É
hora de a maioria moderada ajudar o País a evitar o vórtice para o qual tentam
arrastá-lo
O Estado publicou no
domingo 14/3 artigo oportuno de Pedro Malan sobre o desfecho dramático da
tríplice crise – econômica, política e sanitária. Convergindo com os alertas
sobre a necessidade de ação integrada dos moderados para encontrar soluções em
curtíssimo prazo, e com vista às próximas eleições presidenciais, Malan
acrescentou um ponto pouco ou nada abordado até agora.
Trata-se,
segundo entendemos, da necessidade de ir além da discussão de candidaturas e
dar lugar à construção de um consenso programático, uma coalizão de moderados
de diferentes orientações políticas, partidárias e intelectuais. Não será
exatamente isso o que se busca lançando candidatura?
Na
prática, não é o que acontece. Em eleições para o Executivo, sobretudo para a
Presidência da República, candidatos sempre dividem. Cada nova indicação de
candidato divide um pouco mais. A indicação de candidatos e a disputa
prematura, para negociar coalizões partidárias, dividem ainda mais e dificultam
a convergência necessária. Partidos e candidatos servem para competir, e é bom
que assim seja, porque só no despotismo o poder não se disputa. Devemos convir,
entretanto, que nosso país se encontra em situação excepcional, enfrentando,
como vimos, uma tríplice catástrofe – política, econômica e sanitária. Neste
caso, e somente neste caso, nem toda competição é saudável.
Uma
situação excepcional exige que soluções excepcionais, com objetivos positivos,
consensuais e eficazes, se anteponham à necessidade de competir. Existem,
também, “soluções excepcionais” radicais e violentas, sempre justificadas por
aqueles mesmos que provocam o surgimento da radicalização e da desordem,
evocadas para justificar a excepcionalidade.
É previsível que a desordem disseminada pelo governo contra o combate à pandemia e as decisões hesitantes tomadas para estabilizar e recuperar a economia sirvam de pretexto para soluções que transgridam o regime constitucional. O mesmo se pode dizer dos efeitos do conflito entre os impulsos presidenciais, de um lado, e, do outro, as prerrogativas dos demais Poderes, dos governadores e dos prefeitos.
Todo
regime político apresenta riscos de estabilidade, seja na democracia, seja nas
diversas variedades de autoritarismo. O potencial de instabilidade da
democracia é intrínseco, uma vez que sua estabilidade decorre de um equilíbrio
entre interesses distintos e frequentemente opostos. Nela, o Poder Executivo é
regularmente posto em jogo: nos regimes presidenciais, em cada eleição, e nos
regimes parlamentares, a cada votação importante.
O
atual ritmo frenético dos testes de resiliência, impostos às instituições
políticas fundamentais, torna impossível prever se, e quando, a evocação da
palavra ditadura tentará ir além da retórica. É hora de a maioria moderada ir
além da especulação de candidaturas e projetos partidários, para adotar uma
solução excepcional que ajude o País a evitar o vórtice para o qual tentam
arrastá-lo.
A
única solução que vai além das candidaturas e dos partidos é a formação de uma
coalizão em prol da construção de um consenso programático, uma coalizão de
moderados de diferentes orientações políticas, partidárias e intelectuais. Os
movimentos nessa direção se multiplicam. Entre eles, o mais significativo, a
meu ver, é o manifesto assinado por centenas de profissionais, políticos, ex-ministros,
gente com experiência de gestão pública, com liderança reconhecida pela opinião
nacional.
Fala-se
em unidade, em união nacional. Mas governo de união nacional é prerrogativa de
quem governa, não da sociedade.
Governos
de união nacional ocorreram duas vezes em nossa História recente: uma vez, para
extinguir uma rebelião militar que tentava impedir a posse do vice-presidente
João Goulart e outra, para tornar viável o governo do vice-presidente Itamar
Franco, após a queda de Fernando Collor. Construir uma coalizão de união
nacional é uma tarefa árdua. Mas é possível, se as forças políticas moderadas,
envolvendo profissionais, gestores públicos experientes, lideranças políticas,
empresariais e sindicais e outras, fizerem o esforço hercúleo de superar diferenças
e preconceitos, para fazer concessões mútuas, e convergir em torno de propostas
concretas.
Uma
vez que a antecipação de candidaturas (já temos três) divide, a saída pode ser
a construção de uma coalizão capaz de promover um programa amplo, consensualmente
viável, que sirva de referência para as candidaturas moderadas. Os
pronunciamentos recentes da sociedade civil sugerem que os ventos sopram a
favor.
Temos
de enfrentar a tríplice crise e devemos ir além de nos limitarmos a um mandato
presidencial. Podemos esperar sequelas terríveis, não só na saúde das pessoas,
como de ordem social, econômica e política. Se não forem consideradas desde já,
e enfrentadas consensualmente, poderão afetar todo o restante desta década, se
não boa parte deste século.
*Professor titular e professora do departamento de Ciência Política da USP
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