- Valor Econômico
Deputados
querem mudar sistema, mas partidos resistem
A
preocupação com a covid-19 e as reformas econômicas deve dar, em breve, lugar à
discussão sobre o sistema eleitoral para 2022. O fim das coligações ameaça
partidos menores e médios e já está pautada na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados a proposta de emenda constitucional (PEC)
que abrirá as negociações sobre o fim do modelo proporcional e a adoção do voto
majoritário para eleger deputados.
A
seis meses do fim do prazo para alterar o sistema eleitoral, o debate no
Congresso pouco envolverá estudos teóricos. Há uma quase unanimidade entre
cientistas políticos de que o “distritão” é ruim. “Se a necessidade de uma
reforma política surge do diagnóstico de que os partidos são frágeis, a adoção
do distritão parece ter como objetivo fragilizá-los ainda mais”, diz a carta
divulgada pela Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) há quatro anos.
Esse diagnóstico não mudou. O distritão, onde os mais votados são eleitos, prioriza o individualismo. Cada candidato depende apenas de si para ser eleito, tanto faz a sigla ou alinhamento partidário, o que favorece quem tem maior estrutura própria. O voto majoritário para deputado é o primeiro passo para a volta da infidelidade partidária - se eu não dependi dos votos do partido, por que perderei o mandato se mudar de sigla?
A
lógica é a mesma que foi usada pela Justiça para liberar os senadores a
trocarem de partido à vontade. O voto para o Senado é majoritário, portanto, do
próprio eleito. É difícil, até para quem acompanha política diariamente,
acertar o partido de todos os senadores, tão constantes são as mudanças. O
troca-troca geralmente tende ao governismo e permitiu que a senadora Kátia
Abreu (TO) passasse em uma década por cinco partidos, do PDT ao DEM, e que o
senador Jorge Kajuru (GO) fosse em meros dois anos do PRP, PSB e Cidadania.
Imaginar
o desastre que isso significa na coesão dos partidos na Câmara, onde deputado
de oposição vota no candidato do governo para presidente da Casa seduzido por
verbas orçamentárias, nem é tão difícil porque o troca-troca era liberado até o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibir isso por resolução em 2007, na
esteira do assédio governista revelado pelo escândalo do mensalão.
É
esse retrocesso que faz com que a maioria dos presidentes partidários seja
contra a PEC. “O distritão destrói os partidos”, diz o deputado Paulinho da
Força (SP), presidente do Solidariedade. “Você passa a ter vozes
descompromissadas com o partido. Fragiliza a política e a democracia”, concorda
o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Até o MDB, que liderou o debate das
outras vezes, está contra. “O fim das coligações foi um avanço muito importante
para diminuir o número exagerado de partidos”, justifica Baleia Rossi (MDB-SP).
O
distritão foi a voto na Câmara duas vezes e perdeu as duas. Sob o comando de
Eduardo Cunha (MDB-RJ), a Câmara o rejeitou por 210 votos a 267. Dois anos
depois, tentou-se uma negociação casada para ter o apoio de PSDB e DEM - o
distritão em 2018 e o distrital misto a partir de 2022 -, mas a ideia foi
derrotada por 205 a 238. Nas duas vezes, a vitória passou longe: como é mudança
constitucional, precisa do “sim” de 308 dos 513 deputados.
Um
placar tão distante do necessário e a oposição dos presidentes de partido
significa que o modelo está fadado à rejeição novamente? Não. A conjuntura
mudou. O principal fator a estimular o distritão agora, além do apoio do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o fim da coligação proporcional,
cujo primeiro teste foi a eleição para vereador no ano passado.
Agora,
a chapa cuja soma de votos determina o número de deputados e de vereadores
eleitos só pode contar com candidatos do próprio partido. Se antes era possível
ser “dono” do partido e negociar a adesão à chapa do prefeito ou governador às
vésperas da eleição, sem precisar estimular a estrutura partidária ao longo de
quatro anos, hoje é preciso manter candidatos com bom número de votos dentro da
própria sigla para garantir a sobrevivência. Isso custa dinheiro e dá trabalho.
Nas
cidades pequenas, onde o número de vagas é menor, houve redução dos partidos.
Os municípios com apenas três siglas no Legislativo saltaram de 5% para 28% do
total. O que ocorreu não foi a preferência dos eleitores por concentrar os
votos em poucos partidos, mas um rearranjo dos próprios políticos, que migraram
para onde teriam mais chances: o partido do prefeito ou o de seu principal
opositor, com uma ou outra legenda “satélite”.
Lugares
com muitas vagas de deputado federal, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro, não devem ver essa concentração tão cedo, mas há 14 Estados onde a
disputa é por menos de dez cadeiras e será mais difícil se eleger por um
partido menor. A tendência então, por sobrevivência política, é os atuais
deputados se juntarem em menos siglas.
É
essa a preocupação da presidente do Podemos, a deputada Renata Abreu (SP), que
deve ser a relatora da PEC na comissão especial e aborda os deputados nos
corredores da Câmara com convite de filiação e a promessa de que o distritão
reverterá esse quadro.
Na
semana da vitória de Lira, única em que todos os deputados estavam em Brasília
desde a eleição municipal, o clima era muito favorável ao distritão. Deputados
do Republicanos e do PL, por exemplo, que votaram contra no passado, agora
propagandeiam esse modelo como o melhor para reduzir custos e tornar a campanha
“mais racional”. Dentro das fileiras do Centrão e entre dissidentes do PSDB e
da oposição, a mudança também é defendida fervorosamente.
É cedo, porém, para dizer se o sistema será aprovado ou rejeitado. Essas negociações se dão muito em cima de cálculos eleitorais pragmáticos. PL e Republicanos votaram contra em 2015 e 2017 por contarem com puxadores de votos que elegiam consigo outros quatro ou cinco deputados em São Paulo e Rio. Parte deles, como Tiririca (PL-SP), perdeu densidade eleitoral. Já os bolsonaristas poderão se beneficiar do sistema se repetirem as altas votações de 2018. É essa conta que cada deputado fará até outubro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário