quarta-feira, 31 de março de 2021

Cristiano Romero - Apelo militar é tiro pela culatra

- Valor Econômico

Militares não cederão a tentações golpistas

Capitão da reserva, Jair Messias Bolsonaro se cercou de militares em sua surpreendente ascensão ao poder. Nomeou generais para cargos-chave da administração, alimentando a ideia de que, além do poder conferido pelas urnas, ele teria o "poder das armas”. Este o protegeria de qualquer ousadia "golpista" contra seu mandato ou, no caso de a classe política, o Poder Judiciário e a sociedade civil o impedirem de o governar à sua maneira, asseguraria a sua permanência no cargo.

Bolsonaro mostra, desde o início de seu mandato, que é sensível não aos partidos ou políticos que o apoiam. Todo apoiador que esboçou criticá-lo ao longo da jornada foi imediatamente descartado _ Gustavo Bebiano, Joyce Hasselman, Major Olímpio etc. O presidente só dá satisfação ao universo que ele mesmo criou e do qual é refém: os bolsonaristas das redes sociais, os "bolsominions".

Como teve que ceder em duas áreas sensíveis do bolsonarismo _ saúde e relações exteriores _, o presidente decidiu mexer nas Forças Armadas, exigindo lealdade, mas, acima de tudo, sinalizando que, tendo os militares ao seu lado, ninguém pode com ele. A demissão dos comandantes das Forças, porém, gerou mais mal-estar do que felicidade. Nem em sonho os militares nomeados alimentarão alucinações golpistas do bolsonarismo.

O uso das Forças Armadas na política, isto é, como instrumento de disrupção da ordem constitucional para a instauração de uma nova ordem, é, infelizmente, cara à história deste país a que chamamos de Brasil. Nossa República nasceu de um golpe militar contra a monarquia, estimulado por barões do café e pecuaristas, inconformados com a abolição da escravidão em 1888.

Os dois primeiros presidentes _ Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto _ eram militares, mas, de 1894 a 1930, políticos paulistas e mineiros logo “sequestraram” a República para que o novo regime atendesse aos interesses de quem detinha o poder econômico _ as oligarquias rurais. Além de exigirem compensação financeira pela “perda" dos escravos, os condôminos do poder central fizeram de tudo para marginalizar os negros, agora ex-escravos, dificultando-lhes o acesso à educação e pressionando o novos governos a facilitarem a importação de mão-de-obra da Europa para "embranquecer" nossa força de trabalho.

A “Res Publica” da Ilha de Vera Cruz nasceu, portanto, torta como uma árvore do cerrado. Os militares tiveram sua participação na infâmia _ nas décadas seguintes, eclodem inúmeros movimentos militares revoltosos, insatisfeitos com a “república” instaurada em 1889. Em 1930, a política do café-com-leite, enfraquecida por seu próprio anacronismo, é implodida por movimento revolucionário que leva Getulio Vargas ao poder no fim daquele ano.

A história conta que a vida de Getulio na presidência não foi nada fácil, afinal, São Paulo nunca se conformou com a perda de poder. Entre tentativas de golpes e contragolpes, em 1937 o então presidente instaura ditadura _ o Estado Novo _ com ajuda crucial dos militares. É deposto em 1945 e sucedido na presidência pelo general que conspirou contra a ordem constitucional para torná-lo ditador _ Eurico Gaspar Dutra.

Em 1951, eleito pelo voto direto, Getulio volta à Presidência, sob enorme desconfiança da área militar. Seu suicídio em agosto de 1954, afiançam historiadores, adiou por dez anos uma nova interferência das Forcas Armadas no processo institucional do país. A ditadura iniciada em 1964 durou longos 21 anos. Os militares deixaram o poder em meio a uma grave crise econômica, que mergulhou o país no pesadelo da hiperinflação e de tentativas frustradas de superá-lo _ o que somente sucedeu em 1994, com o lançamento do Plano Real.

Em 26 anos de democracia, os brasileiros elegeram pelo voto direto cinco presidentes. Dois perderam o mandato em processos turbulentos _ não tinha como ser diferente _ de impeachment. Apesar disso, a ordem constitucional não esteve sob ameaça em nenhum momento, apesar do alarido produzido pelos grupos que perderam o poder. De 1994 a 2018, a alternância de poder se deu entre dois partidos de centro-esquerda _ o PSDB e o PT _ que, para governar, se aliaram a legendas de centro e centro-direita, evitando, nos dois casos, aproximação com os extremos à esquerda e à direita.

Os escândalos de corrupção investigados pela Lava-Jato, aliados a conhecidos abusos de autoridade que somente agora passam pelo escrutínio de autoridades e da sociedade, fragilizaram tanto o PT _ o partido que estava no poder quando a operação da Polícia Federal realizou as primeiras prisões de envolvidos no mega-esquema de desvio de recursos públicos da Petrobras _ quanto o PSDB.

Mas, o que parecia novo _ a prisão de políticos e empresários acusados de malfeitorias _ soou apenas espetacular quando a Lava-Jato prendeu e depois condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano da eleição, valendo-se de provas inconsistentes e de expedientes juridicamente questionáveis, com cheiro de interesse político-eleitoral, como o grampo, não autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, de conversa do investigado com a então presidente Dilma Rousseff.

Nota do redator: a imagem do combate à corrupção como um espetáculo foi tomada emprestada do advogado, filósofo e escritor Walfrido Warde, que, de forma corajosa e iconoclasta, muito antes do desnudamento dos pecados jurídicos cometidos pela Lava-Jato, escreveu o livro “O Espetáculo da Corrupção Como Um Sistema Corrupto e o Modo de Combatê-lo Estão Destruindo o País" (Leya, 2018). 

Na obra, Walfrido argumenta que não é preciso destruir a política e as empresas para enfrentar a corrupção. Todos sabemos que, para integrantes da Lava-Jato, o alvo era justamente chegar a um responsável por tudo (Lula) e bombardear as empresas (em vez de responsabilizar seus acionistas) envolvidas. Quando Sergio Moro, o juiz da operação, largou sua missão institucional para tornar-se ministro do principal beneficiário eleitoral do "espetáculo da corrupção", e na sequência foi fritado com requintes de crueldade pelo novo chefe, deixando claro que a Lava-Jato seria desidratada, ficou claro como o céu de Brasília.

Nenhum comentário: