O
Brasil precisa de precisar precisando. Precisando cada vez mais porque, sem o
precisando preciso e precioso, não se pode continuar precisando tanto do
precisar que conforma o centro do precisar precisando.
As
“elite” molecas, aristocráticas, paranoico-legalistas e negacionistas que tanto
precisam deveriam substituir o paradoxal e comteano “Ordem e Progresso” por um
“É preciso precisar”.
E
é precisando do precisar que vamos continuar a fazer história, pois o que é a
história, senão um precisar do precisando de que tanto precisamos?
Esse
viés vem de um sistema relacional em que uma das questões fatais é “o que você
quer?”. Essa pergunta inocente é sugestiva de favores, obséquios e empenhos.
Ela é adequada à sociedade hierarquizada, que nos obriga a saber quem somos.
Uma ponte entre uma afinada gradação fidalga e uma chocante igualdade cidadã veio com o republicanismo repressor de séculos de escravidão africana e nobreza branca e mestiça. Uma mestiçagem que não cabia na homogeneidade do arianismo europeu que os sub-sociólogos nacionais levaram mais a sério do que seus mestres estrangeiros.
O
Brasil foi condenado pela mistura. Hoje, com o Black Lives Matter, surgem
dúvidas. Você prefere segregação e violência ou mistura?
Do
que você precisa? Espera-se essa pergunta-oferenda quando um amigo “vira”
ministro ou um pai é eleito presidente. Ela revela como os deveres públicos se
curvam diante do poder das obrigações pouco estudadas do filhotismo. Os
pensadores brasileiros jamais entenderam o peso desses costumes visto por um
“reacionário” Gilberto Freyre.
Quando
os laços de afeto não são levados a sério, eles voltam como vergonhas quando —
por erros processuais — se anulam crimes de inegável responsabilidade política,
num supremo carnaval jurídico. O legalismo furiosamente praticado é a lepra do
nosso sistema de poder porque, como o coronavírus, ele é de direita e de
esquerda...
É
preciso acabar com a fraternidade no Brasil? Tal argumento é tão absurdo quanto
não levar a sério as exigências democráticas dos cargos públicos, cuja eficácia
jaz na separação entre o pessoal e o impessoal. Max Weber distinguiu no
protestantismo uma ética individualista em que o crente fala diretamente com
Deus. Esse Deus sem Santa Igreja, sacerdócio, confissão e purgatório como
recurso e prescrição. Não foi o caso do Brasil, onde há um protestantismo
fetichista.
Corrupção
é o conflito entre as obrigações universais dos papéis públicos e as
expectativas dos laços de família. Não é por acaso que a Justiça seja a
primeira esfera a ser agredida quando ela impede a proteção dos filhos ou dos
companheiros.
No
Brasil, os presidentes não inauguram. Eles tomam posse para, messianicamente,
acabar com a roubalheira ou com a incompetência, como se todo mal só estivesse
no governo, e a sociedade fosse inocente. Tal concepção divide governantes e
cidadãos, criando estadomania e estadolatria — esses criadores de estadopatia.
O resultado é que elegemos, com perdão do trocadilho, presidentes-messias que
iriam tudo mudar, mas que (com uma ou duas vênias) repetem em escala escabrosa
o que condenavam. A falta de debate sobre a natureza do papel público
desmoraliza o projeto democrático.
O
poder à brasileira é mais inspirado por ordenações do que por constituições.
Nessa receita, o Estado seria o ordenador da sociedade vista como mestiça,
libidinosa e repleta de capitalistas opressores. Enquanto isso, somos
sistematicamente roubados por administradores públicos de todos os quilates em
todos os níveis.
O
delito foi politizado e, neste momento, sei apenas o que escrevi na minha obra
e aqui reitero: no Brasil, o crime não depende da lei, mas de quem o cometeu!
Um axioma perfeito para a sociedade do “quem foi rei, sempre é majestade”. Um
princípio que aristocratiza os responsáveis por roubalheiras públicas
realizadas em nome do povo.
Somos
avessos ao igualitarismo. Se o viés pessoal é o modelo do precisar precisando,
o igualitarismo impessoal republicano não é progresso, é retrocesso. Como a lei
pode valer para todos se, branco e doutor sou, tenho foro privilegiado, fui presidente,
e papai é o dono do país?
P.S.: Leio que o Museu Nacional pode virar um ponto de turismo. Nada mais me espanta no Brasil. Se apagamos a história e anulamos condenações, por que não completar a obra abolindo a República e proclamando revolucionariamente a Monarquia? Tem imperador à espera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário