Vamos
tolerar uma deputada louvar um ato terrorista e pregar o motim policial?
Um
policial militar de Salvador, em surto psicótico, se rebela contra o pelotão e,
armado de fuzil, passa a gritar enraivecido e a atirar para o alto. Gritava
supostamente em defesa de trabalhadores e contra o lockdown, mas isso não o
impediu de jogar as mercadorias e bicicleta de ambulantes no mar. Depois de
mais de três horas de negociação com integrantes do Bope, disparou na direção
dos policiais. Aí foi preciso agir. O
PM foi alvejado, recebeu atendimento médico, mas não resistiu.
Há
apenas uma palavra para descrever essa sequência de acontecimentos: uma
tragédia. A palavra certa, no entanto, para descrever o ato posterior de
lideranças políticas bolsonaristas que usaram essa tragédia para alimentar seu
discurso golpista é outra: crime.
Foi o que fez a deputada Bia Kicis ao publicar um tuíte em homenagem ao PM: “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia [p]arou. Chega de cumprir ordem ilegal!”.
Horas
depois, apagou o post, se desculpou pelo afobamento sincero e pediu moderação.
Mas o dano já está feito, a mensagem já foi passada aos milhares de militantes
que infestam as redes sociais e os grupos de WhatsApp com o intuito único de
promover paixões sediciosas na população, ao estilo da horda de trumpistas que
invadiu o Capitólio americano em janeiro.
Parece
um pesadelo, um delírio febril, e é. Mas é também um projeto real: a ala mais
alucinada do governo, a militância olavista —à qual pertence Bia Kicis, os
filhos do presidente, o ex-chanceler e o assessor
Filipe Martins— quer incitar um levante de policiais e soldados amotinados,
caminhoneiros e cidadãos de bem armados que derrube Congresso e Supremo e
conceda poder absoluto a Bolsonaro.
No
mundo real, a banda toca outra música. Enquanto escrevo esta coluna, o governo
vai se dissolvendo, e o centrão —e não os olavistas— deve sair fortalecido
dessas trocas. Caíram o ministro de Relações Exteriores, o ministro da AGU, a
secretária nacional de Educação Básica, um executivo da Petrobras. A demissão
que mais chama a atenção, contudo, foi a do ministro da Defesa, Fernando
Azevedo.
Em
sua carta de demissão, Azevedo diz: “Nesse período, preservei as Forças Armadas
como instituições de Estado”. Ou seja, admite que a institucionalidade das
Forças Armadas precisou ser preservada.
Segundo
o que ele próprio teria dito a pessoas próximas, saiu para evitar outro “maio
de 2020”, quando Bolsonaro aderiu ao golpismo descarado de manifestantes em
Brasília para fechar o STF.
Até
agora, nossas instituições e a política têm segurado os piores excessos vindos
do governo. Ele tem, inclusive, ficado mais fraco. Não acredito que algum
delírio golpista será bem-sucedido. Mas isso não apaga o fato assombroso de que
a democracia, embora resista, esteja sob ataque constante, tanto do governo
quanto de seus panos de chão no Congresso.
Mesmo mantida a ordem democrática, é aviltante para ela ter uma deputada que chefia a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara louvando o ato terrorista de um policial em surto psicótico e pregando abertamente o motim das polícias. Por sua reiterada promoção de fake news e defesa aberta do golpe violento, Bia Kicis não pode continuar deputada federal. O Conselho de Ética precisa agir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário