quarta-feira, 31 de março de 2021

Zeina Latif - Cuidando do caminho para 2022

- O Globo

Sabemos que a democracia envolve muitos aspectos. Um bastante importante é garantir eleições justas, sem manipulações, abuso de poder do incumbente e influência indevida de grupos organizados.

A eleição de 2014 não passou no “teste de qualidade”. O governo Dilma já vinha promovendo a deterioração da gestão fiscal em ritmo acelerado, obscurecida por truques contábeis, e na campanha dobrou a aposta. Rasgou todos os manuais da responsabilidade fiscal para estimular artificialmente a economia com medidas populistas.

As “pedaladas” acumularam quase R$ 90 bilhões; os restos a pagar deixados para 2015 atingiram o pico da série de 13,4% do orçamento; os gastos que (equivocadamente) ficavam fora da contabilidade do déficit público aceleraram – o FIES saltou 66% em 1 ano, registrando R$12 bilhões. E por aí vai.

Tardou para o Tribunal de Contas da União confirmar a ilegalidade das pedaladas, já conhecidas em 2014. Ao mesmo tempo, o Congresso aprovou a mudança da Lei de Diretrizes Orçamentárias no final daquele ano, sob protestos da oposição que, corretamente, acusava o governo de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com as falhas das instituições, Dilma se reelegeu e foi diplomada.

A eleição de 2018 tampouco passou no teste, mas por outras razões. Militares e lava-jatistas dentro e fora de Curitiba atuaram em favor de Bolsonaro e, certamente, influenciaram bastante o pleito. Afinal, as Forças Armadas e o Ministério Público eram consideradas as instituições mais confiáveis pela sociedade, conforme pesquisas de opinião da época.

Cabe lembrar o tuíte do general Eduardo Villas Bôas, as divulgações de Sergio Moro e as investidas contra Geraldo Alckmin e Fernando Haddad nas vésperas da eleição.

Para 2022, o difícil quadro econômico e o recuo de muitos grupos organizados apoiadores de Bolsonaro aumentam o apelo para populismo e extremismos, que precisam ser coibidos.

Tirando a vacinação em massa adiante, não há motores para o crescimento, sendo que a economia sairá estruturalmente mais fraca da pandemia, com um potencial de crescimento ainda menor.

O ambiente macroeconômico se deteriora em função do enfraquecimento do regime fiscal – leia-se a piora da gestão das contas públicas e a falta de perspectiva de conserto –, o que dificulta o funcionamento das engrenagens do setor privado.

Além disso, a inflação tende a ficar mais teimosa, machucando as classes populares. Mesmo que a cotação do dólar venha a dar trégua, há muita pressão no atacado a ser repassada ao consumidor final – as empresas estão com margens muito apertadas – e há focos de preocupação na inflação de alimentos e de energia, itens essenciais.

As incertezas políticas alimentam o conservadorismo de empresários e investidores, que adiam decisões de contratação de mão de obra e investimento. O mesmo vale para o capital estrangeiro.

Os avanços em marcos regulatórios de infraestrutura não irão produzir resultados concretos tão cedo, pois há muitas etapas a serem vencidas.

Vale citar que Bolsonaro parte de uma aprovação líquida bem mais baixa do que a de Dilma nos piores momentos. Pelo Datafolha, está negativa em 14% (30% aprovam e 44% desaprovam), enquanto Dilma manteve cifras no campo positivo: 5% (30% aprovavam e 25% desaprovavam) em julho de 2013, após os protestos.

Difícil acreditar que a vacinação mudará muito esse retrato, com o agravante que a população imunizada poderá ir para as ruas protestar.

Como Bolsonaro irá reagir à probabilidade crescente de sua não reeleição e até ao questionamento sobre conseguir estar no segundo turno?

Na economia, aumenta o risco de medidas fiscais populistas, com a ajuda do centrão, que anseia por mais recursos. Há limites, porém. Não será possível, nem de longe, repetir 2014, quando as derrapadas fiscais não eram tão claras.

O TCU agora está mais atento e os investidores mais impacientes. Nessa linha, a reação negativa por parte de técnicos, de atores políticos e dos mercados ao Orçamento de ficção deste ano é boa notícia. Tentaram passar um cheque sem fundo e foram pegos.

Alguns temem ações extremistas de Bolsonaro e apoiadores. Em que pesem os muitos tropeços institucionais no país, não seria algo que passaria batido.

O momento pede maior vigilância por parte das instituições democráticas.

Nenhum comentário: