Presidente desenha alteração ministerial para tentar chegar competitivo na eleição de 2022
A
mudança ministerial anunciada por Jair Bolsonaro nesta segunda (29) é
um gesto desesperado que busca ao mesmo tempo ceder poder e reforçar a posição
do presidente em meio à catástrofe
da pandemia.
De
quebra, o movimento arrisca
a gerar uma crise militar em plena semana do 31 de março, aniversário
do golpe de 1964 em que as sensibilidades fardadas costumam estar elevadas.
O cenário de crise para o presidente está desenhado desde que o fim do auxílio emergencial foi acompanhado da propagação da variante P.1 de Manaus para o mundo, com escala preferencial no resto do Brasil.
A
aceleração da curva de mortes, a capitulação
do Planalto na guerra da vacina contra João Doria (PSDB-SP), o
evidente fracasso da gestão de Eduardo
Pazuello na Saúde e as sombras inflacionárias no horizonte foram
temperadas com a queda na popularidade do presidente.
O
namoro com o centrão, que datava da fase aguda da crise do ano passado, virou
casamento com o apoio a Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara. Como as
emas do Alvorada sabiam, fidelidade tem preço nesses arranjos.
A
pressão só fez subir com as indicações de que Bolsonaro seguiria no rumo
suicida de sua política para a pandemia, apesar da concessão ao tema vacinas. Com
a defenestração de Pazuello, o centrão viu escapar a possibilidade de
assumir a pasta central da crise —e suas polpudas verbas.
A
entrada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como potencial candidato em 2022 ajudou
a apimentar o cenário. Por um lado, Bolsonaro viu seu rival predileto em campo;
por outro, o centrão piscou várias vezes para o ex-presidente, com quem já
conviveu proficuamente.
A
insatisfação represada durante dois anos de governo caótica transbordou, com a
exigência da cabeça de Ernesto Araújo. O chanceler resistiu pouco e ainda
fez um lance teatral para sair como mártir da revolução bolsonarista ao
atacar o Senado como um aparelho do Partido Comunista Chinês ou coisa pior.
O
desenho apresentado no fim da tarde de segunda buscou atender a essas pressões,
colocando uma deputado de um partido do centrão no Planalto. Flávia Arruda
(PL-DF), contudo, é vista muito como uma indicação bancada pelo senador Flávio
Bolsonaro, filho presidencial 01.
Isso
também resolveu
a insatisfação perene do Congresso com Luiz Eduardo Ramos, o general amigo
de Bolsonaro que ocupava a Secretaria de Governo agora sob as ordens de Arruda.
Seu deslocamento para a Casa Civil o tira da articulação política.
Já
o "downgrade" do fidelíssimo André Mendonça da Justiça para a
Advocacia-Geral da União de certa forma é adequado aos movimentos persecutórios
pelos quais o ministro se notabilizou, sempre em favor do presidente em caráter
pessoal.
É
um escudeiro a mais dentro do Planalto, fortaleza ora invadida pelo centrão.
Vendo
policiais rodoviários federais protestando contra si Brasil afora e o
mesmo Doria tendo tomado a frente na imunização das forças de segurança
paulistas, Bolsonaro fez um movimento há muito esperado e colocou a bancada da
bala na Justiça.
Políticas
pró-armamentos são mais do que esperadas com a ida de Anderson Torres para a
pasta, além de gestos de cooptação maior das corporações policiais. Isso tudo
vai azedar mais um pouco as relações com os militares, esse sim um flanco de
alta volatilidade aberto na crise desta segunda.
A
demissão abrupta de Fernando Azevedo chocou comandantes militares pela
forma e pelo conteúdo. A demanda de Bolsonaro por mais solidariedade do meio de
onde emergiu é um pavio aceso para novas confusões institucionais.
Se
há setores obviamente bolsonaristas nas Forças Armadas, em especial nos
escalões inferiores, todo o movimento da cúpula da ativa nos últimos meses foi
o de tentar se isolar da inevitável simbiose com um governo coalhado de
fardados.
As
benesses frequentes à categoria vinham garantindo um equilíbrio em meio a essas
críticas, mas
tal estabilidade agora estará entregue às mãos de Walter Braga Netto, que
tem várias famas, mas não a de um conciliador como era Fernando Azevedo.
Qualquer
gesto que endosse a ideia bolsonarista de que "meu Exército" está aí
para servir a causas como impedir lockdowns causará um ruído ensurdecedor
na relação
entre presidente/ala militar e o serviço ativo.
No
plano do presidente, a vacinação vai avançar, a economia vai melhorar e será
possível chegar de forma competitiva a 2022. Para isso, terá de lidar com o
apetite crescente de um centrão revigorado, se defender com os aliados que
sobraram e rezar para que a tensão com militares arrefeça.
Na hidra que é o governo, as cabeças da ala militar e a dos bolsonaristas ideológicos sempre se morderam. Não deixa de ser irônico que ambas tenham tido expoentes seus decepados no mesmo dia, visando a salvação do corpanzil do bicho.
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