Militares se unem ao Judiciário e ao Legislativo para dizer ‘não’ aos absurdos de Bolsonaro
O
cerco do Congresso,
dos tribunais superiores, de diplomatas, médicos, enfermeiros, ambientalistas,
economistas, advogados, banqueiros e grandes empresários gerou um grito
uníssono em Brasília: Basta! Basta de desgoverno, basta de delírios ideológicos
e ameaças golpistas, basta de afundar o Brasil no cenário internacional. Há uma
exaustão.
Nada,
porém, foi mais estridente do que a demissão do ministro
da Defesa, general de quatro-estrelas Fernando Azevedo e
Silva, da reserva, que confirmou a crescente insatisfação
das Forças Armadas com
o governo e com o próprio capitão insubordinado Jair Bolsonaro. Nem os militares
aguentam mais.
Ordem, progresso, disciplina e hierarquia, sim, sempre. Mas Azevedo e Silva não segue a cartilha da submissão, da humilhação, da continência incondicional do general Eduardo Pazuello: “um manda, outro obedece”. Para o agora ex-ministro, a lealdade das Forças Armadas não é com o governo de plantão, muito menos com um governo errático e de viés autoritário. É com o Brasil.
Demorou,
mas Azevedo e Silva cansou e ele não está sozinho ao negar ao presidente um
alinhamento automático que engula os brios e os princípios das Forças Armadas
para participar de qualquer tipo de ameaça ao País. Além de agir em acordo com
o comandante Edson Pujol e
o Alto Comando do Exército, o general teve apoio durante todo esse tempo também
das duas outras Forças.
Na
Marinha e na Aeronáutica concentram-se a insatisfação com a falta de compostura
do presidente e a indignação com as menções recorrentes às Forças Armadas para
ameaças e chantagens políticas. Mas, enquanto elas exibiam independência e
distância, o Exército foi sendo sugado para o centro da política. Isso tem
bônus: cargos, soldos, privilégios no Orçamento e nas reformas e a falsa
sensação de poder. Mas o ônus não compensa: a perda de imagem, o uso da sua
marca com intenções espúrias.
Com
a demissão do general Azevedo e Silva os militares demonstram ao povo
brasileiro que estão firmemente comprometidos com suas funções constitucionais,
seus compromissos institucionais e a democracia. Unem-se, assim, a uma ampla
parcela da sociedade que não suporta mais tantos desmandos, absurdos e erros,
justamente numa pandemia com mais de 300 mil mortos.
A
sensação é inevitável: quando o ministro da Defesa cai, mais um ministro da
Saúde na pandemia cai e desabam o chanceler
Ernesto Araújo, o ministro da Justiça, André Mendonça,
e o advogado-geral da União, José
Levi, é porque o governo está se desmilinguindo. Sem falar na
fila de demissionários do Posto Ipiranga. Só falta o dono do posto.
Agora
é preciso ver o que será construído no lugar. Não está claro se Bolsonaro vai
trocar só o chanceler ou a política externa. Se muda o AGU para pintar e bordar
a favor dos filhos no Judiciário e para perseguir os governadores no Superior Tribunal de
Justiça.
O
que está muito claro é que o general Braga Netto, que vai para a Defesa, vai
encontrar o ambiente militar contaminado pela política, dividido, polarizado. E
vai enfrentar, sobretudo, uma dúvida que não é apenas das Forças Armadas, mas
de toda a Nação: ele assume para fazer o jogo sujo que o general Azevedo Silva
teve a dignidade de se recusar a fazer?
O imbróglio militar e a pressão política inviabilizaram a ida do almirante Flávio Rocha para o Itamaraty. Se já resistia abertamente à presença de um oficial de quatro-estrelas da ativa no Planalto, a Marinha não admitiria que ele assumisse a vaga de chanceler depois da demissão do ministro da Defesa. O trauma Azevedo e Silva cristaliza a mania de Bolsonaro de exigir submissão incondicional, principalmente nos erros, nos absurdos. Assim, tudo muda, mas não se sabe o que muda.
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