que trocou o quartel pelo Ministério da
Saúde, e se deu mal. Os demais, da reserva, servem por decisão própria.
Não
vale a desculpa de que aceitaram o convite porque assim prestam mais um serviço
à pátria. Palavras vazias, frase feita, clichê ordinário. Uns servem porque
eram amigos de Bolsonaro e se deixaram seduzir por ele. Outros, para ganhar
mais dinheiro, status, apartamento de graça, despesas pagas e outras sinecuras.
Ah,
a vaidade! Ah, o vil metal que compra tudo. A princípio, é do jogo. C’est
la vie. O mal está na subserviência com que eles se comportam. De homens
formados nas melhores academias das Forças Armadas, esperava-se que soubessem
até que ponto ir, em respeito à farda e ao passado do qual se orgulham.
Normal, definitivamente não foi o presidente da República, em meio de mandato, promover uma reforma ministerial, essa, sim, algo normal, e aproveitar para demitir em conversa de 5 minutos o ministro da Defesa, e, no dia seguinte, mandar demitir sem explicação os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Raphael Di Cunto - Fim das coligações dá fôlego ao distritão
- Valor Econômico
Deputados
querem mudar sistema, mas partidos resistem
A
preocupação com a covid-19 e as reformas econômicas deve dar, em breve, lugar à
discussão sobre o sistema eleitoral para 2022. O fim das coligações ameaça
partidos menores e médios e já está pautada na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados a proposta de emenda constitucional (PEC)
que abrirá as negociações sobre o fim do modelo proporcional e a adoção do voto
majoritário para eleger deputados.
A
seis meses do fim do prazo para alterar o sistema eleitoral, o debate no
Congresso pouco envolverá estudos teóricos. Há uma quase unanimidade entre
cientistas políticos de que o “distritão” é ruim. “Se a necessidade de uma
reforma política surge do diagnóstico de que os partidos são frágeis, a adoção
do distritão parece ter como objetivo fragilizá-los ainda mais”, diz a carta
divulgada pela Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) há quatro anos.
Esse diagnóstico não mudou. O distritão, onde os mais votados são eleitos, prioriza o individualismo. Cada candidato depende apenas de si para ser eleito, tanto faz a sigla ou alinhamento partidário, o que favorece quem tem maior estrutura própria. O voto majoritário para deputado é o primeiro passo para a volta da infidelidade partidária - se eu não dependi dos votos do partido, por que perderei o mandato se mudar de sigla?
Cristiano Romero - Apelo militar é tiro pela culatra
Militares
não cederão a tentações golpistas
Capitão
da reserva, Jair Messias Bolsonaro se cercou de militares em sua surpreendente
ascensão ao poder. Nomeou generais para cargos-chave da administração,
alimentando a ideia de que, além do poder conferido pelas urnas, ele teria o
"poder das armas”. Este o protegeria de qualquer ousadia
"golpista" contra seu mandato ou, no caso de a classe política, o
Poder Judiciário e a sociedade civil o impedirem de o governar à sua maneira,
asseguraria a sua permanência no cargo.
Bolsonaro mostra, desde o início de seu mandato, que é sensível não aos partidos ou políticos que o apoiam. Todo apoiador que esboçou criticá-lo ao longo da jornada foi imediatamente descartado _ Gustavo Bebiano, Joyce Hasselman, Major Olímpio etc. O presidente só dá satisfação ao universo que ele mesmo criou e do qual é refém: os bolsonaristas das redes sociais, os "bolsominions".
Bruno Boghossian – Uma milícia na pandemia
Presidente
quer generais como milícia contra governadores que decretam lockdown
O
único plano do governo Jair Bolsonaro parece ser a ampliação da tragédia da
pandemia. O presidente trocou o comando das Forças Armadas porque quer que elas
funcionem como uma milícia contra governadores que decretaram medidas para
conter o vírus. para manter o morticínio desenfreado.Inventou uma
crise com os militares
Bolsonaro meteu generais numa briga política que só interessa ao Planalto. No início de março, ele disse que "o meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar em casa". Depois, declarou que seus apoiadores podem contar com as Forças Armadas contra governantes que ele chamou de "tiranetes ou tiranos".
Tudo indica que o presidente gostaria de explorar a farda dos militares para demonstrar força nesse embate. Segundo aliados dos chefes demissionários das Forças Armadas, Bolsonaro cobrava deles manifestações públicas contra os autores de lockdowns e outras restrições.
Hélio Schwartsman - Risco de golpe
Seremos
cobrados por não termos tentado tirar Bolsonaro do cargo
As
coisas que não são um problema em geral nem entram em nosso radar. No Brasil,
não nos preocupamos, por exemplo, com nevascas nem com terremotos —e ninguém
precisa nos lembrar de que esses fenômenos não constituem ameaça.
"A contrario sensu", se comandantes militares e outras autoridades sentem necessidade de afirmar e reafirmar que não há risco de golpe, como acontece hoje, então devemos nos preocupar. Não significa, é claro, que tais eventos necessariamente ocorrerão, mas é um sinal claro de que a paisagem institucional se deteriorou. Quando não há mesmo risco de golpe, ninguém precisa nos dizer que não há risco de golpe.
Ruy Castro - 'O meu Exército', cuspiu Bolsonaro
Subjugar
as Forças Armadas, sublevar a PM e armar a população --em 1964, isso era
subversão
Em
outubro último, o Brasil assistiu ao então general da Saúde, Eduardo Pazuello,
dizer a frase "É simples assim. ". A seu lado, um salivante Jair
Bolsonaro. Dias antes, Pazuello autorizara a compra de 46 milhões de doses da
vacina chinesa Coronavac pelo Butantan. Mas Bolsonaro, por razões eleitorais,
não queria saber da China nem do Butantan. "Já mandei cancelar",
invectivou. "O presidente sou eu e não abro mão da minha autoridade".
Se quisesse honrar as cuecas que vestia —estava internado com a Covid num
hospital—, Pazuello teria se demitido assim que foi desautorizado. Mas preferiu
abaixá-las para Bolsonaro. Um
manda e o outro obedece
Ali se transpôs uma linha na hierarquia militar. Ao contrário dos quartéis, onde a obediência é essencial, a razão deve primar no mundo civil —principalmente quando há vidas em jogo. Naquele dia, 155 mil brasileiros já tinham morrido do vírus. Desde então, contando os que morreram por Bolsonaro ter cancelado aquelas vacinas, perdemos outros . Sendo Pazuello, co-autor dessa chacina, um general da ativa, deveria juntar uma medalha às tampinhas de Coca-Cola em sua farda.155 mil
Paulo Sérgio Pinheiro* - Não há vez para arroubos golpistas e celebração de 1964
Qualquer
ato é um escárnio às vítimas dos crimes perpetrados pela ditadura
Supunha-se
que nada haveria de causar mais horror do que a insistente cantilena
negacionista do presidente da República face ao extermínio diário de mais de 3.000 vidas
pela Covid-19.
Neste momento, o Brasil assiste a uma escalada de ameaças à democracia. Estamos
diante de mais
uma grave crise, desencadeada pela demissão
do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, por defender as
Forças Armadas como instituições de Estado diante dos arroubos golpistas
do presidente.
Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica renunciaram aos cargos em protesto.
Outro episódio relevante para esta quarta-feira (31) foi a decisão
do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife, de que
proibir reverências ao golpe de 1964 significaria “negar a discussão sobre
qualquer perspectiva da história, o que seria um contrassenso em ambientes
democráticos, visto que o Estado democrático de Direito (artigo 1º, caput,
Constituição da República) pressupõe o pluralismo de ideais e projetos”.
Entendem que coibir tal comemoração “representa impor somente um tipo de projeto para a sociedade brasileira, sem possibilitar a discussão das visões dos fatos do passado”. Os magistrados proferiram que a exaltação do golpe “não ofende os postulados do Estado democrático de Direito nem os valores constitucionais da separação dos poderes ou da liberdade”.
Militares devem evitar retrocesso democrático – Opinião / O Globo
Azevedo e Silva registrou em sua carta de demissão que trabalhou para preservar as Forças Armadas como “instituições de Estado”. É exatamente o que são. E assim devem permanecer, quem quer que sejam os sucessores dos três comandantes. Azevedo e Silva deu um recado claro a seu sucessor, general Walter Braga Netto, e a Bolsonaro: se houver tentativa de uso político das Forças Armadas, haverá obstáculos não só entre militares, mas também no Congresso, no Supremo e nas demais instituições da República. Bolsonaro precisa entender que a condição de “chefe supremo das Forças Armadas” que lhe concede a Constituição não significa que tenha poder absoluto. As três Forças estão sujeitas à Carta. Não são um Poder autônomo, nem um guardião à margem do Estado de direito. Não podem atentar contra a Carta sem pagar um preço.
Dever cumprido – Opinião / Folha de S. Paulo
A
saída simultânea dos três comandantes das Forças Armadas denuncia, em
seu ineditismo, um presidente da República que desconhece o papel da corporação
militar em uma democracia.
Jair
Bolsonaro, um capitão reformado de carreira reles no Exército, deseja endosso
mais explícito da caserna a seu governo —foi o que motivou, como convergem os
relatos disponíveis, a substituição do ministro da Defesa no rearranjo do
primeiro escalão promovido na segunda-feira (29).
Trata-se,
quando menos, de incentivar inadmissível politização dos quartéis, ideia que
parece excitar Bolsonaro especialmente às vésperas do aniversário do golpe de
1964 e quando se sente tolhido ou pressionado por instituições e forças
representativas da sociedade.
Tal pretensão abjeta não encontra eco no alto oficialato ativo do país. “Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, manifestou-se em nota o general Fernando Azevedo e Silva, ao deixar a chefia do ministério. As palavras não estão lá por acaso.
Entre golpistas e velhacos – Opinião / O Estado de S. Paulo
O
comando militar vem agindo patrioticamente e em respeito à Constituição, que
confere às Forças Armadas o papel de instituição de Estado, e não de governo, a
despeito das inúmeras tentativas de Bolsonaro de transformá-las em guarda
pretoriana.
Seria
inaceitável humilhação, para a corporação militar, submeter-se aos caprichos
desvairados de um ocupante temporário da Presidência. Já basta o papel
vergonhoso desempenhado no Ministério da Saúde pelo general da ativa Eduardo
Pazuello, que, como se fosse um recruta, se empenhou obedientemente em cumprir
as ordens estapafúrdias de Bolsonaro.
A grave crise foi a culminação de uma reforma ministerial atabalhoada, que mostra um governo submetido ao mandonismo de um presidente que, inseguro sobre sua capacidade, se imagina cercado de inimigos por todos os lados. Ele só confia nos filhos e naqueles desqualificados que lhe prestam obsequiosa vassalagem.
Bolsonaro obtém a troca da cúpula das Forças Armadas – Opinião / Valor Econômico
Com
pressões de todos os lados, o presidente da República, Jair Bolsonaro, fez uma
fuga para a frente que pode colocá-lo mais perto do abismo em direção ao qual
tem caminhado. A troca improvisada de seis ministros respondeu a uma conjuntura
muito adversa ao presidente, ao qual ele reagiu demitindo o ministro da Defesa
para obter a troca do comando das Forças Armadas - que conseguiu. Os motivos
para isso tornam muito prováveis novos choques de Bolsonaro com as instituições
da República.
O presidente esperava uma vida mais tranquila ao alinhar-se ao Centrão para evitar um impeachment, mas em poucos dias teve de ouvir uma ameaça nada velada sobre isso do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que ajudou a eleger. Dois de seus ministros, o general Eduardo Pazuello, um cumpridor de ordens, e Ernesto Araujo, um ideólogo do bolsonarismo, foram postos para fora do governo por pressão do Congresso. Araujo foi duramente criticado em audiência com senadores, que pediram que ele fizesse o que acabou fazendo: interromper a destruição do Itamaraty e ir para casa. O caso de Pazuello é mais grave porque envolve vidas perdidas na pandemia, porém tem um álibi verdadeiro: estava apenas cumprindo as ordens do presidente da República.
Rosângela Bittar - No país dos daltônicos
Bolsonaro
recebeu o sinal amarelo como verde-bandeira. E acelerou sua teimosia
Sinal
amarelo não significa pista livre, pise no acelerador. Ensinou-me um agente do
Detran, compadecido com o excesso de multas do meu prontuário: o sinal amarelo
pisca apenas dois segundos antes que venha o vermelho e a penalidade. Deve-se
parar. O presidente Jair Bolsonaro fez o contrário
diante do alerta do deputado Arthur Lira e do senador Rodrigo Pacheco. Ambos distraídos das
suas atribuições constitucionais de instalar CPIs e processos de desligamento
do presidente da República. Até aquele momento, quando empurrados por empresários,
nem sequer admitiam as pendências que se negavam a despachar, todas com risco
de letalidade, como avisou o presidente da Câmara.
Bolsonaro recebeu o sinal amarelo como um deslavado verde-bandeira. E acelerou sua teimosia diante da pandemia, acrescentando a ela uma impactante crise militar. O desmonte sumário do Ministério da Defesa mostrou que o País enveredou por um arriscado daltonismo. Além dos recordes de mortes e contaminações, os brasileiros passaram a conviver com a ideia de que se encontram em momento de instabilidade político-militar.
Raul Jungmann*- De volta ao passado
A
surpreendente anulação dos processos contra o ex-presidente Lula promoveu um
impacto de nove graus na escala Richter, que mede terremotos, no mundo político
nacional.
Não
é para menos. A reaparição do petista na condição de elegível em 2022,
literalmente apagou a lousa onde se desenhavam os cenários e perspectivas para
a próxima eleição presidencial. De saída, o “efeito Lula” impacta o campo das
candidaturas do “centro democrático”, que buscavam uma elusiva unidade.
Impacta
também a reeleição do atual Presidente da República, em busca do seu segundo
mandato, como veremos adiante. Iniciando pelo projeto de um centro democrático
uno em 2022, temos que as suas chances se reduziram, pois o cenário aponta para
uma reedição da polarização de 2018, Bolsonaro versus PT.
Individualmente falando, terá o governador Dória disposição de um voo solo contra os dois extremos? Ou dependerá para tanto do apoio de um ou dois dos candidatos hoje bem posicionados nas pesquisas?
Roberto DaMatta - O precisar do precisando
O
Brasil precisa de precisar precisando. Precisando cada vez mais porque, sem o
precisando preciso e precioso, não se pode continuar precisando tanto do
precisar que conforma o centro do precisar precisando.
As
“elite” molecas, aristocráticas, paranoico-legalistas e negacionistas que tanto
precisam deveriam substituir o paradoxal e comteano “Ordem e Progresso” por um
“É preciso precisar”.
E
é precisando do precisar que vamos continuar a fazer história, pois o que é a
história, senão um precisar do precisando de que tanto precisamos?
Esse
viés vem de um sistema relacional em que uma das questões fatais é “o que você
quer?”. Essa pergunta inocente é sugestiva de favores, obséquios e empenhos.
Ela é adequada à sociedade hierarquizada, que nos obriga a saber quem somos.
Uma ponte entre uma afinada gradação fidalga e uma chocante igualdade cidadã veio com o republicanismo repressor de séculos de escravidão africana e nobreza branca e mestiça. Uma mestiçagem que não cabia na homogeneidade do arianismo europeu que os sub-sociólogos nacionais levaram mais a sério do que seus mestres estrangeiros.
Zeina Latif - Cuidando do caminho para 2022
Sabemos que a democracia envolve muitos aspectos. Um bastante importante é garantir eleições justas, sem manipulações, abuso de poder do incumbente e influência indevida de grupos organizados.
A
eleição de 2014 não passou no “teste de qualidade”. O governo Dilma já vinha
promovendo a deterioração da gestão fiscal em ritmo acelerado, obscurecida por
truques contábeis, e na campanha dobrou a aposta. Rasgou todos os manuais da
responsabilidade fiscal para estimular artificialmente a economia com medidas
populistas.
As
“pedaladas” acumularam quase R$ 90 bilhões; os restos a pagar deixados para
2015 atingiram o pico da série de 13,4% do orçamento; os gastos que
(equivocadamente) ficavam fora da contabilidade do déficit público aceleraram –
o FIES saltou 66% em 1 ano, registrando R$12 bilhões. E por aí vai.
Tardou para o Tribunal de Contas da União confirmar a ilegalidade das pedaladas, já conhecidas em 2014. Ao mesmo tempo, o Congresso aprovou a mudança da Lei de Diretrizes Orçamentárias no final daquele ano, sob protestos da oposição que, corretamente, acusava o governo de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Elio Gaspari - Fritura de Comandante é perde-perde
As
Forças Armadas não são milícia
Faltavam
três dias para a posse de Jair Bolsonaro, e o professor Delfim Netto ensinou:
—
Na quarta-feira, o presidente terá que abrir a quitanda às nove da manhã com
berinjelas para vender a preço razoável e troco no caixa para atender à
freguesia. Pelos próximos quatro anos, a rotina essencial será a mesma: abrir a
quitanda, com berinjelas e troco. Todos os desastres da economia brasileira
deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja.
O
capitão trocou seis ministros. Noves fora as berinjelas, tinha na quitanda 14
milhões de desempregados e uma pandemia que já matou quase 318 mil pessoas — e
decidiu criar uma encrenca militar.
Bolsonaro teria aumentado sua influência sobre o primeiro escalão. Falta dizer para quê.
Aylê-Salassié F. Quintão* - Panteão: jurisprudências desqualificam a Constituição
- Não. Não confio.
Em que pese o Supremo Tribunal Federal pretender
ser o pai da justiça e da moral pública, mandando punir, vez por outra, quem o
crítica, depois do esvaziamento sistemático da Lava Jato e do episódio Moro,
não parece restar dúvida de que se está diante de uma militância política,
e não do exercício da hermenêutica jurídica.
O regime republicano nos moldes adotado é um campo propício para aventuras de todos os gêneros e modalidades. A escravidão, a discriminação, o capitalismo, o fascismo ou a etérea presença do comunismo não construíram sozinhos esse estado de confusão mental no brasileiro. Isto é fruto da corrupção histórica e da imoralidade na esfera pública que, de impensáveis e múltiplas formas insiste em permanecer. Não poupam nenhuma instância política, civil ou jurídica. São aceleradores distopicos da do desenvolvimento e da soberania nacional.
Poesia / Graziela Melo: Tarde Fria
Tarde fria,
cinzenta!
Escuto o barulho
da rua.
A saudade
aborda
minh’alma
que vive
distante
da tua!!!
Ventos
sopram
nos galhos,
e folhas
vão caindo
no chão!
Recordo,
da vida,
os mais
tristes
instantes...
Gemidos
dolorosos,
batem ás
portas
do coração!!!
terça-feira, 30 de março de 2021
Opinião do dia / Fernando Azevedo e Silva*
*Fernando
Azevedo e Silva, general, ex-ministro da Defesa, demitido por Bolsonaro,
em nota pública, 29/3/2021.
José Augusto Guilhon Albuquerque e Elizabeth Balbachevsky* - Candidatos dividem, programas consensuais podem unir
É
hora de a maioria moderada ajudar o País a evitar o vórtice para o qual tentam
arrastá-lo
O Estado publicou no
domingo 14/3 artigo oportuno de Pedro Malan sobre o desfecho dramático da
tríplice crise – econômica, política e sanitária. Convergindo com os alertas
sobre a necessidade de ação integrada dos moderados para encontrar soluções em
curtíssimo prazo, e com vista às próximas eleições presidenciais, Malan
acrescentou um ponto pouco ou nada abordado até agora.
Trata-se,
segundo entendemos, da necessidade de ir além da discussão de candidaturas e
dar lugar à construção de um consenso programático, uma coalizão de moderados
de diferentes orientações políticas, partidárias e intelectuais. Não será
exatamente isso o que se busca lançando candidatura?
Na
prática, não é o que acontece. Em eleições para o Executivo, sobretudo para a
Presidência da República, candidatos sempre dividem. Cada nova indicação de
candidato divide um pouco mais. A indicação de candidatos e a disputa
prematura, para negociar coalizões partidárias, dividem ainda mais e dificultam
a convergência necessária. Partidos e candidatos servem para competir, e é bom
que assim seja, porque só no despotismo o poder não se disputa. Devemos convir,
entretanto, que nosso país se encontra em situação excepcional, enfrentando,
como vimos, uma tríplice catástrofe – política, econômica e sanitária. Neste
caso, e somente neste caso, nem toda competição é saudável.
Uma
situação excepcional exige que soluções excepcionais, com objetivos positivos,
consensuais e eficazes, se anteponham à necessidade de competir. Existem,
também, “soluções excepcionais” radicais e violentas, sempre justificadas por
aqueles mesmos que provocam o surgimento da radicalização e da desordem,
evocadas para justificar a excepcionalidade.
É previsível que a desordem disseminada pelo governo contra o combate à pandemia e as decisões hesitantes tomadas para estabilizar e recuperar a economia sirvam de pretexto para soluções que transgridam o regime constitucional. O mesmo se pode dizer dos efeitos do conflito entre os impulsos presidenciais, de um lado, e, do outro, as prerrogativas dos demais Poderes, dos governadores e dos prefeitos.
Ricardo Noblat - Bolsonaro quer um Exército para chamar de seu e dar o golpe
Enfraquecido,
o presidente pede socorro à farda
O compromisso dos militares brasileiros com a democracia será testado novamente – desta vez, depois que o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e cobrou do seu substituto, general Braga Neto, a troca do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.
Se
quiserem ficar nos seus postos, ficarão os atuais comandantes da Marinha,
almirante Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, brigadeiro Antônio Carlos Bermudez.
Do contrário sairão, cabendo ao Estado Maior de cada Arma indicar seus
sucessores. Os nomes ainda terão de passar pelo crivo de Bolsonaro.
Azevedo e Silva perdeu o lugar porque resistiu nos últimos meses a várias tentativas do presidente da República de aparelhar politicamente as Forças Armadas. Fazia tempo que Bolsonaro pedia a cabeça de Pujol que sempre manteve o Exército a salvo dos seus delírios. Azevedo e Silva preservou Pujol.
Eliane Cantanhêde – Basta!
Militares se unem ao Judiciário e ao Legislativo para dizer ‘não’ aos absurdos de Bolsonaro
O
cerco do Congresso,
dos tribunais superiores, de diplomatas, médicos, enfermeiros, ambientalistas,
economistas, advogados, banqueiros e grandes empresários gerou um grito
uníssono em Brasília: Basta! Basta de desgoverno, basta de delírios ideológicos
e ameaças golpistas, basta de afundar o Brasil no cenário internacional. Há uma
exaustão.
Nada,
porém, foi mais estridente do que a demissão do ministro
da Defesa, general de quatro-estrelas Fernando Azevedo e
Silva, da reserva, que confirmou a crescente insatisfação
das Forças Armadas com
o governo e com o próprio capitão insubordinado Jair Bolsonaro. Nem os militares
aguentam mais.
Ordem, progresso, disciplina e hierarquia, sim, sempre. Mas Azevedo e Silva não segue a cartilha da submissão, da humilhação, da continência incondicional do general Eduardo Pazuello: “um manda, outro obedece”. Para o agora ex-ministro, a lealdade das Forças Armadas não é com o governo de plantão, muito menos com um governo errático e de viés autoritário. É com o Brasil.
Joel Pinheiro da Fonseca – Bia Kicis foi longe demais
Vamos
tolerar uma deputada louvar um ato terrorista e pregar o motim policial?
Um
policial militar de Salvador, em surto psicótico, se rebela contra o pelotão e,
armado de fuzil, passa a gritar enraivecido e a atirar para o alto. Gritava
supostamente em defesa de trabalhadores e contra o lockdown, mas isso não o
impediu de jogar as mercadorias e bicicleta de ambulantes no mar. Depois de
mais de três horas de negociação com integrantes do Bope, disparou na direção
dos policiais. Aí foi preciso agir. O
PM foi alvejado, recebeu atendimento médico, mas não resistiu.
Há
apenas uma palavra para descrever essa sequência de acontecimentos: uma
tragédia. A palavra certa, no entanto, para descrever o ato posterior de
lideranças políticas bolsonaristas que usaram essa tragédia para alimentar seu
discurso golpista é outra: crime.
Foi o que fez a deputada Bia Kicis ao publicar um tuíte em homenagem ao PM: “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia [p]arou. Chega de cumprir ordem ilegal!”.
Igor Gielow - Bolsonaro faz jogada desesperada e arrisca crise militar com mudanças
Presidente desenha alteração ministerial para tentar chegar competitivo na eleição de 2022
A
mudança ministerial anunciada por Jair Bolsonaro nesta segunda (29) é
um gesto desesperado que busca ao mesmo tempo ceder poder e reforçar a posição
do presidente em meio à catástrofe
da pandemia.
De
quebra, o movimento arrisca
a gerar uma crise militar em plena semana do 31 de março, aniversário
do golpe de 1964 em que as sensibilidades fardadas costumam estar elevadas.
O cenário de crise para o presidente está desenhado desde que o fim do auxílio emergencial foi acompanhado da propagação da variante P.1 de Manaus para o mundo, com escala preferencial no resto do Brasil.