Militares
não cederão a tentações golpistas
Capitão
da reserva, Jair Messias Bolsonaro se cercou de militares em sua surpreendente
ascensão ao poder. Nomeou generais para cargos-chave da administração,
alimentando a ideia de que, além do poder conferido pelas urnas, ele teria o
"poder das armas”. Este o protegeria de qualquer ousadia
"golpista" contra seu mandato ou, no caso de a classe política, o
Poder Judiciário e a sociedade civil o impedirem de o governar à sua maneira,
asseguraria a sua permanência no cargo.
Bolsonaro mostra, desde o início de seu mandato, que é sensível não aos partidos ou políticos que o apoiam. Todo apoiador que esboçou criticá-lo ao longo da jornada foi imediatamente descartado _ Gustavo Bebiano, Joyce Hasselman, Major Olímpio etc. O presidente só dá satisfação ao universo que ele mesmo criou e do qual é refém: os bolsonaristas das redes sociais, os "bolsominions".
Como
teve que ceder em duas áreas sensíveis do bolsonarismo _ saúde e relações
exteriores _, o presidente decidiu mexer nas Forças Armadas, exigindo lealdade,
mas, acima de tudo, sinalizando que, tendo os militares ao seu lado, ninguém
pode com ele. A demissão dos comandantes das Forças, porém, gerou mais
mal-estar do que felicidade. Nem em sonho os militares nomeados alimentarão
alucinações golpistas do bolsonarismo.
O
uso das Forças Armadas na política, isto é, como instrumento de disrupção da
ordem constitucional para a instauração de uma nova ordem, é, infelizmente,
cara à história deste país a que chamamos de Brasil. Nossa República nasceu de
um golpe militar contra a monarquia, estimulado por barões do café e
pecuaristas, inconformados com a abolição da escravidão em 1888.
Os
dois primeiros presidentes _ Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto _ eram
militares, mas, de 1894 a 1930, políticos paulistas e mineiros logo
“sequestraram” a República para que o novo regime atendesse aos interesses de
quem detinha o poder econômico _ as oligarquias rurais. Além de exigirem
compensação financeira pela “perda" dos escravos, os condôminos do poder
central fizeram de tudo para marginalizar os negros, agora ex-escravos,
dificultando-lhes o acesso à educação e pressionando o novos governos a
facilitarem a importação de mão-de-obra da Europa para "embranquecer"
nossa força de trabalho.
A
“Res Publica” da Ilha de Vera Cruz nasceu, portanto, torta como uma árvore do
cerrado. Os militares tiveram sua participação na infâmia _ nas décadas
seguintes, eclodem inúmeros movimentos militares revoltosos, insatisfeitos com
a “república” instaurada em 1889. Em 1930, a política do café-com-leite,
enfraquecida por seu próprio anacronismo, é implodida por movimento
revolucionário que leva Getulio Vargas ao poder no fim daquele ano.
A
história conta que a vida de Getulio na presidência não foi nada fácil, afinal,
São Paulo nunca se conformou com a perda de poder. Entre tentativas de golpes e
contragolpes, em 1937 o então presidente instaura ditadura _ o Estado Novo _
com ajuda crucial dos militares. É deposto em 1945 e sucedido na presidência
pelo general que conspirou contra a ordem constitucional para torná-lo ditador
_ Eurico Gaspar Dutra.
Em
1951, eleito pelo voto direto, Getulio volta à Presidência, sob enorme
desconfiança da área militar. Seu suicídio em agosto de 1954, afiançam
historiadores, adiou por dez anos uma nova interferência das Forcas Armadas no
processo institucional do país. A ditadura iniciada em 1964 durou longos 21
anos. Os militares deixaram o poder em meio a uma grave crise econômica, que
mergulhou o país no pesadelo da hiperinflação e de tentativas frustradas de
superá-lo _ o que somente sucedeu em 1994, com o lançamento do Plano Real.
Em
26 anos de democracia, os brasileiros elegeram pelo voto direto cinco presidentes.
Dois perderam o mandato em processos turbulentos _ não tinha como ser diferente
_ de impeachment. Apesar disso, a ordem constitucional não esteve sob ameaça em
nenhum momento, apesar do alarido produzido pelos grupos que perderam o poder.
De 1994 a 2018, a alternância de poder se deu entre dois partidos de
centro-esquerda _ o PSDB e o PT _ que, para governar, se aliaram a legendas de
centro e centro-direita, evitando, nos dois casos, aproximação com os extremos
à esquerda e à direita.
Os
escândalos de corrupção investigados pela Lava-Jato, aliados a conhecidos
abusos de autoridade que somente agora passam pelo escrutínio de autoridades e
da sociedade, fragilizaram tanto o PT _ o partido que estava no poder quando a
operação da Polícia Federal realizou as primeiras prisões de envolvidos no
mega-esquema de desvio de recursos públicos da Petrobras _ quanto o PSDB.
Mas,
o que parecia novo _ a prisão de políticos e empresários acusados de
malfeitorias _ soou apenas espetacular quando a Lava-Jato prendeu e depois
condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano da eleição,
valendo-se de provas inconsistentes e de expedientes juridicamente
questionáveis, com cheiro de interesse político-eleitoral, como o grampo, não
autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, de conversa do investigado com a
então presidente Dilma Rousseff.
Nota do redator: a imagem do combate à corrupção como um espetáculo foi tomada emprestada do advogado, filósofo e escritor Walfrido Warde, que, de forma corajosa e iconoclasta, muito antes do desnudamento dos pecados jurídicos cometidos pela Lava-Jato, escreveu o livro “O Espetáculo da Corrupção Como Um Sistema Corrupto e o Modo de Combatê-lo Estão Destruindo o País" (Leya, 2018).
Na obra, Walfrido argumenta que não é preciso destruir a política e as empresas para enfrentar a corrupção. Todos sabemos que, para integrantes da Lava-Jato, o alvo era justamente chegar a um responsável por tudo (Lula) e bombardear as empresas (em vez de responsabilizar seus acionistas) envolvidas. Quando Sergio Moro, o juiz da operação, largou sua missão institucional para tornar-se ministro do principal beneficiário eleitoral do "espetáculo da corrupção", e na sequência foi fritado com requintes de crueldade pelo novo chefe, deixando claro que a Lava-Jato seria desidratada, ficou claro como o céu de Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário